Urbanismo/Arquitectura

MACAU, ENTRE OS SÉCULOS XIX E XX URBANISMO E INFRAESTRUTURAS DE 1820 A 1920

José Manuel Fernandes *

Planta da peninsula de macau 1889, por Antonio Heiton, em litografia. In "100 anos qus Mudaram Macau".1995.

Macau sofreu grande transformação urbanística, infraestrutural e até arquitectónica neste período histórico. A necessidade de modernização isso exigiu e a isso levou, quer pela concorrência nova com Hong Kong, quer pela evolução dos contextos político-sociais locais.

Aspecto da baía da Praia Grande no início do século. In Filipe Emílio de Paiva, "Um Marinheiro em Macau"- 1903, Álbum de Viagem", Museu Marítimo de Macau, 1997

A cartografia da cidade é naturalmente rica para o período de Oitocentos: do 1° quartel do século XIX são o "Plano Hidrográfico e em parte Topográfico da cidade de Macau", de 1808 (Silveira, s/d. vol. III, est. 864), e uma colecção de desenhos de 1819 ("A Engenharia...", 1960: 176). Dos anos 1820-40 são: o "Plan of the town and harbour of Macao" (1829, de Boston) (Graça, 1969,1984:31); a planta de 1831, reformada em 1838 por Cândido António Osório ("A Engenharia...", 1960: 176); e a planta de Macau de 1841.

Depois dos meados do século XIX existem: o "Map of the peninsula of Macao", de 1865 (Silveira, s/d. vol. III, est. 878) e a muito detalhada "Planta da península de Macau, 1889", por António Heiton, em litografia (Graça, 1969,1984: 33).

Estes registos mostram uma urbe ainda presa ao padrão urbanístico quinhentista, com a sua estrutura desenvolvida entre as colinas fortificadas e ao longo da baía da Praia Grande.

De facto, é já só no início do século XX que as grandes transformações urbanísticas vão suceder: a "Planta de Macau por Deliberação do Leal Senado", de 1905, mostra os planos de expansão para os terrenos agrícolas a norte (Silveira, s/d. vol. III, est. 888). Muito rigorosa, é desta fase a planta da Cidade de Macau (e das 2 ilhas), pela Comissão de Cartografia de 1912 (Macao ou... 1983:76).

Na planta de Macau de 1921 já surge o traçado da avenida Almeida Ribeiro ~— a qual, sendo uma transversal à cidade, rectilínea, permitirá a articulação eficaz entre o porto interior e o exterior; a planta inclui também os planos de ocupação para norte e os aterros industriais e infraestruturais da Ilha Verde (Silveira, s/d. vol. III: est. 886).

A "Planta geral da Cidade e novo Porto de Macau", de 1927, exibe os novos aterros a norte e os do porto exterior (Silveira, s/d. III, est. 892).

Sendo Macau uma cidade de padrão cultural muito original nesta região do mundo, a sua silhueta urbana assume uma qualidade e significado especial, captado por vários artistas e viajantes: destaquemos aqui a importância de George Chinnery, que tanto desenhou a cidade, onde residiu entre 1825 e 1852.

Em 1824, ainda a baía da Praia Grande exibia muitas fachadas compactas, segundo o modelo tradicional do solar, com poucas varandas corridas e galerias porticadas (veja-se a aguarela de Robert Elliot, RC n. °' 7-8, 1988-89: 86-a); mas já na segunda metade do séc. XIX e no início do seguinte, a renovação dessa frente urbana mostrará uma sequência preponderante de fachadas avarandadas e arcadas (o palácio das repartições, o hotel, etc.) (RC n. os 7-8, 1988-89: 40-a; e RC n. ° 15, 1991: 26-27).

Na arquitectura militar vão surgir os fortes de D. Maria (1852) e de Mong-Há (1864-66), sendo reformada a fortaleza de São Francisco (1864), com a bateria 1° Dezembro (1872). Assim se reforçava a estrutura defensiva tradicional, datada sobretudo da época seiscentista. Os tufões, frequentes na região, foram especialmente destrutivos em 1831 (que muito destruíram a Praia Grande) e em 1874 ~— pelo que muita da arquitectura da cidade foi reconstruída nestes momentos.

Edifícios da Fazenda, Correios e Hotel Riviera. In Filipe Emílio de Paiva, "Um Marinheiro em Macau"- 1903, Álbum de Viagem".
Planta geral da Cidade e novo Porto de Macau, de 1927. In "100 anos que Muaram Macau”,1995.

