Política e Diplomacia

ODA NOBUNAGA E A EXPANSÃO PORTUGUESA

João Paulo Oliveira e Costa*

A expansão portuguesa foi, sem dúvida, um processo revolucionário no contexto da História Universal: pelo seu carácter descom-partimentador1 aproximou sociedades de quatro continentes,2 permitindo que a Humanidade ganhasse uma muito maior consciência de si própria e do seu planeta. Por isso, a chegada dos primeiros portugueses a diversos pontos do Globo constitui hoje um marco importante nas respectivas histórias locais.

Recepção à chegada de uma nau portuguesa a Nagasáqui; detalhe de biombo namban, onde se vêem vários Jesuítas, alunos e frades (Kobe Municipal Museum of Namban Art; in "The Namban Art of Japan", Ioshimoto Okamoto).
Detalhe de pintura em leque (Kano Motohida): o Namban-ji ("Templo dos Bárbaros do Sul"), nome japonês da Igreja de Nossa Senhora da Assunção, construída pelos Jesuítas em Quioto, em 1576 (Kobc Municipal Museum; in "The Namban Art of Japan", Loshimoto Okamobo).

O Japão não escapa a esta regra - a memória do desembarque de alguns navegadores lusos numa praia de Tanegashima, em 1543, recorda não só o início dos contactos luso-nipónicos mas, de uma forma mais geral, o rompimento do quase total isolamento em que o país vivia. Foi do ponto de vista da História do Japão que estes contactos tiveram maior impacto - enquanto para os Portugueses o achamento do arquipélago do Sol Nascente representou sobretudo o conhecimento de mais uma região do mundo, para os Nipónicos significou uma tomada de consciência do próprio mundo, influenciando significativamente o curso da sua história nacional.3

Em meados do Século XVI o Japão estava dilacerado por uma secular guerra civil, que arrastara há muito o país para um caos político;4 vivia-se então na mais pura anarquia feudal, pois nenhum dos grandes barões se conseguia sobrepor aos demais. Ao desembarcarem, os Portugueses introduziram aí uma nova arma, a espingarda; e, poucos anos depois, Oda Nobunaga (1534-1582), o precursor da reunificação política do império nipónico (1573-1603),5 apercebendo-se antes dos seus rivais das enormes potencialidades das armas de fogo, desequilibrou a situação político-mi-litar a seu favor, tornando-se no senhor mais poderoso do império; modificava, assim, o curso da história japonesa, ao mesmo tempo que também procurava aproveitar para seu benefício pessoal outros fenómenos resultantes da presença lusa no país, nomeadamente o exotismo dos objectos ocidentais e o esforço missionário levado a cabo pelos Jesuítas.

Pretendemos, pois, analisar aqui um aspecto particular das relações luso-nipónicas: a forma como aexpansão portuguesa influenciou a carreira deste grande vulto da História.

OS EFEITOS DA EXPANSÃO PORTUGUESA NO CENTRO DO JAPÃO ENTRE 1543 E 1568

Desde que chegaram ao arquipélago japonês, os Portugueses concentraram as suas actividades na ilha de Kyushu. Era aí que os mercadores realizavam os seus negócios,6 e que vivia a maioria dos missionários estantes no país; foi também nessa ilha que lograram obter uma base definitiva - Nagasáqui7 (Nagasaki).8

À grande ilha de Honshu, onde se situava a área nevrálgica do país (em torno de Quioto (Kyôto), a capital), por cujo domínio se degladiavam os daimyô9 mais ambiciosos, afluiram durante este período pouquíssimos portugueses. Os comerciantes, por exemplo, não tinham necessidade de se deslocarem aí, pois já obtinham lucros elevados em Kyushu, onde estavam mais protegidos; com efeito. era mais segura a permanência dos ricos navios lusos numa zona excêntrica do arquipélago, do que no seu coração, onde os riscos eram muito maiores, e os ganhos não sofreriam alteração significativa.

Mas para os missionários nunca havia lucro suficiente, nem fazendas a defender; movidos por uma lógica assaz diferente, cedo procuraram penetrar no centro do império pois compreenderam, desde o início, que a capital aliava à sua importância política um grande prestígio cultural. Por isso, Francisco Xavier, o pioneiro da evangelização sob o Sol Nascente, logo tentou anunciar o Evangelho em Quioto, chegando aí em Janeiro de 1551; mas a cidade estava em guerra, pelo que Xavier se retirou ao fim de 11 dias.10 Persistentes, os Jesuítas tentaram de novo entrar em Quioto oito anos depois, através do padre Gaspar Vilela, então acompanhado por dois japoneses convertidos, os irmãos Lourenço e Damião.11 Vilela permaneceu aí até 1565, apenas com um breve interregno (1561-1562), devido a um período de combates mais acesos.12 Em 1565 chegaram aí o padre Luís Fróis e o irmão Luís de Almeida,13 mas nesse mesmo ano os missionários foram expulsos da cidade, refugiando-se em Sakai,14 onde permaneceram até que Nobunaga hasteou a sua bandeira em Quioto, no ano de 1568.

Era muito mais difícil a permanência dos padres na capital do que em Kyushu, pois nestaúltima eram protegidos por diversos daimyô, que mantinham também boas relações com os comerciantes portugueses. Com efeito, antes da fundação de Nagasáqui, os navios vindos de Macau fundeavam em portos onde podiam receber apoio logístico dos missionários, pois enquanto estes viviam permanentemente no Japão, na suamaioria os mercadores só ali estavam sazonalmente, pelo que tinham nos religiosos informadores imprescindíveis. Não havendo comércio luso-nipónico em Honshu, o interesse dos grandes senhores pelos religiosos não era estimulado por razões de ordem material, o que tornava os padres muito mais permeáveis aos ataques dos bonzos - os monges budistas que não viam, naturalmente, com bons olhos, a propagação no país de uma nova Fé.

