Entalhe de Carimbos

ALGUNS ASPECTOS DA INFLUÊNCIA PORTUGUESA NO JAPÃO, 1542-1640

Charles Boxer*

A influência portuguesa no Japão pode ser dividida por quatro grandes áreas: religiosa, política, cultural e económica. No que respeita às duas primeiras não me proponho mais do que referi-las visto que o assunto tem sido tratado por vários autores, com diversos graus de rigor e sob todos os pontos de vista. Basta referir que a influência religiosa foi extremamente importante durante o breve século em que existiu e, como se verá, os seus temas e motivações, não só dominaram as primeiras ligações políticas do Japão com o Ocidente como também proporcionaram o primeiro contacto com a Arte Europeia. Pode dizer --se que esta influência constitui um omnipresente pano de fundo que não deve ser esquecido, embora raramente volte a ser referida directamente.

Também não é necessário dizer muito acerca das relações políticas entre o Japão e Portugal porque este aspecto da história desse período pode igualmente encontrar-se em livros facilmente acessíveis1. Contudo, pode acentuar-se uma vez mais que do lado português as considerações puramente políticas foram desde o início subordinadas a exigências de ordem religiosa e comercial. A viagem à Europa dos daimyo (NT1) cristãos de Kyushu em 1582, para referir só um caso, foi em larga medida resultado do trabalho de missionários e mais inspirada por razões de ordem religiosa do que por razões políticas ou culturais. Todavia, pondo de lado estas considerações político-religiosas, é interessante analisar as reacções iniciais dos primeiros europeus que se encontraram com japoneses, porque estas proporcionam-nos alguns antecedentes aos contactos culturais que se seguiram.

Apesar de o Japão ser mencionado no livro de Marco Polo sob o nome de Zipangu, o primeiro encontro entre europeus e japoneses terá ocorrido aparentemente em 1511, na altura da conquista de Malaca pelo grande Afonso D'Albuquerque. Na segunda edição aumentada dos seus Commentários, publicada em 1576, em Lisboa, pelo seu filho natural Braz D'Albuquerque, há uma descrição pormenorizada de um povo que Albuquerque encontrou em Malaca, designado pelo cronista por "Gores"2. Essa descrição é a seguinte:

"Os Gores, (pela enformação, que Afonso Dalboquerque, quando tomou Malaca, ainda que se agora sabe mais certo); naquelle tempo se dizia, que a sua província era terra firme e a voz comum de todos he, que a sua terra he ilha e navegam della para Malaca, onde vem cada ano duas ou três náos. As mercadorias, que trazem, são seda, e pannos de seda, brocados, porcelanas, grande soma de trigo, cóbre, pedra hume, frusseria, e trazem muito ouro em ladrilhos marcados do sello do seu rei: não se pode saber se estes ladrilhos era moeda da sua terra, ou se lhes punham aquella marca, como cousa resistada no porto, onde sahião, porque são homens de pouca fala, e não dam conta das cousas da sua terra a ninguém. Esse ouro he de uma ilha, que está perto delles, que se chama Perioco, em que há muito ouro. A terra destes Gores se chama Lequea3: são homens alvos: seus vestidos são como balandrois sem capelo, trazem as espadas compridas da feição de cimitarras dos turcos, um pouco mais estreitas: trazem adagas de dous palmos: são homens ousados, e temidos nesta terra. No porto a que chegam não tiram suas mercadorias por junto, senão pouco, e pouco: falam verdade e querem que lha falem. Se algum mercador em Malaca sahia de sua palavra, logo o prendiam. Trabalham por se despacharem em breve tempo: não tem estante nenhum na terra, porque não são homens, que folguem de andar fora da sua. Partem para Malaca no mês de Janeiro, e para sua terra em Agosto, e Setembro. A sua certa navegação de vir demandar o canal dantre as ilhas de Celáte, e a ponta de Singapura da banda de terra firme: e ao tempo que Afonso Dalboquerque se partio para a India, depois de ter tomado Malaca, eram chegadas duas náos deles à ponta de Singapura e vinham para Malaca, e por conselho de Lassamane, que fora almirante do mar do rey de Malaca, se deixaram estar, e não quiseram passar, sabendo que Malaca era tomada pelos portugueses, e como os governadores da terra souberam que elles ali estavam, mandaram-lhes seguro e bandeira, e elles vieram logo."