Vai ser sobretudo com o arranque de Novecentos que se multiplicarão as intervenções urbanísticas e infraestruturais: depois da promoção da arborização e de novas áreas verdes, ainda no governo de Tomás Rosa (1883-86) ~— e do primeiro bairro extra-muros, o de São Lázaro, em retícula (Graça, 1969, 1984: 126) ~— surgirá a avenida Almeida Ribeiro (projecto de 1910, realizado até fins dos anos 20), e o novo eixo urbano da rua Horta e Costa, em 1910.

É de realçar nesta fase o papel dos aterros como base de desenvolvimento urbano, na falta de outro espaço para crescimento da cidade. Surge a avenida marginal do Porto Interior, construída no fim do século sobre aterros (o canal em 1923, o quebra-mar em 1926, a obra viária cerca de 1930).

Mais extensos, os aterros a norte (Portas do Cerco e Ilha Verde) avançaram desde 1880-1910, e os da Areia Preta/ Hipódromo e do Canídromo/fábrica de tijolos, entre 1928-29. Os maiores aterros — e com maior significado ao longo de todo o século XX como suporte de nova arquitectura — foram os aterros do Porto Exterior, entre 1922 e 1929.

Refiram-se ainda os aterros da Taipa (novo porto) e de Tai-van (em Coloane), e a ponte-cais no Porto Exterior, com estrutura de betão, de cerca de 1930. A extensão da marginal da Praia Grande, que contorna a Barra, foi inaugurada em 1910.

Refiram-se ainda outras infraestruturas significativas de Oitocentos: o cemitério parse, fundado em 1829; a capela e o cemitério protestante (capela de 1821, reconstruída em 1922); e ainda a capela de S. Miguel, no cemitério católico (1875)~— além do impressivo farol do Forte do Monte da Guia, de 1865.

Refira-se ainda a Exposição Industrial e Feira de Macau em 1926, em Mong-Há, com inúmeros pavilhões em gosto regionalista (Macau..., 1994, n. ° 29:46-54).

ARQUITECTURAS E MONUMENTOS DA MACAU OITOCENTISTA

As igrejas, em geral de épocas muito anteriores ao século XIX, foram naturalmente na sua maioria reconstruídas ou renovadas em Oitocentos: a de S. Agostinho foi reparada em 1814; a de S. Paulo (em gravura de George Chinnery de antes do incêndio de 1835, quando possuía uma torre com relógio — RC, n. os 7-8, 1988-89:64) nunca o foi, tornando-se porém a fachada sobrevivente o "ex-líbris" da cidade; a igreja de S. Lourenço, reconstruída em 1803, e parcialmente em 1846 e 1897-98; a Sé Catedral, reconstruída em 1844-50, e remodelada em 1938; a igreja de S. António, reconstruída em 1819 e restaurada em 1875; finalmente, a igreja de S. Francisco, que deu lugar a um quartel em 1861-66 (segundo projecto do governador Coelho do Amaral).

Fortaleza do Monte. Slides de Mica Costa-Grande.
No campo da arquitectura civil, o Palácio do Governo instalou-se no fim de século XIX no que fora inicialmente o palacete do Barão do Cercal, construído em 1849, com os pórticos clássicos. Também oitocentista é o palacete Santa Sancha, na área de construções isoladas, algo romântica, do caminho para a Barra. A reconstrução do centro cívico ~— a praça do Leal Senado ~— foi também obra do século XIX: reconstruída a Misericórdia, renovada a fachada do Leal Senado (de expressão clássica, de 1876) e os Correios (reconstruídos tardiamente, já em 1931), em "pastiche" classicizante. Perto da praça, o edifício do Banco Nacional Ultramarino segue também o quase obrigatório desenho clássico da época.
Igreja de S. Lourenço. Slides de Mica Costa-Grande.
O edifício do "Precioso Sangue" (projecto de John Lemn de 1916) e o palacete "Vila Alegre",hoje Escola Leng Nam (projecto de José Francisco Silva, de 1917-18), são curiosas construções dos anos 20, revivalistas. No bairro de S. Lázaro a arquitectura é muito humilde, seriada e repetitiva. Apresenta ainda vestígios de janelas com as tradicionais "karepas", lâminas de madrepérola em escamado translúcido, em vez do vidro (ao que parece, uma herança goesa). No bairro, um exemplo de construção no aludido "estilo macaense", com a sua fachada porticada em 3 pisos muito decorativos, está datado de 1918. Perto, na rua do Volong n° 36, um prédio de habitação colectiva apresenta varandas dos anos 20 na chamada "arquitectura de betão". Mencione-se ainda o extenso bairro social "Tamagnini Barbosa", igualmente de cerca de 1930.
Hotel Bela Vista. Slide de Wong Ho Sang.