Este belo documento iluminado é a carta de saudação, datada de Abril de 1588, de D. Duarte de Menezes, Vice-Rei da Índia, para Toyotomi Hideyoshi, que entretanto decretara a expulsão dos Jesuítas. Foi apresentada pessoalmente por Alexandre Valignano, S. J., em Quioto, em 3 de Março de 1591 (60,6 x 76,4 cms.; Myoho, Quioto).

Mas apesar da presença lusa estar concentrada em Kyushu, o seu impacto civilizacional atingia as restantes áreas do império, aonde afluíam novas tecnologias, estranhos artefactos e curiosas roupagens. Dois exemplos testemunham-nos de forma inequívoca o modo discreto de como essas novidades foram penetrando a pouco e pouco pelo país.

Quando, em 1569, correuvozemQuioto, que Nobunaga era grande apreciador de roupa e objectos ocidentais, logo os fidalgos que lhe desejavam requerer favores lhe passaram a oferecer "vestidos de Europa, capas de grã, gorras e sombreiros de veludo com suasplumas, e medalhas de ouro com a imagem de Nossa Senhora, peças de cordovão, relógios, pelicas riquíssimas, vidros de Veneza cristalinos mui ricos, damascos, cetins e outras diversas peças da Índia, de que enchiam muitos e grandes caixões."15 Esta situação curiosa só era possível porque, ao longo do último quarto de século, as peças descarregadas pelos Portugueses nos portos de Kyushu se tinham escoado, em parte, para as outras ilhas.

Mas o exemplo mais significativo da disseminação de elementos ocidentais pelo território japonês é, sem dúvida, o da rápida difusão da espingarda: deixado aí um exemplar logo nos primeiros contactos, cedo este foi desmontado e reproduzido, tomou o nome da primeira terra nipónica que o vira -- Tanegashima - e foi depois introduzido em Honshu a partir da cidade de Sakai.16 Em pouco tempo, alguns dos principais senhores começaram a dotar esquadrões com a nova arma: Geoffrey Parker assi- -nala que a estreia de um corpo organizado de espingardeiros em batalha, foi da responsabilidade de Takeda Shingen e sucedeu em 1555 (somente doze anos depois do primeiro desembarque de aventureiros portugueses), na batalha de Shinano Asabiyamajô;17 começavam então a circular tratados sobre o manuseamento desta arma revolucionária.18 Ironicamente, vinte anos mais tarde o exército do clã Takeda seria destroçado pelo de Nobunaga na batalha de Nagashino, devido à forma inovadora e eficiente como Oda utilizou a nova arma,19 facto a que voltaremos adiante.

A expansão lusa tinha, pois, características mais exuberantes em Kyushu, mas os seus efeitos chegavam ao resto do império, ainda que, essencialmente, pelas mãos dos próprios japoneses. Foi com esta expansão filtrada que Oda Nobunaga contactou, primeiro quando começou a dotar os seus exércitos com armas de fogo e, depois, quando estabeleceu relações com os missionários -- o único contacto directo que Nobunaga manteve com portugueses.