Se estes "Gores" assim descritos pelo cronista português eram japoneses, gente de Ryukyu (NT2) ou, como alguns autores sugerem, coreanos que se tinham instalado nas ilhas Ryukyu, é difícil saber ao certo mas de qualquer modo provinham desse arquipélago e sendo assim eram realmente os primeiros habitantes das ilhas do Japão com quem os europeus entravam em contacto. Só em 1542 ou 1543 é que de facto os europeus visitaram as ilhas do Japão propriamente ditas e a honra de ter sido o primeiro ocidental a pisar a Terra do Sol Nascente é reclamada entre outros por Fernão Mendes Pinto que diz ter desembarcado por esta altura na ilha de Tanegashima. A veracidade desta afirmação é extremamente duvidosa mas a leitura atenta da sua fascinante narrativa intitulada "Peregrinação"4 convencerá o leitor imparcial que, se na realidade ele não foi o verdadeiro descobridor do Japão, esteve com certeza no país e conhecia com bastante detalhe o seu povo. As suas observações quanto às características destas gentes tem por isso um certo valor, tendo registado algumas das suas impressões como se segue. Quanto à hospitalidade com que foi recebido no Japão escreveu: Todo este povo do Japão é naturalmente bem disposto e inclinado a ser sociável. O seu espírito guerreiro está bem caracterizado na observação de que por natureza são muito dados aos exercícios militares, nos quais se deliciam mais do que todas as outras nações que até agora foram descobertas. Igualmente observa que estes japoneses são geralmente afeiçoados à caça e à pesca sendo também muito dados à zombaria e ao jogo de palavras e faz-lhes um duvidoso elogio considerando que estes japoneses ambicionam muito mais a fama e reputação do que qualquer outra nação na Terra. Em certa ocasião, em 1556, quando Pinto e os seus companheiros foram obsequiados com um banquete por Otomo, o daimyo de Bungo, as mulheres que serviam nessa recepção fizeram muita zombaria à custa dos europeus por comerem com as mãos, porque toda esta gente está habituada a comer com dois pauzinhos e consideram muito sujo comer com as mãos como nós estamos habituados a fazer. Nesta festa os portugueses foram servidos por setenta donzelas, mas o único homem presente para além dos cinco convidados europeus era o daimyo e por isso este banquete parece mais ter sido uma reunião com geishas tanto mais que é feita referência a samisen e koto (NT3). O espírito nacionalista dos japoneses está bem ilustrado na história que Pinto conta acerca da conversa entre Otomo e o padre português Belchior. Quando o jesuíta recomendava ao daimyo que se lembrasse que a vida não estava nas mãos dos homens, porque todos eram mortais, e se morresse antes de se converter ao Cristianismo o que aconteceria à sua alma, Otomo sorrindo respondeu-lhe, "Deus sabe".

Como já foi referido, a reinvindicação de F. Mendes Pinto quanto a ser o descobridor do Japão é no mínimo duvidosa e o crédito pela verdadeira descoberta pertence provavelmente a três aventureiros portugueses que ali naufragaram devido a um tufão, quando efectuavam uma viagem de comércio do Sião para a China. Diogo do Couto, historiógrafo oficial da Índia Portuguesa, regista brevemente a sua chegada ao Japão como se segue: —5 De Terra partiram ao seu encontro embarcações onde vinham homens mais brancos que os chineses mas com os olhos mais pequenos e barba cur- ta. Por eles ficaram a saber que aquelas ilhas se chamavam Nipongi6 as mesmas que geralmente chamamos Japão. E achando que aquelas gentes eram afáveis juntaram-se-lhes sendo recebidos hospitaleiramente. Ali repararam e aparelharam o junco e trocaram as suas mercadorias por prata por não haver outra coisa e como estava na altura regressaram a Malaca. Quanto à origem do nome Japão, Couto escreve o seguinte: O nome destas ilhas que (como dissemos) são chamadas Nipongi é referido por Marco Polo como Zipango; este último nome deve ser uma corruptela do primeiro porquanto os chineses chamam-lhes Jipen, o que tem maior semelhança. E os portugueses depois de contactarem com aquelas ilhas corromperam-no para Japão. Couto regista devidamente a vaidade dos japoneses: Quanto às gentes destas ilhas tão vaidosos são que se consideram os primeiros no mundo, fabricando a esse propósito muitas histórias ridículas. Faz também uma curiosa descrição da origem dos nobres da Corte ou famílias Kuge (NT4) e afirma que em sua opinião os japoneses são descendentes dos chineses, mas acrescenta: sobre isto não há modo nem meios de levar os japoneses a concordarem, porque consideram os chineses muito inferiores a si próprios. Tanto é assim que o pior insulto que se pode fazer a qualquer deles é chamar-lhe chinês; do mesmo modo, os chineses consideram-se tão superiores que a maior afronta que se lhes pode fazer é chamar-lhes japoneses. (A este respeito, passados quatro séculos, não parece ter havido grande mudança). Couto fez também uma interessante descrição, razoavelmente rigorosa, acerca do desenvolvimento do poder do Shogunato em detrimento do legítimo soberano, resumindo a posição deste último nas seguintes palavras: e assim o Shogun colocou o Imperador em isolamento nos palácios de Meacó, onde ficou sem qualquer poder para exercer a sua autoridade, enquanto o Shogun governava de modo absoluto, dando o que era necessário ao Imperador que no entanto nunca perdeu a sua autoridade quer espiritual quer temporal, porquanto todos os Shoguns que tiranica-mente se foram sucedendo, receberam das suas mãos a investidura, prestando-lhe homenagem como supremo Soberano. O que é mais surpreendente é que no alto cargo de Shogun, desde o tempo do primeiro tirano até agora (cerca de 1611 ou Keicho) nunca filho sucedeu ao pai ou irmão um ao outro, porque todos eles são assassinados por outros tiranos com ferro ou veneno; pelo contrário, no alto cargo de Imperador houve sempre herdeiros naturais sem que a linhagem tivesse sido quebrada alguma vez. Couto descreve depois brevemente as principais seitas Shinto e Budistas existentes nessa altura no Japão e conclui com a expressiva observação que Os pecados mais importantes que predominam entre os japoneses são a fornicação, o roubo, o assassínio, a embriaguês e a mentira; para estas tendências habituais condenáveis têm diversas purificações por meio de esmolas, rituais, orações, peregrinações, etc., mas os pecados que não têm absolvição são a traição e o parricídio. Contam o tempo pelo número de anos que vivem os seus monarcas. E com isto basta de japoneses.