Refira-se ainda o quartel de Coloane e sua bateria (1884), e a leprosaria em Ká-Hó, de cerca de 1930, em "arquitectura de betão", com pavilhões térreos.

MACAU, DOS ANOS 1920-30 À ACTUALIDADE DO ART DECO AOS ANOS DE 1940-50

Devido à sua reduzida superfície, o crescimento urbano de Macau tem-se feito nos últimos 50 anos sobretudo assente nos e dependente dos novos aterros na conquista de espaço ao mar. Em paralelo, um intenso ~— e talvez excessivo ~— processo de renovação urbana tem feito aumentar a densidade de ocupação da península e das ilhas, sobretudo da Taipa.

Antigo Hospital S. Rafael (sede da AMCM e futuras instalações do Consulado-Geral de Portugal). Slide de Mica Costa-Grande.

Refiram-se os aterros da ZAPE ~— Zona dos Aterros do Porto Exterior ~— e os aterros da Baía da Praia Grande, levados a cabo nos anos de 1920 (ZAPE) e nos anos de 1938-46 (na Baía).

O início da ocupação e construção sobre as novas terras que começaram o enchimento da baía (então apenas com a estátua de Ferreira do Amaral, um ou dois edifícios, e alguma arborização), dá-se pelos começos da década de 1940 ~— neste ano executa-se a 1.a Foto Aérea de Macau, onde são visíveis as obras de abertura dos novos arruamentos em curso ~— avenida Infante D. Henrique (que prolonga a Almeida Ribeiro) e av. D. João IV (RC, 1991, n. ° 15:28).

Já nos anos de 1980, procede-se aos novos aterros da NAPE a sul dos anteriores, e ao fecho definitivo da ba da Praia Grande salvaguardando porém com inteligência a presença da linha de costa antiga através de duas lagoas. Ambos os avanços incluem projectos urbanos de Siza Vieira e de Manuel Vicente, respectivamente. Nas ilhas da Taipa e Coloane também se iniciaram vastos aterros, sendo a tendência evidente do conjunto da península e ilhas a sua unificação num continuo de espaço-urbanizado

A ampla renovação urbana em curso desde finais dos anos 70 veio alterar profundamente, senão recriar, o ambiente urbano da cidade: outras volumetrias mais urbanidade e cosmopolitismo ~— que mesmo assim não fizeram ainda desaparecer um certo "charme" da cidade antiga e transcultural que é Macau.

Nas décadas de 1930 e 40 a arquitectura modernista e Art Deco afirmou-se com grande vigor no território. Como temos visto nos outros espaços ultramarinos, a relação íntima com as tendências, autores e práticas arquitectónicas do Portugal europeu foi nesta fase e nas seguintes ~— e é actualmente ~— uma constante.

Destaquemos a construção de equipamentos como o edifício do "Gimnasio 1934", com este mesmo lettering na fachada Art Deco (com escudo de 5 quinas no centro), na rua Conselheiro Ferreira de Almeida, ou ainda das 3 vivendas modernistas na av. Sidónio Pais (de antes de 1950), com corpo central de faixas verticais.

A moradia "Skyline", no Alto da Penha, é das mais exemplares do desenho purista do modernismo; o edifício das "Obras Públicas", modernista, de 1937, torneja a rua com um corpo suavemente arredondado.

O mais imponente edifício desta fase serão do Hotel Kuoc Chai, ou "Grand Hotel", no Porto Interior, com projecto do engenheiro civil João Canavarro Nolasco, de 1937 (inaug. 1940). Este autor terá longa e múltipla produção arquitectónica de 1936 a 50.

Edifício recuperado na Av. Cons. Ferreira de Almeida. Slides de Mica Costa-Grande.