Como dissemos atrás, a instalação dos Jesuítas na capital foi um processo lento e penoso; foi, além disso, conduzido por um escasso número de missionários; curiosamente, dos vários religiosos estantes na missão de Quioto entre 1568 e 1582, que contactaram com Nobunaga, apenas um era português - o padre Luís Fróis;20 os outros foram dois italianos, os padres Organtino21 e Valignano,22 e um japonês, o irmão Lourenço.23 Nobunaga contactou episodicamente com um outro português, o padre Francisco Cabral (superior do Japão entre 1570 e 1581), quando este se deslocou de Kyushu à côrte para o visitar em 157124 e em 1574.25 Note-se que durante este período trabalharam na região outros religiosos, nomeadamente os padres Francisco Stefanoni e Gregório de Cespedes,26 mas não mantiveram contactos importantes com Nobunaga. Parece-nos, pois, que também neste aspecto a expansão portuguesa chegava filtrada a Quioto. À capital nipónica afluía então apenas uma parcela (os Jesuítas) de um corpo específico (os missionários), ficando de fora todos os demais grupos sociais que animavam nesta altura a diáspora lusa pelo mundo; todavia, apesar da sua especificidade, era, como acabámos de ver, um corpo multinacional. Importa acrescentar ainda que, durante todo este período, as relações diplomáticas luso-nipónicas se mantiveram circunscritas a alguns daimyô de Kyushu, com particular destaque para o de Bungo, Ôtomo Yoshishige (1530-1587), o mais poderoso apoiante dos primeiros missionários. Sintomático dessa relação privilegiada,27 é o facto da rainha D. Catarina ter enviado em 1558 uma carta a Ôtomo participando-lhe, em nome de seu neto, o rei D. Sebastião, a morte de D. João III e renovando a amizade entre o rei de Portugal e o de Bungo,28 carta a que Ôtomo respondeu em 1561.29 Para além de mais alguma correspondência, sabemos que em 1572 regressou ao Japão uma nova embaixada de Bungo, que se deslocara a Goa.30 A notícia da conversão de Omura Sumidata ao Cristianismo31 foi motivo para que D. Sebastião se correspondesse com ele em 1565.32 Este é, sem dúvida, um outro exemplo da concentração dos interesses nipónicos dos Portugueses na ilha de Kyushu. O engrandecimento do poderio de Nobunaga parece não ter sensibilizado as autoridades lusas a contactá-lo, embora ele se tornasse num gentio protector dos missionários, tal como o foi Ôtomo Yoshishige até ao seu baptismo, em 28 de Agosto de 1578.33 Só mais tarde, quando Toyotomi Hideyoshi já controlava todo o Japão,34 e pressionava perigosamente os cristãos, é que Valignano, na sua segunda visita ao arquipélago, se apresentaria perante ele, em 1591, como embaixador do Vice-Rei da Índia.35 Aparentemente, só então é que Goa prestou atenção ao poder central nipónico, que despontara há dois decénios. Deve-se notar ainda que Valignano, quando organizou em 1582 a célebre embaixada de jovens japoneses à Europa, não incluiu nenhum representante de Nobunaga, apesar das excelentes relações que havia mantido pessoalmente com ele. Só viajaram então para Ocidente elementos da nobreza de Kyushu, embora Jennes afirme que o Visitador "desejava levar consigo também alguns jovens nobres da região de Quioto, mas fôra-lhes impossível chegar a Nagasaqui a tempo."36 Não temos, no entanto, nenhuma indicação de que nela se pretendesse incluir qualquer tipo de representação daquele que era então o senhor mais poderoso do Japão e um grande protector da actividade dos Jesuítas. Podemos, pois, concluir que Nobunaga não se relacionou propriamente com os Portugueses e as suas instituições oficiais. Todavia, a sua relação com agentes da expansão lusa seria intensa e revestir-se-ia de características assaz peculiares. ^^ ODA NOBUNAGA Nobunaga foi um dos maiores guerreiros da história do Japão, e quiçá da história mundial. A sua carreira não nos deixa dúvidas quanto a isso. Em 1551, com 17 anos, à morte de seu pai (Oda Nobuhida) herdou apenas uma pequena parcela do território de Owari, mas nove anos mais tarde já era o seu daimyô, tendo, assim, alcançado a supremacia no seio da família.Nesse mesmo ano assegurou a inviolabilidade do seu feudo e evidenciou os seus dotes militares: Imagawa Yoshimoto (1519-1560), desejoso de conquistar Quioto, não hesitou em atravessar o território de Owari à frente de um exército de 25.000 homens; mas Oda, dispondo apenas de 1800 soldados, armou-lhe uma cilada e, aproveitando a confusão gerada por uma tempestade, derrotou o inimigo na batalha de Okehazama.37 Até aqui as armas de fogo não tinham tido uma importância relevante. Em Okehazama, as condições atmosféricas haviam mesmo impedido a sua utilização, devido a terem ficado molhadas. Nobunaga seguiu, assim, métodos tradicionais para se tornar num grande daimyô. Seria para alcançar o poder absoluto sobre o Japão que ele iria recorrer a métodos revolucionários - o melhor aproveitamento das armas de fogo,38 a que atrás nos referimos, foi, sem dúvida, decisivo para que se desse uma alteração brusca no impasse políti-co-militar que se arrastava há anos.39 Em 1567 Nobunaga conquistou a província de Mino, e já não escondia então a sua ambição de alcançar a hegemonia nacional;40 no ano seguinte entrou triunfante em Quioto, apoiando o último dos xoguns Ashikaga,41 mas cinco anos depois destronou-o, tornando-se então no homem mais poderoso do império, continuando a conquistar feudos e a derrotar as coligações que se lhe opunham,42 tendo mais de metade do Japão sob o seu domínio aquando da sua morte.43 George Sansom termina a sua análise da figura de Nobunaga apodando-o de "um bruto sem coração nem piedade."44 Parece-nos inquestionável que a carreira ascencional de Oda assentou numa ferocidade impiedosa, que o levava a não hesitar em eliminar todos os que o enfrentassem. Cremos, porém, que esta era uma característica alargada à esmagadora maioria, senão à totalidade, dos grandes guerreiros nipónicos, pois se uns mataram menos que outros, foi quase sempre porque tiveram menos engenho ou sorte nos combates. A ferocidade era um elemento inevitável num conflito como a guerra civil japonesa,45 de que nem os cristãos e os próprios missionários se conseguiram dissociar.46 Deixando, assim, de lado esse traço comum a toda a casta guerreira, importa analisar os traços da personalidade de Oda Nobunaga que, aparentemente, mais o estimularam a se relacionar com os Jesuítas. Neste sentido, três das principais características que lhe podemos apontar são, em nosso entender, o auto-con-vencimento, a concepção do espectáculo do poder e um espírito revolucionário.
Cena da Batalha de Nagashino (1575) - triunfo da inovação táctica de Nobunaga, assinala historicamente o triunfo da arma de fogo e o fim da Cavalaria Medieval no Japão. Oda Nobunaga foi o primeiro a compreender que uma arma lenta devia desempenhar um papel defensivo. Para ter uma cortina de fogo ininterrupta, dispôs os mosqueteiros em três filas, correspondentes aos três tempos de acção dos mosquetes: carregar pela boca, incendiar a mecha, pontaria. Assim dispôs 3000 espingardeiros na frente do combate, em Nagashino (Detalhe de pintura em biombo, Tokugawa Art Museum, in Noel Perrin, op. cit.).

Como político, Oda procurou sempre complementar as suas vitórias militares com o espectáculo do poder -- desejava deixar bem claro o seu poderio perante os seus compatriotas, o que também satisfazia, certamente, uma evidente vaidade. Parece-nos que um dos exemplos mais óbvios desta faceta do exercício do poder se verificou em 1581, quando decidiu abrir o castelo de Azuchi ao povo, para que este o visitasse e admirasse assim "a sumptuosidade dos seus paços."50 Este desejo de sobressair, também se afirmava pelo uso de objectos exóticos, vindos do Ocidente. Numa festa que organizou também em 1581, "a qual é a mais nobre e esplendida, e custosa de quantas tem feito"51 passeou numa cadeira de estado em veludo que Valignano lhe oferecera "para mais ostentação e grandeza do seu estado e com que ele se diferenciava dos outros."52

A expansão portuguesa dotava, pois, Nobunaga de elementos que reforçavam a sua política, ao mesmo tempo que alimentavam a sua curiosidade e gosto de saber.53 E por esta altura, o seu nome começava a ressoar na Índia e na Europa de forma até um pouco exagerada. Em 1580, tanto o padre Rui Vicente, Provincial dos Jesuítas da Índia Oriental,54 como o seu confrade Mateus Ricci,55 ao escreverem cartas na Índia, referiam-se a Nobunaga como o "imperador do Japão", sinal de que a fama já empolara o seu verdadeiro título.