Não tenho agora espaço para pormenorizar todas as impressões sobre o Japão registadas por outros escritores da época, portugueses, holandeses e ingleses e por isso têm que bastar as citações que se seguem. O grande S. Francisco Xavier, que desembarcou em Kagoshima em 15 de Agosto de 1549, exclamou este povo é a delícia do meu coração; o célebre piloto inglês Will Adams que se tomou amigo e conselheiro de Tokugawa Ieyasu escreveu: As gentes desta terra do Japão são de boa índole, desmedidamente corteses e valentes na guerra; a sua justiça é praticada imparcialmente e com severidade para com os transgressores da lei. São governados com grande sentido cívico. Quero dizer, não há terra no mundo mais bem governada por uma administração civil. O povo é muito crente na sua religião e tem diversas opiniões. Há muitos frades jesuítas e franciscanos nesta terra que converteram muitos ao Cristianismo e têm muitas igrejas nesta terra. Esta carta foi escrita em 1611, três anos antes de estalar a grande perseguição final aos padres católicos e aos seus neófitos, e no mesmo ano em que Diogo do Couto escreveu a acima citada Década.

Esta digressão afastou-nos do nosso tema original ao qual devemos agora regressar. A semelhança sob muitos aspectos entre o carácter dos portugueses e dos japoneses durante este período, foi notada pelo atento observador Engelbert Kaempfer e foi comentada num anterior número destas Transactions, onde foi também referida a participação de mercenários japoneses na corajosa defesa de Malaca, sob o comando do grande Capitão André Furtado de Mendonça, durante o ataque feito por holandeses e malaios em 16067. Outro notável exemplo da consideração que os portugueses tinham pelos japoneses é dado pela correspondência trocadaentre o monarca Ibérico e a cidade de Goa, no final do século dezasseis, sobre o incómodo problema dos escravos japoneses. É bem conhecido que como resultado das guerras civis que devastaram o Japão até à consolidação do poder nas mãos de Toyotomi Hideyoshi, as condições sociais para as classes mais baixas eram tão más que voluntariamente vendiam os seus filhos — ou até se vendiam a si próprios — como escravos, aos comerciantes portugueses em Kyushu. Naturalmente as autoridades dirigentes objectavam fortemente a esta prática e faziam pressão sobre os missionários jesuítas para que impedissem esta actividade aos seus compatriotas leigos. Os jesuítas, cujo prestígio não era favorecido pelos negócios dos traficantes de escravos, fizeram o seu melhor para dar satisfação ao pedido e já em 1570 tinham conseguido uma ordem de Lisboa, em nome do Rei D. Sebastião de Portugal, proibindo formalmente este abominável tráfego.