No entanto, os mais significativos equipamentos destas décadas situam-se na área do ensino, pois são inúmeras as escolas então construídas; o colégio situado no Alto da Penha, perto da "Skyline" (citado por Charles Jenks na sua análise do Pós-Modernismo); a "Escola Salesiana", frente à Igreja de S. Lourenço (1936); o "Colégio Dom Bosco", uma escola industrial, conduzida pela Missão Salesiana; a "Escola Primária Oficial", denominada de "Pedro Nolasco Silva", municipal, na rua Ferreira do Amaral, de cor rósea e composição simétrica; a Escola Luso-Chinesa "Sir Robert Ho Tung", também na rua Ferreira do Amaral; o "Instituto Canossiano", "Sacred Heart College"; e o "Jardim de Infância D. José da Costa".

Leal Senado. Slide de Wong Ho Sang.

Obras de carácter industrial e utilitário povoam então as novas áreas de expansão urbana e sobretudo a faixa costeira norte do Porto Interior ~— por onde se fazia na época o acesso principal à cidade (e daí a sua proximidade do "Grand Hotel"). O "Mercado Vermelho" (do arquitecto Júlio Alberto Basto, de 1934, ou do 3. ° Conde de Senna Fernandes em 1936), de expressão Art Deco, nas suas fachadas de tijolo denso; o edifício da Ponte-cais n. ° 8 e o de n. ° 18 este com torre de relógio, datado de 1948); e o edifício comercial, com lojas, na rua Coronel Mesquita, n. ° 80.

Alguma obra revivalista data também desta fase (a igreja da Penha, reconstruída em 1934-35), além dos restauros: do Leal Senado, com frontões nos vãos a substituir os arcos redondos oitocentistas, em 1938-40; da Sé e Hospital de S. Januário (1939).

Nos anos de 1940-50, a chamada "arquitectura do Estado Novo", de pendor monumentalista, historicista e tradicionalista, também surge no território, embora de modo morigerado e pontual.

O monumento, de desenho entre o Art Deco e o nacionalista, actualmente integrado nas piscinas do Canídromo, com escudo pátrio e a inscrição "1140-1910", será o mais significativo e explícito daquela tendência; o chamado edifício "das Repartições", na rua da Praia Grande, datado de 1951, constitui o seu exemplo mais imponente e retrógrado. Outras obras menores, mais discretas, afirmam mesmo assim as intenções tradicionalistas de alpendre e beiral, como sucede nos Correios da Taipa.

Mais transicionais, ou mais modemizantes, são as obras oficiais do Mercado de S. Domingos, de fachada simples (1950), e sobretudo o Liceu Infante D. Henrique (demolido) de corpo cúbico lateral com grelhagem e pérgola sobre o longo avarandado ~— que foi dos primeiros edifícios a serem erguidos nos aterros da baía da Praia Grande. O vasto Hospital de São Januário, reconstruído nos anos 60, tem uma linguagem arquitectónica análoga ao anterior.

ARQUITECTURA MODERNA DOS ANOS 60

O marco que constitui o "Hotel-Casino Lisboa" ~— obra de Liang Tat Man, com uma outra escala e cosmopolitismo ~— assinala as mudanças operadas em Macau, e a aproximação do crescimento urbano acelerado e sua Internacionalização (inaugurado só em 1970). O Hotel Estoril, de gosto quase "kitsch", exibia uma entrada sob arco e um grande painel polícromo na fachada (1963).

Ao longo desses anos de 1960, alguns autores modernos conseguiram afirmar a linguagem internacional na arquitectura portuguesa e o seu desejo de renovação por vezes tão difícil na "Metrópole" de então. Em primeiro lugar, Raul Chorão Ramalho, com a "Escola Comercial Pedro Nolasco", na avenida Infante D. Henrique / esquina com a avenida D. João IV. Obra notável pela utilização de volumetrias articuladas entre si, com jardins, pátios e recreios, e também pela utilização de grelhas de ventilação adequadas ao clima local (1963-69: com painel de esgrafitos sobre mármore, de Luísa Fernandes). Ramalho construiu igualmente: o conjunto de "casas económicas" (1961-62, na rua de Entrecampos, Ilha Verde ~— com utilização de inquérito sociológico à população, precursor na época); o Infantário "Avé Maria" (1963-70, rampa Padre Fernandes, encosta da Guia); as "Casas para Funcionários Superiores" (1961-62, avenida Coronel Mesquita); e a torre habitacional para funcionários, na avenida Sidónio Pais (1962-67).