O tipo de acções políticas levadas a cabo por Oda parecem-nos indiciar que ele era um homem com um profundo sentido da História: o seu comportamento mostra que ele se apercebeu perfeitamente dos dois grandes fenómenos históricos que estavam então a decorrer no Japão - a reunificação política do país e a sua abertura ao mundo; Nobunaga era protagonista dos dois processos, o que o colocava num plano nunca antes alcançado por um japonês, e o aproximava inevitavelmente dos Jesuítas.

Mas além destas características, Nobunaga era ainda, de certa forma, um revolucionário. Fôra-o do ponto de vista estratégico, estava a sê-lo numa perspectiva político-administrativa56 e procurou sê-lo também a nível social - durante toda a sua carreira atacou deliberadamente o poderio dos bonzos e dos seus mosteiros.57 Para gáudio dos Jesuítas, foram então arrasados inúmeros templos e ídolos, ao mesmo tempo que os missionários eram incentivados a prosseguir o seu ministério.58 Em 1582, o padre Gaspar Coelho repetia a informação, já veiculada anteriormente por alguns dos seus companheiros, de "que os seus se espantam nem podem entender o que nisto pretende,"59 o que nos parece que deve ser visto, precisamente, como o resultado de um comportamento que, por romper com a tradição nipónica, era revolucionário; circulavam mesmo rumores sobre uma já consumada, ou próxima, conversão de Nobunaga ao Cristianismo.60

Apesar de depararmos em muitas cartas de Jesuítas com a esperança dessa conversão, mas nunca nas dos dois que mais intimamente conviveram com ele (Fróis e Organtino),61 todos os indícios apontam para que Nobunaga fosse ateu. Isto não invalida, porém, tendo em conta a sua personalidade, que lhe pudesse interessar a propagação da religião cristã no seu país, como veremos no ponto seguinte.

Todavia, a interpretação da acção de Nobunaga e dos seus planos nunca poderá ser totalmente conclusiva, pois a sua morte súbita em 1582 interrompeu uma política que tinha um cunho demasiadamente pessoal; o seu sucessor, Toyotomi Hideyoshi, prosseguiria o esforço de reunificação política, mas seguindo um rumo ditado pelas suas próprias ideias, que não se identificavam totalmente com as de Oda.

NOBUNAGA E OS JESUÍTAS

Não pretendemos reconstituir aqui o relacionamento entre o guerreiro e os religiosos, trabalho já realizado pelo jesuíta Johannes Laures com base nos documentos dos seus confrades quinhentistas;62 afigura-se-nos, contudo, possível reavaliar alguns dos acontecimentos então decorridos e integrá-los no processo histórico que temos vindo a delinear.

Grande inimigo dos bonzos, Nobunaga foi denominado por Luís Fróis logo em 1569 como o "anjo", figura de retórica que reflecte, sem dúvida, a existência de pontos de vista comuns: "E no mesmo conflito em dia de S. Miguel o anjo matou nesta varela de Sanno 1120 bonzos que se puzeram em armas contra ele."63

Toda a década de 1570-80 foi marcada por este relacionamento prometedor, acompanhado das vitórias de Nobunaga e da lenta, mas segura, propagação do Cristianismo nas áreas em torno da capital. Todavia, no ano de 1578 tudo esteve em jogo.

Com efeito nesse ano, Araki Murashige, daimyô da província de Settsu, mudou de partido e aliou-se aos principais inimigos de Nobunaga. Um dos seus vassalos era o cristão Takayama Ukon (D. Justo), capitão da estratégica fortaleza de Takatsuki.64 Tendo familiares seus como reféns nas mãos de Araki, Ukon aderiu contrariado à revolta, e logo foi cercado por Nobunaga. "Takatsuki era uma fortaleza importante e a sua posse era decisiva para a submissão de toda a província de Settsu, mas não era fácil de conquistar."65 Nobunaga encontrou, no entanto, uma forma de apressar a sua queda: "pediu" ao padre Organtino que "aconselhasse" Ukon, pois "tenho sabido muito de certeza que os cristãos obedecem à risca aos Padres nas cousas lícitas e honestas."66 O jesuíta não tinha por onde escolher: ou interferia e conseguia trazer o comandante cristão para a causa de Nobunaga, agradando assim ao grande senhor, ou, desobedecendo, incorreria na sua ira e poria em causa toda a missão. Organtino foi bem sucedido: Takayama Ukon tornou-se num prestigiado servidor de Nobunaga67 e os padres ficaram mais intimamente ligados ao unificador do país.

Parece-nos que, tal como afirma Laures, este episódio é ilustrativo do real desinteresse de Nobunaga em se tomar cristão,68 pois fez depender a sua relação com os religiosos de uma manobra política a que eles, em princípio, eram estranhos; pensamos, contudo, que também nos demonstra uma das principais razões por que Nobunaga protegia tanto os missionários - tal como este incidente demonstrara claramente, controlando os padres, ele controlava também os cristãos que lhes obedeciam. Note-se que o recurso a este tipo de fidelidade ia naturalmente contra o código do bushido, cuja espinha dorsal era a fidelidade do bushi ao seu senhor;69 todavia, como assinalámos atrás, Oda Nobunaga não era propriamente um tradicionalista e, aparentemente, foi capaz de reconhecer na fidelidade baptizado-sacerdote um vínculo ainda mais forte, e procurou utilizá-lo em proveito próprio. A documentação referente aos anos seguintes confirma, em nossa opinião, tais impressões:

