Ouvi dizer que o destino destes solddos é triste.
Quando tocam com energia, dir-se-ia que o seu sangue se mistura com o som do instrumento.
As caras dos corneteiros são, por vezes, amarelas.
Ⅰ
Naquela multidão de seres cansados, enrodilhados no chão atapetado de palha de arroz,
No meio de gente imunda, de roupa cinzenta de algodão,
Ele é o primeiro a acordar...
E desperta tão bruscamente
Como se cada dia fosse para ele uma surpresa...
Sim, ele assusta-se sempre
Com o ruído do carro da aurora
Que roda pelo horizonte.
Abre os olhos:
À luz fraca de uma lâmpada de vigília
Olha a corneta ao seu lado; Contempla-a, confuso,
Com a alegria do homem
Que, ao despertar,
Encontra a amada junto de si.
Oh! Ele há-de amar a vida inteira
A sua corneta.
Ela é um belo instrumento,
Com todo o corpo
A reflectir uma excelente cor saudável,
E com o pescoço
Adornado com borlas vermelhas.
O corneteiro levanta-se do chão atapetado de palha de arroz,
Sem se queixar de ter dormido, uma noite inteira, no chão húmido.
Habilmente, ata as polainas, bem atadas,
E lava-se com água fria.
Depois, lança um olhar
Aos companheiros que ainda ressonam fatigados,
E estende a mão para a corneta.
Lá fora, é ainda noite cerrada.
A alva ainda não chegou.
O que o acorda, de facto,
É o prazer
De ver despontar o dia.
Sobe a ladeira;
Demora-se ali algum tempo.
Por fim, assiste a este diário espectáculo de magia:
A noite afasta a sua cortina de mistério;
Fatigadas, as estrelas somem-se, umas após outras...
E a alva, noiva do dia,
Sentada num carro de rodas de ouro
Surge do outro lado do céu...
Para recebê-la,
O nosso mundo eleva a Oriente um cortinado auroral de dez mil pés altura...
Vejam!
Um cerimonial majestoso vai realizar-se entre o
Céu e a Terra...
Ⅱ
Então, ele começa:
De pé, sob a abóbada celeste dum azul transparente
Põe-se a tocar corneta,
Com todo o sopro fresco que aspira do campo
—E talvez com o sangue das veias?-
Agradecida,
A corneta recompensa o campo com toques claros
—Com admiração pela alva lindíssima-
Toca a alvorada
E as suas notas voam para longe...
Cheia de alegria,
Toda a criação
Responde ao apelo da corneta.
As florestas despertam
Com a chilreada dos pássaros,
Os rios acordam
A chamar os cavalos a beber,
A aldeia e o campo abrem os olhos,
As camponesas apressam-se junto aos diques,
A parada movimenta-se:
Homens de uniformes cinzentos
Saem de casas pobres, banhadas pela manhã,
E formam fileiras, aos encontrões...
Então, o corneteiro desce a ladeira
Para se integrar
Na formatura daqueles homens vestidos de cinzento.
Mais tarde, depois de ter tocado para a refeição matinal,
E tocado o reunir;
Mais tarde, quando os raios radiantes
Iluminam completamente a abóbada celeste,
Com todo o entusiasmo,
Ele toca a marchar.
Ⅲ
Ocaminho
Estende-se pelo horizonte sem fim;
O caminho
Calcetado de lama transportada por milhares e milharesde pés;
Sulcado pelas rodas de milhares e milhares de viaturas;
O caminho
Que faz comunicar uma aldeia com outra aldeia;
O caminho
Que sobe e desce rampas.
Está, agora, dourado pelo Sol!
E o nosso corneteiro
Avança à frente da longa coluna.
Toca a marchar,
Marca os batimentos
Num belo compasso...
Ⅳ
Oshomens vestidos de uniformes cinzentos
Espalham-se pelo vasto campo aberto;
Este campo
Com plantas e ervas dum verde escuro
Transformado num altar solene:
Oiçam o barulho ensurdecedor
A troar pelo horizonte,
E aspirem o aroma da terra e das ervas
E também o cheiro a pólvora dos tiros vindos de longe...
Recolhemo-nos nas trincheiras,
Silenciosos, severos, à espera da ordem de ataque.
Como uma parturiente
Que aguarda, com dores, o nascimento dum filho,
Com o coração
Transbordando de amor.
Nestes nossos últimos dias de vida,
Condenados pela nossa época
-E também por nós próprios Cada um de nós se prepara, com um desejo sagrado,
para a glória de morrer no campo da honra!
Ⅴ
Abatalha sangrenta começou:
milhares e milhares de combatentes
Saltam das trincheiras, entre o tiroteio,
Precipitam-se, em massa,
Para a frente, ameaçando o inimigo..
Aos gritos de guerra que estremecem céu e terra,
Na corrente humana que avança firme,
Na corrente humana impetuosa,
E nas explosões intensas e contínuas,
O nosso cornetiro,
Correndo, com toda a força da vida,
Toca ao assalto
Com notas curtas, rápidas e exaltadoras
Que ressoam sem cessar
Até à morte.
Esta voz é a mais sonora de todas,
E a mais sublime...
Mas quando, animado por uma força irresistível,
Sopra os toques anunciadores da vitória,
É atingido por uma bala no coração!
Cai em silêncio,
Sem que ninguém se aperceba.
Fica estendido na terra
Que tanto amou atéao último suspiro.
E as suas mãos
Agarram com força a corneta.
O corneteiro resplandece,
A reflectir o sangue da testa,
A palidez do rosto
E a tropa imensa
Que abre fogo cerrado,
Os cavalos que relincham
E os veículos atroadores...
Enquanto o sol,
Com os seus raios fulgurantes, faz brilhar a corneta.
Escutem!
O toque continua a soar, a ecoar... Março de 1939

Desenho de Yuan Zhi Qing © Copyright
desde a p. 57
até a p.