Ponte cais no Porto Interior. Slide de José Simões Morais.

De Manuel Vicente, provindo de Goa em 1962, e que tirocinou com Ramalho, são desta fase as suas primeiras obras significativas: 4 habitações na Travessa da Praia Grande (de 1962); o edifício comercial "Pacápio" na avenida Infante D. Henrique (de 1965); e, sobretudo, o orfanato e creche para 150 crianças, "Helen Liang", no largo do Chunambeiro, frente à baía da Praia Grande (de 1964), estruturado à volta de um ambiente "claustral" de delicada pormenorização.

Os últimos trabalhos desta sua fase serão a Radiodifusão de Macau e a Torre habitacional dos funcionários dos CTT (esta na ZAPE), ambas obras de 1962-66, quando ocorre a grave crise política de 1966 ~— Macau em conflito com a China da Revolução Cultural.

Outras obras desta fase a mencionar são: a Casa do Secretário do Governo (por Jorge Silva); o conjunto residencial de S. Francisco (por José Maneiras); as moradias para pessoal dos CTT, na estrada D Maria Ⅱ (por Henrique Mendia); e o bairro social junto ao trote da Taipa (por João Fernandes).

Mercado Vermelho. Slide de Mica Costa-Grande.

A "RENOVAÇÃO EXPLOSIVA" DOS ANOS 1980-90

Depois de uma fase de relativa estagnação entre 1967 e 1975, ressurge em Macau uma dinâmica urbana agora alimentada por muitos arquitectos e técnicos provindos do Portugal pós-25 de Abril ou das ex-colónias africanas. Nos finais dos anos 70, e sobretudo nos anos de 1980-90, pode falar-se de uma "arquitectura pós-Império Ultramarino", que foi, e é, autêntico cadinho de tendências e de culturas arquitectónicas múltiplas.

Radicados no território, ali se foram cumprindo percursos, obras, projectos.

Da dupla António Bruno Soares e Irene O assinalem-se entre muitas obras a piscina de Coloane e a Escola de Pilotagem da Marinha, da fase inicial; o marcante "Edifício das Finanças" (de 1986-87), obra assumidamente pós-moderna, em pleno centro da cidade (rua da Praia Grande/Almeida Ribeiro n. ° 69, ao lado do BNU). Mais recentes, são as recuperações, para funcionamento da "Autoridade Monetária e Cambial de Macau", do antigo hospital de São Rafael (1990-91), e a do "Hotel Bela Vista", na Barra (de 1992, com Jorge Burnay). Refiram-se ainda as moradias "puristas" na Taipa.

Paulo Sanmarful (Carcavelos, 1950) trabalhou muito na área habitacional (habitação em Coloane, 1986; Centro de Saúde do Porto Interior, 1990; blocos em torre, polícromos, na Areia Preta, 1992). Vicente Bravo (Luanda, 1946) construiu, entre outros, um bairro no sector de Tamagnini Barbosa (1986), uma cuidada subestação eléctrica, à Estrada D. Maria II (1988), e o edifício no lote 45-E do plano da Baixa da Taipa, (1988-1991).

Entre os autores que designaríamos de "resistentes", de longa permanência no território, podemos referir: José Maneiras, com as piscinas do Campo Desportivo do Canídromo (1984/6): Lima Soares (Lisboa, 1945), com o "Edifício Iberasia" (1986), a moradia na praia de Cheok Van, em Coloane (1986-87), o bairro n° l dos Correios (1986-1991), o edif. Van long, na avenida da Amizade/avenida Infante D. Henrique (1992), ou a recuperação do edifício dos Correios (1931), na av. Almeida Ribeiro, de 1989.

Francisco Figueira trabalhou sobretudo na área do património arquitectónico: em 1976 dá-se a criação da Comissão de Defesa do Património de Macau; logo de seguida iniciam-se as obras de recuperação, na avenida Conselheiro Ferreira de Almeida, de 8 construções do início do século, obras realizadas entre 1977-1982 com a sua orientação (prémio de recuperação pelo Annual Pacific Heritage Contest, em 1982).

De Natália Gomes (1937) refira-se a Moradia para Vistas Oficiais, à Praia Grande, de 1979; de José Catita (1947) e Eduardo Medeiros (1932), o vasto Forum de Macau (obra até 1986).