- Notamos, por um lado, que depois da intervenção do padre Organtino, aumentaram as benesses à Companhia, de que a principal foi a autorização para a construção de uma igreja em Azuchi. Esta nova cidade, cuja construção decorreu entre 1576 e 1579, tornara-se então no novo nervo do Japão; Nobunaga não autorizou aí a construção de qualquer templo budista,70 mas perante o pedido de Organtino, logo acedeu a que os missionários construissem aí uma igreja e uma casa,71 e depois acompanhou com interesse o avanço das obras. As vantagens para os cristãos eram apreciáveis - eram vistos pelas multidões e pelos barões que ali se deslocavam, e "com isto não haveria quem presumisse de intentar deitar-nos de suas terras, entendendo que Nobunaga nos tinha em Azuquiama."72

- Mas vemos, ao mesmo tempo, que a Igreja de Quioto estava totalmente subordinada a Nobunaga; na já citada festa de 1581, Oda "mandou particularmente que se achasse o padre visitador com todos os padres e irmãos, fazendo-lhes dar para isso um lugar acomodado e decente à maneira de palanque, para se poder ver de alto, do que se não podiam os padres escusar por não ser Nobunaga pessoa a quem se podia replicar, especialmente tendo-se isto dos cristãos por muito especial favor."73

Neste contexto, as atitudes de Nobunaga para com os missionários fazem sentido - dominava-os, mas protegia-os e prestigiava-os, ao mesmo tempo que estes lhe davam novos meios de ostentação do poder (acentuando a sua singularidade entre os Japoneses), e lhe asseguravam a lealdade dos fiéis.

Seminário de Azuchi (margem leste do Lago Biwa) fundado por Alexandre Valignano, em 1580; destruído dois anos depois, nos distúrbios sequentes ao assassínio de Oda Nobunaga (in Marc' Antonio Ciappi, "Compendio delle Heroiche, et Gloriose Attioni et Santa Vita di Papa Greg. XIII...", Roma, 1596).

Parece-nos que um bom exemplo desta relação nos é descrito numa carta de 1582: "(...) contando os dias passados a Nobunaga como um fidalgo muito conhecido que pouco havia se fizera cristão deixara sua mulher e tomara outra, perguntou Nobunaga como o fizera este homem se era cristão e se o repreenderam os padres? Respondeu-lhe um fidalgo gentio que sem dúvida os padres o repreenderiam mas que ele não era bom cristão e que por isso não ouviria a repreensão dos padres. Encomendou-lhe Nobunaga muito que com diligência soubesse se os padres o haviam repreendido e sabendo a certeza ficou muito contente por ver que os padres não deixavam passar nada sem repreensão (em) casos semelhantes. E porque o mesmo Nobunaga tinha já dito a este fidalgo que fizesse vida com sua mulher e ele prometendo-lhe que o faria a tratou mal e tomou outra, lhe tirou Nobunaga a renda que tinha e lhe mandou que se saisse de sua cidade."74

Notamos, assim, que Oda se preocupava com a disciplina dos seus súbditos cristãos; embora não partilhasse a sua Fé, exigia que mantivessem uma conduta coerente com os ensinamentos do Evangelho e da Igreja, que ele bem conhecia das longas conversas que havia mantido com Fróis, Organtino e o irmão Lou-renço. O poder civil apoiava a autoridade eclesiástica, reforçando o ascendente dos padres sobre os fiéis, porque, certamente, via nessa atitude um reforço da sua própria autoridade.

Página do manual de instrução de tiro "Trinta e duas posições de pontaria", da Escola de Tiro de Inatomi (1595). Cada gravura do manual incorpora legendas com as instruções técnicas e traçados com os ângulos de mira. O atirador aparece sempre desnudado para melhor demonstrar as correctas posições físicas a observar (Spencer Collection, The New York Public Library, in Noel Perrin, Giving up the Gun).

Se é certo que Oda via nos encontros com os Jesuítas uns momentos de descompressão, em que não necessitava de manter o mesmo formalismo em que assentava o relacionamento com os seus súbditos,75 que protegia os missionários por serem adversários dos bonzos, também seus inimigos,76 e por lhe darem a descobrir conhecimentos até então insuspeitados no Japão,77 nenhuma destas explicações responde a uma questão que nos parece fundamental - porque é que ele apoiou activamente os esforços de multiplicação dos focos de evangelização por todo o centro do país? Se ele o desejasse, teria garantido certamente a presença de alguns Jesuítas na corte para sua distração, sem incrementar o labor apostólico dos padres.

O Cristianismo entrava, assim, na sua lógica, quiçá maquiavélica,78 de poder; um facto só possível no Japão devido às características específicas da personalidade de Nobunaga.

Com efeito, quando Toyotomi Hideyoshi assumiu uma posição anti-cristã, em 25 de Julho de 1587, fê-lo baseando-se na mesma realidade que havia levado Nobunaga a apoiar decisivamente os evangelizadores: o facto da fidelidade do bushi cristão ao padre ser mais forte do que a que o ligava ao seu senhor.79 A figura que serviu de exemplo foi de novo Takayama Ukon, só que, em 1587, Hideyoshi não testou se ele lhe era fiel através dos Jesuítas, ordenando-lhe antes que apostatasse, o que Ukon recusou, embora ciente de que isso lhe podia causar a morte.80 Desprovido da exagerada auto-confiança de Nobunaga, e ainda para mais bastante tradicionalista,81 Hideyoshi, assim que consumou a conquista de Kyushu, procurou desembaraçar-se da considerável influência que os missionários já desfrutavam no país.

Todavia, o facto de Hideyoshi assim o ter feito, não nos parece que possa servir de analogia para o que Nobunaga teria feito se tivesse sido ele a consumar a reunificação,82 precisamente porque nos momentos críticos (1578 e 1587, respectivamente) as suas atitudes para com os religiosos e os convertidos foram assaz diferentes.