Apesar disso, as autoridades Indo-Portuguesas, como era seu hábito, quando se tratava de interesses coloniais importantes e bem estabelecidos, ignoraram sistematicamente este edital desde a sua promulgação e nunca ele foi feito respeitar antes do início do século dezassete. Nesta altura a pressão exercida por Hideyoshi sobre os jesuítas permitiu—lhes obter da Corte Ibérica ordens mais rigorosas, para o efectivo cumprimento do velho decreto de 1603. Contudo, os vereadores de Goa objectaram fortemente e no fim desse ano, numa carta para o Rei, entre outros assuntos escreviam8: Além do mais este Estado (da India) está cheio deles, os quais, como escravos dos seus senhores, estão prontos para o defender, porque os portugueses não chegam para guarnecer o mais pequeno baluarte desta ilha; em tempo de guerra, um português com cinco ou seis destes moços ao seu lado, armados com mosquetes, representam muito, tanto mais que esta gente é guerreira e se forem libertados não há dúvida que se revoltarão e contactarão com o inimigo que temos à porta e matar-nos-ão a todos porque são incomparavelmente mais numerosos. Tanto é assim que ao menor rumor sobre esta libertação tornam-se logo rebeldes e os seus amos têm que estar vigilantes quanto a eles.

Um ano mais tarde o Conselho Municipal voltou à carga em termos ainda mais enfáticos afirmando, ao efectuar uma vigorosa contestação da ordem de libertação dos escravos japoneses, que foi investido tanto dinheiro nestes escravos que não serão poucas as pessoas que nisso perderão um ou dois milhares de ducados..... porque há muitos (escravos) neste Estado e sendo uma raça guerreira e úteis tanto na guerra como em cerco ou outra necessidade, como se viu claramente no recente bloqueio dos holandeses, em que muitos cidadãos fizeram surtidas com sete ou oito destes rapazes armados com mosquetes e lanças, porque estes são os únicos escravos na India capazes de pegarem em armas e uma grande cidade como esta terá frequentemente falta da guarnição necessária para defender as suas muralhas. 9

Não sei se apesar dos vigorosos protestos do Conselho de Goa, as ordens Reais foram ou não cumpridas mas tal parece eminentemente improvável tanto mais que se sabe que a partir de 1612 o Governador de Malaca tinha um corpo de guarda-costas constituído por escravos japoneses; doze anos mais tarde e até depois, há referências a escravos ou mercenários japoneses ao serviço de portugueses em lugares tão distantes como Arrakan (Birmânia), Sião e Annam. A influência na vida social portuguesa exercida por uma população japonesa de dimensão relativa considerável, em Goa, Malaca e Macau, será adiante mencionada já que de imediato devotaremos a nossa atenção a aspectos mais genuinamente culturais.

Tipo dos globos celestes e terrestres, introduzidos pelos portugueses no Japão no Século XVII (Museu de Arte Nanban de Osaka).

CARTOGRAFIA

Em primeiro lugar mencionaremos alguns exemplos da influência na cartografia japonesa, apesar de este interessante e pouco conhecido assunto ser quase um campo virgem para o saber europeu, e que mere ceria ser tratado muito mais longamente se tivéssemos tempo e espaço para o fazer. Encontram-se exemplos da introdução no Japão de mapas e globos portugueses, desde os primeiros anos do intercâmbio com aquele país; entre as cartas incluídas em Cartas do Japão, impresso em Coimbra e reimpresso em Évora vinte e oito anos mais tarde, há uma célebre do daimyo cristão de Bungo, Otomo Sorin, pedindo de modo muito insistente que lhe fosse enviado um globo para substituir um outro que se tinha perdido pelo caminho, num naufrágio. Poderiam citar-se outros exemplos da entrada no Japão de material cartográfico português mas o que a seguir se indica, com uma interessante ligação a Will Adams e ao Liefde, bastará.

No Museu da Casa Imperial no parque Ueno em Tóquio, conservam-se alguns exemplares de mapas europeus em pergaminho, de notável qualidade. Não está indicada a sua origem exacta mas um rápido exame permite facilmente concluir qual seja. Estes mapas são da escola Indo-Portuguesa cujos expoentes máximos foram Fernão Vaz Dourado e Bartolomeu Lasso, o que se pode deduzir da comparação com exemplares destes autores reproduzidos no monumental trabalho do Dr. A. Cortesão — Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos XV e XVI (vol. II, estampas 38-9 e 52). A sua nomenclatura é quase exclusivamente lusitana, com algumas excepções, como o nome de grandes países, por exemplo Bresilien que aparece em holandês. Estes mapas são decorados com o escudo heráldico português, as Quinas, e a escala de léguas, as rosas de ventos e outros aspectos técnicos são genuinamente de origem portuguesa. Na parte do mapa em que está representado o Extremo Oriente, incluindo a China e o Japão, aparece no canto superior esquerdo a seguinte inscrição: — By My Cornelis Doedtsz woonende tot Edam Inde vierheems-kinderen Anno 1598 den 18 Febraaris stilo novo. As investigações do Dr. F. Wieder mostraram que Cornelis Doedtsz foi o cartógrafo da expedição de De Mahu e Cordes que partiu para o Extremo Oriente em fins de 159810 e da qual fazia parte o Liefde. Parece pois razoável e relativamente seguro conjecturar que estes mapas foram executados por Cornelis Doedtsz com base em alguns originais Indo-Portugueses, para a viagem do Liefde ao Japão, do qual são portanto uma inestimável relíquia histórica juntamente com a figura de Erasmus que pertenceu à popa do navio (o seu nome original era Erasmus) que também encontrou permanente lugar de descanso no Museu da Casa Imperial em Ueno11.