Torre do World Trade Centre. Slide de Joaquim de Castro

Alguns "autores de fora" também iniciam produção, pontual mas assinalável, em Macau. São exemplos: Tomás Taveira, com o novo Liceu, de 1989, e o conjunto habitacional junto ao bairro Tamagnini Barbosa (1985-6); Siza Vieira e Fernando Távora, com o projecto do bairro dos "Novos Aterros-NAPE", de 1984/1995 (c/ Palmer & Turner); e a Profabril/Leonor Janeiro, com o terminal de passageiros do Jetfoil, na ZAPE, de 1993. João Luís Carrilho da Graça projectou a complexa Musealização das Ruínas de S. Paulo, com o apoio do atelier Manuel Vicente, entre 1991 e 1996.

A produção dos arquitectos "locais ou naturais" mostra a importância da comunidade macaense na área da arquitectura, afirmada na década de 1980. Destaquemos: Bruno Jorge, Pousada de Santiago, na colina da Penha, 1977; pavilhão desportivo de Mong Há, na rua Francisco Xavier Pereira, antes de 1982; moradia própria, na Barra, 1985. José Chan (Macau, 1941), com a Universidade da Taipa, 1986, ou o Hotel New Century, na Taipa (1992), entre muitas outras obras. Eddie Wong (Macau, 1952), autor ligado à estética do pós-moderno, com inúmeros interiores, o edifício da Associação Comercial de Macau (1987-1990); na rua de Xangai n. ° 175, na ZAPE e o impressivo prédio na Estrada de Cacilhas, de 1988.

Palácio do Governo. Slide de Mica Costa-Grande.

Outros autores, nomeadamente da chamada "nova geração", têm trabalhando activamente em Macau: Carlos Marreiros (Macau, 1957), autor do bloco das Salesianas de D Bosco, à Estrada da Vitória (1986), do centro de Saúde de Tap Seac, na avenida Conselheiro Ferreira de Almeida (1991), da recuperação da Casa Garden/ Fundação Oriente (1993) ~— autor com uma arquitectura inventiva e muito personalizada; Adalberto Tenreiro (S. Tomé e Príncipe, 1955), arquitecto com obra mais "gráfica" e dinâmica, autor quase de uma "caligrafia oriental" tridimensionalizada no espaço, com as oficinas e salas de Formação na Central Térmica de Coloane, da CEM (1991), as passagens superiores pedonais, na rua do Campo (1991), e o Centro de Comando da CEM, na Areia Preta (1992). Mais recentes, de sua autoria, e exemplificativas dessa expressão, refiram-se: os bombeiros da Taipa (1995-6), a ampliação do ginásio de Mong Há, em esquina "pendurada" (1994-5) e as piscinas da Taipa, de 1994.

Entre grande diversidade de obras, refiramos mais alguns nomes. Helena Pinto (Aveiro, 1956) tem produção assinalável na cidade: os estacionamentos e habitação, em blocos, na avenida Sidónio Pais (1988-92), ou a ampliação dos Serviços de Bombeiros, na Estrada Coelho do Amaral, de 1993; de Ana Borges (Angola, 1956), refira-se o edifício comercial na rua Cunha, 33-35, na Taipa, de 1989-90; de Luís Sá Machado (1951), mencionemos o Colégio Diocesano de S. José, bloco C, no bairro Tamagnini Barbosa, de 1990-91, ou o prédio na avenida da República, n° 78, (1991); de Conceição Perry (Lisboa, 1954), assinale-se o interessante conjunto de 7 moradias na Colina da Penha, de 1990-91; de Raquel Ferreira (Lisboa, 1951), o edifício na esquina da rua dos Armazéns, de 1988-91; de José Luís Iglésias (Porto, 1953) os diversos trabalhos de equipamentos produzidos nas Obras Públicas, de 1984 a 1992; de António José Piano (Lisboa, 1948), o bloco do quarteirão 33, na Baixa da Taipa, de 1992; finalmente, de Carlos Moreno (Covilhã, 1954), o Museu Marítimo de Macau, de 1989-1990.

O "CASO" DE MANUEL VICENTE

Manuel Vicente (Lisboa, 1934) é "o arquitecto de Macau", um caso à parte na produção do território pela continuidade da sua actuação (desde 1962, apenas com alguns interregnos), mas igualmente pela qualidade, diversidade, sentido inovador e inventivo da obra.