Um outro aspecto que merece uma referência é o facto de Nobunaga, pouco antes de falecer, ter criado um templo em honra de si próprio. A sua morte inesperada não nos permite compreender se Oda desejaria generalizar esse culto a todo o país, e exigir inclusivé que os cristãos também o venerassem.83 Do seu comportamento nada permite pensar desse modo, dada a forma como se empenhou no incremento da propagação do Cristianismo. O facto de ter mandado "trazer de diversos reinos os ídolos que por Japão eram mais venerados, e donde era maior a frequência e romaria dos peregrinos,"84 parece-nos que pode ter sido mais um acto político (vincando assim a sua superioridade sobre essas divindades), tal como o era, certamente, o seu apoio à Igreja. Atacando denodadamente os bonzos, Nobunaga tinha que dar lugar a alternativas religiosas, que ele pudesse controlar directamente, ao contrário do que sucedera com os mosteiros. Os padres, isolados num país tão distante, e por isso mesmo tão dependentes, eram uma boa hipótese; mas ao ateu que, aparentemente, via na religião uma forma de consolidar a autoridade, acrescentar um novo ídolo ao panteão nipónico poderia não ser mais que uma boa operação política.

Não podendo fazer a História de processos inacabados, e dos quais não há projectos escritos, parece-nos ser possível afirmar que, até à sua morte, Nobunaga procurou utilizar o Cristianismo como um elemento fortalecedor do seu poder; sobre o que teria sido a sua atitude para com os missionários se tivesse prosseguido imparável a sua caminhada para o poder total e absoluto, pensamos que nunca poderemos dizer mais do que disse em 1582 o padre Gaspar Coelho: "os seus se espantam nem podem entender o que nisto pretende."

BALANÇO FINAL

Logo após a morte de Nobunaga, Akechi Mitsuhide, o cabecilha da traição, tentou atrair os Jesuítas à sua causa, e pediu ao padre Organtino que convencesse Takayama Ukon a se lhe aliar. O jesuíta correspondeu ao pedido escrevendo uma carta favorável a Akechi em japonês, mas fez seguir uma outra em "letra portuguesa" em que dizia o contrário.85

Os missionários apoiavam, assim, o partido que parecia representar a continuidade da política de Oda, e no qual Ukon veio a assumir cedo um papel destacado. Esta é, certamente, a derradeira prova do bom relacionamento mantido durante treze anos entre os Jesuítas do Padroado Português do Oriente e Nobunaga, e das expectativas optimistas que ele fez despertar entre os evangelizadores.

A expansão lusa exerceu um fascínio especial sobre este homem sensível às mudanças da História, e contribuiu decisivamente para que ele, intuindo rapidamente a importância das novidades trazidas pelos nanban, protagonizasse o arranque do seu país para uma nova era.

Morrendo precocemente, Oda não atingiu a glória universal com que sonhara; um sonho só possível devido ao aparecimento dos Portugueses, e de que os próprios Portugueses seriam o veículo privilegiado. Por outro lado, com o seu falecimento, o Cristianismo perdeu, sem dúvida, uma oportunidade única de criar raízes profundas e mais sólidas no Japão, e a própria presença portuguesa no arquipélago (assente basicamente no binómio indissociável mercador-missionário) ficaria em breve fortemente ameaçada.

NOTAS

1 Para uma melhor compreensão do conceito e visão da forma como as sociedades humanas estavam compartimentadas no início do Século XV, quando se iniciou o pioneiro processo expansionista dos Portugueses, vide: História Económica e Social do Mundo (dir. de Pierre Léon), 6 vols., Lisboa, 1984, vol. 1.

2 Não pretendemos com esta afirmação entrar em polémicas acerca de eventuais desembarques de Portugueses na Austrália; não duvidamos, porém, que a terem eventualmente existido, estes não retiraram os seus habitantes do isolamento em que permaneceriam até ao Século XVIII.

3 Para uma análise genérica do assunto vejam-se as obras de C. R. Boxer, The Christian Century in Japan, Berkley-Los Angeles, 1967, 2' edição; de Armando Martins Janeira, O impacte português sobre a civilização japonesa, Lisboa, 1988, 2' edição; e o nosso estudo, "Os Portugueses no Japão" in Portugal no Mundo (dir. de Luís de Albuquerque), 6 vols., Lisboa, 1988-1990, vol. 4, p. 197-211.

4 A fragilidade do poder central remontava ao Século XII, quando os guerreiros tomaram o poder na capital, tornando gradualmente a força militar no único modo de legitimar a autoridade. Apesar da existência formal de um poder central, as regiões foram-se autonomizando; a partir de 1467 a guerra civil tornou-se endémica, com focos permanentes em várias zonas do arquipélago. Para os assuntos relativos à história do Japão seguimos a obra de Francine Hérail, Histoire du Japon, Paris, 1986; consultámos também os estudos de George Sansom, Histoire du Japon, Paris, 1988 (tradução da edição de 1974) e de Michel Vié, Histoire du Japon, Paris, 1983, 3' edição.

5 Ao indicarmos estas datas considerámos como limites cronológicos formais do período de reunificação o fim oficial do xogunato dos Ashikaga (1338-1573) e a fundação do dos Tokugawa (1603-1868); todavia ele foi de certa forma mais extenso - podemos recuá-lo pelo menos a 1568, quando Nobunaga entrou todo-poderoso na capital, embora o tivesse feito para impor o último xogum Ashikaga (Ashikaga Yoshiaki - 1537-1597), e prolongá-lo até 1615, ano em que Tokugawa Ieyasu, após o segundo cerco de Osaka, eliminou definitivamente a descendência de Toyotomi Hideyoshi (1536-1.598) e demais oposição.

6 Cf. C. R. Boxer, The Great Ship from Amacon, annals of Macao and the old Japan trade, Lisboa, 1963.

7 Sobre este assunto, vide Diego Pacheco, SJ, A fundação do porto de Nagasáqui, Macau, 1989.

8 Alguns topónimos japoneses entraram no vocabulário português: nesses casos utilizaremos naturalmente a palavra portuguesa indicando, contudo, na primeira referência, o respectivo nome em transcrição do japonês.