Ainda mais interessante do que a secção do mapa atrás referido é um outro em que estão representados os países entre o cabo da Boa Esperança e o Japão do qual a parte mais relevante se reproduz aqui. Este mapa também se baseia num protótipo português, diferente do que terá servido para o mapa que atrás se referiu, mas este tem interessantes alterações introduzidas posteriormente. O exame cuidadoso deste mapa, revela que o Japão estava originalmente representado do mesmo modo que no já mencionado mapa, isto é, encurvado, forma conhecida por tipo Vaz Dourado12. Mas outras mãos alteraram radicalmente esta forma errada, tendo endireitado a parte norte da ilha principal com inclusão das províncias Tóhoku sendo o resultado, mesmo assim, longe de perfeito. A costa da Coreia e da Tartária foi também drasticamente emendada, embora neste caso dificilmente se possa considerar ter sido melhorado o incorrecto traçado original. É impossível identificar o responsável por estas emendas. Pode ter sido um cartógrafo japonês ou podem ter sido feitas por Will Adams mas, em qualquer dos casos, a informação em que se basearam as alterações terá sido proveniente de fontes japonesas e prova que estes utilizaram inteligentemente o material cartográfico importado, não confiando cegamente no seu conteúdo.

Reprodução parcial de um portulano, provavelmente trazido para o Japão pelo Liefde em 1600, de Cornelis Doedtsz (1598).

A possibilidade de que esta alteração tenha sido obra de Will Adams é sugerida pelo facto de se saber que este construiu um globo pouco tempo depois de ter chegado ao Japão, o que foi registado por Diogo do Couto nos seguintes termos: E num globo que este piloto possuia, a partir do qual foi desenhado na China [i. e. em Macau] um outro que tenho em meu poder, vêem-se claramente estas duas partes [i. e. as passagens de NE e de NW] pelas quais eles tentaram passar para cá e foi colocada em graduação esta ilha do Japão com todos os seus Reinos até à terra de Chincungu, onde dizem que se situam as ricas minas de prata13.

Infelizmente o globo original de Adams e a cópia de Couto perderam-se, o que é tanto mais de lamentar porquanto esse globo deveria conter a primeira representação europeia das sessenta e seis províncias do Japão cujos pormenores Adams, obviamente, deve ter obtido de cartógrafos japoneses. As limitações de espaço só nos permitem referir alguns outros exemplos da influência portuguesa no Japão, na área de cartografia. Em Osaka conserva-se ainda um mapa portulano da Ásia, em pergaminho, no estilo do grande cartógrafo goês Fernão Vaz Dourado, liberalmente decorado com bandeiras ostentando as típicas insígnias portuguesas Quinas e Cruz de Cristo. Este mapa pertence a um descendente da famosa família Sumiyoshi cujos membros foram proeminentes comerciantes com a Indochina no tempo dos gohuinsen ou "navios com licença" do princípio do período Tokugawa14.

Existem outros exemplares, não tão bons, em Tóquio, em Nagasaki — Biblioteca da Prefeitura e, talvez o mais famoso de todos, em Ise, na posse da família Kadoya. Este último mapa pertenceu ao famoso Kadoya Shichirobei que dirigiu um comércio florescente com Annam durante o primeiro quartel do século dezassete, até ter início em 1636 a "política de país fechado" do Shogun Iemitsu. Todos estes mapas são do mesmo tipo. À primeira vista parecem típicos portulanos portugueses liberalmente decorados com linhas de direcção, rosas dos ventos, escala de léguas e estandartes lusitanos e todos desenhados sobre pergaminho que deverá ter sido importado. Mas apesar de serem claramente baseados em originais portugueses ou indo-portugueses do fim do século dezasseis e princípio do século dezassete, a sua feitura japonesa é indubitavelmente demonstrada pelos dois aspectos que a seguir se referem, comuns a todos eles. Em primeiro lugar a sua nomenclatura está escrita em Kana sendo utilizados caracteres europeus somente para indicar o nome de um país ou continente. Em segundo lugar o Japão e as costas continentais vizinhas (Coreia e Tartária) estão representadas de forma muito mais rigorosa — pelo menos quanto ao contorno geral — do que nos mapas contemporâneos portugueses, ou na verdade, em qualquer outro mapa europeu anterior à segunda metade do século dezassete.