As duas pontes Macau-Taipa. Slide de José Simões Morais.

Hotel Lisboa. Slide de José Simões Morais.

Museu Marítimo. Slide de José Simões Morais.

Dos seus "prédios" de habitação ~— tipologia a que se entregou sem preconceitos nos anos 70-80 (quando muitos colegas rejeitavam essa arquitectura "de construtor civil"), tentando, "à maneira" de Cassiano Branco, melhorar a sua qualidade ~—destaquemos diversos trabalhos: as 3 torres na Barra, obra que assinala o regresso ao território, de 1976-83, onde reutilizou projectos seus macaenses dos anos 60; o "lote vermelho" junto ao mercado vermelho, modernista, e em diálogo com este, de 1978; o edifício da Estrada D. Maria, n. os 17-19, de 1979-80; o edifício "Chunambeiro-1980" à Praia Grande, de 1978-80, azul e amarelo, desejado marco visual no perfil da Barra; o famoso conjunto do Fai Chi Kei, 1000 casas para habitação social, de 1985-88, premiado internacionalmente; o prédio no largo Lobo D'Ávila, frente à baía da Praia Grande, de 1982-88, elegante "citação" Pós-Moderna; o Prédio Ng Fok, no bairro do Hipódromo, quarteirão n. ° 6, bloco I, de 1986-92; e o edifício de escritórios World Trade Center, no NAPE, de 1986-1995, brilhante na assumida colagem de formas e vibrante nos seus tons vermelhos e brancos.

Na área das obras de recuperação patrimonial mencionem-se, de Manuel Vicente: o edifício do Arquivo Histório do I. C. M., na rua Conselheiro Ferreira de Almeida, n. ° 37 (de 1983-85 e 1991); e o edifício Ritz/Turismo, no largo do Leal Senado, de 1988 ~— ambos de inexcedível e riquíssima pormenorização.

Nos planos e nos equipamentos tem também obras assinaláveis: o chamado "Fecho da Baía da Praia Grande", iniciada em 1982, obra vasta e longa, estruturante da imagem da "Nova Macau", que prossegue actualmente; as instalações da TDM, Televisão de Macau, de 1982-88; e o espectacular edifício dos serviços de Bombeiros da Areia Preta, conjunto de torres, muros, estruturas e frontões de forte marcação urbana, de 1991-96.

Das grandes obras e empresas, sediadas entre Macau e Hong Kong, refira-se a Palmer & Turner, com colaboração de Campina Ferreira em 1984-91, e de vários outros arquitectos (Taipa Island Resort; o conjunto de blocos habitacionais no aterro da Areia Preta; o plano urbano dos Novos Aterros do Porto Exterior NAPE, de 1984-93, com Siza eTávora; e o "marco" do Banco da China, edifício mais alto de Macau, na avenida da Amizade, de 1991).

Mencione-se igualmente o atelier de Jon Prescott (Inglaterra, 1925-1993), autor do complexo turístico de Hac-Sá em Coloane, do projecto da Casa de Chá Luk Kok, de 1992, do conjunto do Centro de Instrução das Forças de Segurança, em Coloane, de 1990 (com Carlos Marreiros, Ana Leandro, Eduardo Flores).

Algumas obras-chave dos últimos anos da Macau de administração portuguesa podem ser ainda mencionadas: o Aeroporto Internacional, inaugurado em 1996; a nova Ponte Macau-Taipa, de 1993-4; o novo porto de Ká-Hó, em Coloane, e a central de Incineração, de 1995.

Novo edifício -sede do BNU, que mantém a fachada original do princípio do século. Slides de Wong Ho Sang.

Este texto foi desenvolvido, adaptado e alterado a partir de dois sub-capítulos escritos pelo autor para a obra "História da Expansão Portuguesa", editada pelo Círculo de Leitores, Lisboa.

BIBLIOGRAFIA

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Callixto, Vasco — Viagem a Macau: ed. Autor, Lisboa, 1978

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* Arquitecto. Doutorado em História da Arquitectura e do Urbanismo pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa. Autor de estudos de urbanismo e arquitectura no quadro da cultura de matriz portuguesa, tendo publicado, entre outros, o livro "Arquitectura Modernista em Portugal". Comissário de exposições de arquitectura (Lisboa, Madrid, Nova Iorque, Milão, etc.).

desde a p. 76
até a p.