9 Daimyô: termo por que eram designados os grandes senhores feudais japoneses neste período.

10 Cf. Georg Schurhammer SJ, "Der hl. Franz Xaver in Japan (1549-1551)" in Xaveriana, Roma-Lis-boa, 1964, p. 565-604.

11 Cf. Luís Fróis SJ, História de Japam (edição crítica de José Wicki SJ), 5 vols., Lisboa, 1976-1984, vol. I, p. 137 e seguintes (obra indicada a partir daqui como: Fróis, História, seguida do volume e número de páginas).

12 Cf. ibidem, , I, 382.

13 Cf. ibidem, , II,3-11.

14 Cf. ibidem, II, 110-117.

15 Ibidem, II, 274.

16 Cf. Georg Schurhammer S J, "O descobrimento do Japão pelos Portugueses no ano de 1543" in Orientalia, Roma-Lisboa, 1963, p. 485-580.

17 Geoffrey Parker, The military revolution, Cambridge, 1988, p. 211.

18 Cf. ibidem, p. 140.

19 Cf. ibidem, p. 140.

20 Luís Fróis chegou ao Japão em 1563, e permaneceu na missão de Quioto entre 1565e 1576, regressando aí em 1581 como intérprete do Visitador Alexandre Valignano, reencontrando, assim, Nobunaga pela última vez.

21 O Padre Organtino desembarcou no Japão em 1569 e foi colocado na missão de Quioto em 1571, tendo trabalhado aí ininterruptamente até à morte de Nobunaga, em 1582.

22 Valignano visitou pela primeira vez o Japão entre 1579 e 1582; em 1581 deslocou-se a Honshu, e teve várias entrevistas com Oda Nobunaga.

23 O irmão Lourenço foi um dos primeiros japoneses que se converteram ao Cristianismo, facto que sucedeu logo quando Francisco Xavier passou por Yamaguchi. Permaneceu na missão de Quioto durante todo o período em questão.

24 Cf. Fróis, História, II, 360-361.

25 Cf. Cartas de Iapon, isla de las indias orientales, ahora nuevamente venidas de los anos 74, 75 y 76, Barcelona, 1580, fl. 16 vº.

26 Sobre este religioso veja-se o estudo de Chul Park, Testimonios Literarios de la labor cultural de las missiones españolas en el Extremo Oriente: Gregorio de Céspedes, Madrid, s/d..

27 Cf. Georg Schurhammer SJ, "Ein fürstlicher Gonner des hl. Franz Xaver: Otomo Yoshishige, Konig von Bungo", in Vária, Roma-Lisboa, 1965, p. 327-334.

28 Cf. Cartas que os Padres e Irmãos da Companhia de Iesus, qua andão nos reynos de Iapão escreuerão aos da mesma Companhia da India, e Europa, desd o anno de 1549 ate o de 66, Coimbra, 1570, fl. cx-cxj.

29 Cf. Fróis, História, I, 182-183.

30 Cf. ibidem, II, 372.

31 Omura Sumidata foi baptizado com o nome de D. Bartolomeu em Junho de 1563. Cf. Diego Pacheco SJ, El hombre que forjó a Nagasaki, Madrid, 1973, p. 79.

32 Cf. Cartas..., Coimbra, 1570,. ccclxv-ccclxv vº.

33 Cf. Fróis, História, III, 27.

34 Tomando o posto de Nobunaga em 1582, Hideyoshi prosseguiu a política centralizadora daquele; depois de se impor no centro do país, submeteu Kyushu em 1587, e em 1590 concluiu a reunificação após uma campanha no Norte de Honshu. Sobre a sua vida vejam-se os estudos de Mary Elizabeth Berry, Hideyoshi, Londres, 1982, ou de Danielle Elisseeff, Hideyoshi, bâtisseur du Japon moderne, Paris, 1986.

35 Cf. Fróis, História, V, 298-309.

36 In Joseph Jennes, History of the Catholic Church in Japan, Tóquio, 1959, p. 54.

37 Cf. Neil McMullin, Buddhism and the state in the sixteenth century Japan, Princeton, 1984, cap. 2.

38 Importa acentuar que Nobunaga, além de compreender a importância das espingardas foi, tanto quanto sabemos, o primeiro comandante a dotar os seus exércitos com capacidade de tiro contínuo, o que só sucederia na Europa duas décadas mais tarde, e só se generalizaria aí a partir do segundo quartel do Século XVII (cf. Geoffrey Parker, op. cit., p. 140). Parece-nos que, em certa medida; Oda Nobunaga não perfila hoje ao lado dos grandes génios da história militar universal, como Aníbal, César ou Napoleão, apenas devido ao semi-isolamento em que o seu país permaneceu até à segunda metade do Século XIX.

39 Mesmo um autor como George Sansom, que faz de Nobunaga um retrato exageradamente depreciativo, e que afirma: "De facto a glória das suas maiores vitórias foi em parte o resultado dos planos elaborados por Ieyasu e Hideyoshi", acaba por reconhecer que "embora Hideyoshi fosse mais fértil em estratagemas originais, foi Nobunaga quem teve a ideia de substituir os cavaleiros armados com arco e uma espada pela infantaria armada com espingardas," in George Sansom, op. cit., p. 674. Em nosso entender este é que foi o elemento decisivo para o arranque da unificação, e é ele que nos demonstra a genialidade de Nobunaga. São particularmente elucidativas algumas informações que encontramos na História de Luís Fróis, que nos dão conta de combates travados depois da batalha de Nagashino, em que a fuzilaria continuou a ser ineficaz face às cargas de cavalaria e infantaria, devido à falta de sincronização nos disparos; este facto realça, sem dúvida, a importância da "descoberta" de Nobunaga. Cf. Fróis, História, IV, 318-319.