A propósito destes portulanos luso-japoneses ou cartas de marear, podemos referir um manuscrito extraordinariamente interessante existente na Biblioteca da Universidade Imperial de Tóquio. Este documento é nada mais nada menos do que uma versão japonesa do princípio do século dezassete de um característico livro náutico português, o Exame de Pilotos, do tipo publicado pelo Cosmógrafo-Mór Manuel de Figueiredo em 1608-161415. Desde o prefácio ao texto, que parece ter sido compilado por um homem de Nagasaki chamado Ikeda Yoyemon em Genna VIII (1622) a partir do ditado de um piloto português de nome Manoel Gonçalves, e reduzido à sua forma final cerca de 1630-1631. Ikeda era mergulhador de profissão e tinha feito algum trabalho de salvamento relacionado com a carraca portuguesa Madre de Deus, afundada pelo daimyo de Arima, na baía de Nagasaki em Janeiro de 161016. O conteúdo deste extraordinário e interessante trabalho inclui instruções para determinar a posição no mar por meio do Cruzeiro do Sul; tabelas para determinar a altura do Sol ao meio-dia; cálculos de tabelas de declinação para os anos 1629 a 1688; explicação do significado de termos náuticos e astronómicos como grau meridiano, etc. e também da diferença entre os calendários Juliano e Gregoriano; como medir a altura do Sol com o astrolábio, e outros elementos de informação náutica necessários. O manuscrito contém também uma rosa dos ventos com trinta e duas direcções como se escreviam em português mas transliteradas para a simbologia Katakana e finalmente uma série de Roteiros (instruções de navegação) para navegar de Nagasaki para vários portos do sul da China e da Índia, como Macau, Lantau e Sião, semelhantes aos incluídos nas edições posteriores do Exame de Pilotos de Manoel de Figueiredo. A obra está escrita numa mistura de Kana e Kanji, sendo a maioria dos termos técnicos que nela naturalmente abundam apresentados em Katakana, como por exemplo Norte, Tomar o Sol, embora alguns apareçam em manyogana (caracteres chineses usados foneticamente) como por exemplo dekirinasan para declinação.

É difícil sobrestimar o interesse e importância deste trabalho que merece a transcrição e publicação integral depois de comparado com fontes portuguesas contemporâneas. Contudo, já se descreveu o suficiente para provar o vivo desejo dos navegadores japoneses do princípio do século dezasseis de se manterem a par da prática europeia mais científica, desse tempo. Juntamente com as cartas portulanas luso-japonesas atrás referidas, a existência deste trabalho prova conclusiva-mente que se não fosse a prematura interrupção do comércio externo decretada por Iemitsu em 1636, os navegadores japoneses depressa teriam atingido o nível dos seus contemporâneos europeus; é mais uma prova convincente de que a inerente habilidade marítima dos japoneses esteve na origem do crescimento meteórico da sua Marinha Mercante, nos nossos dias17.

Mapa-mundi, pintado nas escolas de artes jesuítas, ao estilo ocidental. Painel de oito folhas, integrado in Quatro Grandes Cidades do Ocidente; óleo sobre papel; cada painel, 158,8 x 477,8cms. Museu Municipal de Arte Nanban de Kobe.

Mas a influência exercida pelos portugueses no Japão não se limitou aos mapas portulanos ou aos tratados náuticos, incluindo também mapas menos especializados, de tipo mais popular. Consequente-mente, verifica-se que os mapas e globos levados pelos portugueses e pelos padres jesuítas nas últimas décadas do século dezasseis, exerceram uma poderosa influência nos mapas japoneses desse tempo. A avaliar pelos raros exemplos desses trabalhos cartográficos japoneses de inspiração europeia, estes derivaram principalmente das escolas cartográficas flamengas de Antuérpia, das quais o grande Abraham Ortelius foi o expoente máximo. Os melhores trabalhos deste género que conheço são explêndidos mapa-mundi pintados em Namban-byobu ou "Biombos dos Bárbaros do Sul" (de que se tratará mais adiante), muito merecidamente reproduzidos no monumental catálogo da colecção Ikenaga18. Estes mapas cheios de cor, com carracas e galeões ibéricos cortando as águas na companhia de alegres golfinhos e tritões, fazem lembrar os decorativos mapas do século dezasseis, no seu apogeu. Tal como no caso dos mapas portulanos, os artistas japoneses não se limitavam a copiar servilmente o original europeu, exepto no que respeitava a regiões como a África e a América de que não tinham conhecimento. Em todos, ou pelo menos na sua grande maioria, a forma do Japão é de longe mais correcta do que em qualquer dos atlas europeus de Ortelius (ou de qualquer outro). A origem Antuerpiana destes mapas-biombo é indicada não só pelo seu aspecto geral mas, mais decisivamente, pelo facto de um deles ser coroado com a inscrição típica de Ortelius — TYPUS ORBIS TERRA-RUM19. Alguns destes mapas, apesar de muito detalhados, não têm escrito qualquer nome, enquanto que noutros casos existe nomenclatura tendo sido utilizados caracteres japoneses. Apesar da origem flamenga estes mapas podem correctamente ser incluídos sob o manto da influência portuguesa já que poucas dúvidas há quanto à introdução dos propósitos no Japão, levados pela célebre embaixada de Kyushu a Lisboa, Madrid e Roma em 1582-1590. A avaliar pela proveniência dos poucos que chegaram até aos nossos dias, a maioria destes mapas-biombo foi provavelmente executada para abastados daimyo(s) cristãos ou para os seus simpatizantes como as famílias Gamo, Kuroda ou Hosokawa. A tradição leva o Sr. Ikenaga a atribuir alguns deles ao Palácio de Nobunaga em Azuchi-yama, tão apreciado pelos jesuítas, mas tal é manifestamente incorrecto porque o tipo de mapa eu-ropeu utilizado é de data posterior à morte de Nobunaga e à destruição de Azuchi em 1582. A utilização deste tipo de mapa-mundi não ficou limitada aos abastados daimyo ou aos "connoisseurs" e gradualmente alcançou uma divulgação mais popular, sendo reproduzidos em gravação na madeira, cujo exemplar mais antigo que se conhece data de 1647. Nesta altura a influência holandesa era já perceptível e o desenvolvimento e subsequente história deste tipo de mapa foi completamente tratado pelo presente autor, num outro trabalho.20

BIOMBOS

Namban — Um dos aspectos mais característicos da influência portuguesa na arte do antigo Japão encontra-se nos Biombos Namban (Namban-byobu) ou "Biombos dos Bárbaros do Sul" fazendo a tradução à letra da designação em japonês. Este tipo de arte é peculiar do Japão21 e possui características claramente definidas que permitem a sua fácil identificação.

O tipo mais comum de biombo Namban e ao qual a designação se aplica por excelência, tem um único assunto como tema — a chegada de um navio português ao Japão com as cenas de desembarque dos passageiros e tripulação e o seu encontro com os japoneses e missionários em terra. Estes biombos têm oito, seis, quatro ou duas folhas sendo os mais comuns os de seis folhas e os mais raros os de duas. O assunto é sempre tratado da mesma maneira. Do lado esquerdo (estando o observador virado para o biombo) é representado o navio português chegando ou ancorando na baía; no centro há um cortejo de fidalgos encabeçado pelo Capitão-Mor, a que se segue um numeroso séquito de escravos e servidores caminhando ao encontro (em regra) de um grupo de missionários que se encontra representado à direita; este cortejo é conhecido por Namban gyoretsu ou "Cortejo dos Bárbaros do Sul". O lado direito do biombo é dedicado a motivos religiosos ou semi-religiosos estando aí representados padres, missionários e frades de várias ordens, entre os quais são normalmente mais conspícuos os jesuítas, de vestes negras, avançando para dar as boas vindas ao cortejo português que chega. Normalmente há em segundo plano uma igreja ou um convento onde se pode ver um padre celebrando missa. Os cristãos japoneses vestindo uma hakama meia europeizada, com rosários ao pescoço ou nas mãos, estão normalmente também em evidência nesta parte do Biombo. Com bastante frequência aparece um toque de maior simplicidade dado por uma mãe japonesa com o filho ao colo ou por pais apontando aos filhos os "Bárbaros do Sul". Outros detalhes típicos deste tipo de biombo e que são perceptíveis em quase todos eles, são os marinheiros pretos ou indianos exibindo-se em proezas acrobáticas — por vezes com consequências desastrosas — nas enxárcias e nos braços das vergas; os cavalos árabes brancos e negros levados no cortejo e as gaiolas com falcões, pavões, tigres, antílopes e outros exemplares da fauna indiana que os portugueses costumavam levar para excitar a fantasia de Hideyoshi e dos seus cortesãos. Vistas em conjunto as cenas representadas nestes biombos dividem-se claramente em três partes. O motivo secular ou mundano é constituído pelos portugueses, do lado esquerdo, e o motivo religioso ou espiritual é representado pelas cenas eclesiásticas, à direita; ao meio é feita a ligação através do cortejo Namban gyoretsu. Visto de outro modo, o lado esquerdo representa os bárbaros do sul (Namban) e o lado direito o Japão.