40 Cf. Francine Hérail, op. cit., p. 279.

41 Vide nota 5.

42 Sobre as campanhas de Nobunaga veja-se a descrição de George Sansom, op. cit., p. 642-657 e 666-673.

43 Sobre os factores em que assentou a carreira vitoriosa de Nobunaga, vide Neil McMullin, op. cit., p. 59-62.

44 In George Sansom, op. cit., p. 675.

45 Como é sabido, a guerra civil japonesa foi, essencialmente, uma luta sem quartel, combatendo todos contra todos; em que, por exemplo, o facto de dois senhores estarem em luta podia levar um terceiro a entrar no conflito, enfrentando o que estava a levar vantagem, para que este não avançasse demasiado e se colocasse numa posição hegemónica; foi este tipo de estratégia que colocou o Japão quinhentista num impasse político-militar. O leitor interessado encontrará um exemplo típico desta estratégia em Fróis, História, III, 183.

46 Referimo-nos a este assunto na comunicação que apresentámos ao colóquio "Portugal und Japan im 16. und 17. Jahrhundert: die Nanban-Kultur" (Colónia, 1991): A unificação política do império nipónico segundo a História do Japão de Luís Fróis.

Por exemplo, quando descreve um ataque de forças anti-cristãs a Nagasáqui em 1573, no qual a vitória coube aos defensores, Fróis rejubila ao descrever o regresso daqueles ao interior das muralhas trazendo consigo as cabeças dos inimigos. Cf. Fróis, História, II, 396.

47 Cf. Johannes Laures SJ, Nobunaga und das Christentum., Tóquio, 1950, p. 1 e p. 48.

48 Sobre este assunto o leitor encontra excelentes exemplos em Cartas que os padres e irmãos da Companhia de lesus escreuerão dos reynos de Iapão & China desde 1549 até o de 1580, 2 vols., Évora, 1598, vol. 1, fl. 262 e vol. 2, fl. 4 (obra indicada a partir daqui como Cartas 1598, seguida do volume e fólios); e em Fróis, História, III, 203.

49 Cf. Fróis, História, III, 260

50 In ibidem, III, 259.

51 In Cartas 1598, vol. 2, fl. 4.

52 In Fróis, História, III, 256.

53 Tendo consciência da novidade que representava o expansionismo português, no que respeitava à concepção da Terra, compreende-se que para lá de eventuais interesses políticos, Nobunaga desejasse também apreender a verdadeira realidade do mundo. Cf. Fróis, História, II, 276-277,281,311-312; Cf. J. Laures, op. cit., p. 45.

54 Cf. Documenta Indica (compilação e anotação de José Wicki SJ), 18 vols., Roma, 1948-1988, vol. XII, p. 92-114.

55 Cf. ibidem, vol. XII, p. 149-152.

56 Cf. Francine Hérail, op. cit., p. 280-281.

57 Sobre o grande poder dos mosteiros budistas no Japão medieval, vide Neil McMullin, op. cit., cap. 1.

58 São frequentes as associações, pelos Jesuítas, das vitórias militares de Nobunaga a um consequente progresso do Cristianismo.

Por exemplo, cf. Cartas 1598, vol. 1, fl. 460.

59 In ibidem, vol. 2, fl. 30 vº.

60 Por exemplo, cf. ibidem, vol. 1, fl. 477.

61 Cf. J. Laures, op. cit., p. 36.

62 Vide nota 44.

63 In Fróis, História, II, 247.

64 Cf. J. Laures, op. cit. p. 24.

65 In ibidem, p. 25.

66 In Fróis, História, III, 209.

67 A descrição deste episódio encontra-se em ibidem, III, 205-229.

68 Cf. J. Laures, op. cit., p. 38.

69 Sobre as características do bushido, vide, por exemplo, Edmond Rochedieu, O Xintoísmo, Lisboa, 1982, p. 159-183.

70 Cf. Fróis, História, III, 192.

71 Cf. Cartas 1598, vol. 1, fl. 476; vide também, Fróis, História, III, 194-198.

72 In Cartas 1598, vol. 1, fl. 476.

73 In Fróis, História, III, 255.

74 In Cartas 1598, vol. 2, fl. 32.

75 Cf. C. R. Boxer, The Christian Century in Japan, p.64.

76 Cf. Joseph Jennes, op. cit., p. 37.

77 Cf. Francine Hérail, op. cit., p. 281.

78 Cf. George Elison, Deus Destroyed, the image of Christianity in Early Modern Japan, Cambridge (Mass.) - Londres, 1973, p. 25.

79 Cf. ibidem, p. 50-51.

Elison salienta que Hideyoshi assistira em 1578 ao episódio de Takatsuki, que na perspectiva do sucessor de Nobunaga (menos arrojada e mais tradicionalista, dizemos nós), fôra uma tragédia, pois representara o colapso do sistema de lealdades hierarquizadas.

80 Cf. Fróis, História, IV, 409.

Note-se que esta determinação, ao contrário do "pedido" de 1578, não deixava qualquer espaço de manobra aos cristãos -- se Ukon apostatasse provocava o desprestígio da Fé cristã; se desobedecesse, seria fatalmente o princípio do fim.

81 Parece-nos que um dos melhores exemplos do espírito mais tradicionalista de Hideyoshi é o facto de em 1585 ter obtido o título de kanpaku, que remontava à época em que o império fôra controlado pelo clã Fujiwara (Séc. VIII-XI); tratava-se de um título cortesão que perdera grande parte da sua importância depois da ascenção dos guerreiros ao poder, no final do Século XII.

82 J. Laures levanta esta questão no seu estudo; cf. op. cit. p 47.

83 Cf. ibidem, p. 51.

84 In Fróis, História, III, 333.

85 Cf. Ibidem, III, 350.

* Mestre em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa, tendo apresentado uma dissertação intitulada "A Descoberta da Civilização Japonesa pelos Portugueses". Assistente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

desde a p. 259
até a p.