Apesar do tipo de biombo acima descrito, ser o mais comum destes biombos Namban (se é que a palavra comum se pode aplicar a um tão raro objecto de arte), há alguns outros que têm representados temas diferentes. Como atrás já foi referido, são conhecidos um ou dois que têm representados mapas do mundo — os hemisférios oriental e ocidental constituindo um par. Existe também um biombo em que estão representados reis europeus e sarracenos envolvidos em combate mortal, mas este talvez não se possa considerar um verdadeiro biombo Namban porque é a reprodução fiel de um modelo europeu e não uma composição original japonesa, portanto mais influenciada do que inspirada pela arte europeia, como são os verdadeiros biombos Namban. O par de biombos do Sr. Ikenaga representando quatro capitais — Lisboa, Madrid, Roma e Constantinopla numa perspectiva vertical, podem enquadrar-se nesta categoria.22 Por vezes estes biombos constituem pares, um deles representando a partida de um navio português do seu porto de origem, presumivelmente Goa ou Macau e o outro contendo a chegada do navio ao Japão com os missionários acolhendo os seus compatriotas que desembarcam. O soberbo par de biombos existente na Universidade de Kyoto, talvez o mais conhecido e mais frequentemente reproduzido pertence a esta última categoria.

A maioria destes biombos foi evidentemente executada para daimyo(s) ou para abastados mercadores com interesses no comércio com o exterior, porque os materiais utilizados eram muito caros e frequentemente eram pintados por artistas de primeiro plano da escola Kano e de outras escolas famosas contemporâneas. Estes biombos caracterizam-se pela mais do que pródiga utilização de folha de ouro (muito raramente prata) para a execução do fundo, sendo as figuras e pormenores pintados com generoso uso de cores caras à base de pó de malaquite, lápiz-lazuli, folha de ouro, etc..

Muito poucos destes biombos são assinados, mas há um na colecção do Sr. Ikenaga que tem a assinatura do célebre mestre Kano Naizen, Shigenobu (Ichiyo). A maior parte é pintada no estilo da escola Kano, sendo alguns dos mais conhecidos atribuídos a Kano Yeitoku, a Kano Sanraku e o Kano Naizen já acima mencionado. Outros são atribuídos a artistas da escola Tosa, que para os não iniciados não se distingue facilmente da Kano-ryu e algumas produções (de inferior qualidade) são trabalhos de Jokei e de outros artistas da escola Sumiyoshi. O aspecto curioso relativo a estes biombos é que não eram pintados em Nagasaki, como poderá julgar com alguma desculpa o estudioso menos atento, mas sim por artistas de Kyoto e de Sakei, alguns dos quais poderão contudo ter ido a Nagasaki para captar a cor local e inspirar-se nos imponentes navios lusitanos e nos fidalgos que frequentavam aquele porto. Obviamente alguns biombos foram pintados por homens que nunca tinham visto um navio europeu, enquanto que o pormenor e rigor de outros demonstra que os seus pintores não só eram artistas consumados mas também viajantes que tinham estado a bordo desses navios.

Onanban gyoretsu - cortejo dos Bárbaros do Sul; pormenor de biombo do Século XVII, ilustrando o cortejo do Capitão-Mor em Kioto (Museu de Arte Nanban de Osaka).
Biombo ilustrando os costumes de um porto marítimo japonês (160x321cms, época do Edo,1603-1867). No painel da esquerda, ao alto vê-se grupo de europeus (portugueses?,holandeses?) de calção-bombacha, capa e chapéu, a comericar.

Alguns críticos europeus, superficiais e mal informados pensaram ter identificado episódios específicos representados nestes biombos Namban; uma das explicações que encontrou larga aceitação entre os críticos de arte que tinham obrigação de saber um pouco mais é a de que a cena representada corres-ponde ao encontro de Fernão Mendes Pinto e S. Francisco de Xavier, em Bungo no ano de 155123. Um pouco de reflexão mostraria que tal não pode corresponder à verdade porque para além do facto destes biombos só terem sido feitos quarenta anos mais tarde, Fernão Mendes Pinto e os seus companheiros não levaram consigo cavalos árabes nem há o mais pequeno indício que justifique esta imputação puramente fantástica e imaginária. Nessa altura os jesuítas não tinham nenhuma igreja propriamente dita como está representada no biombo, nem existia então no Japão nada que se parecesse com o número de padres representados (dez). O vestuário dos portugueses é também de época posterior e outras razões igualmente válidas podem ser aduzidas. Outros pensaram identificar a cena como sendo a que ocorreu em Nagasaki quando regressaram de Roma, em 1590, o jesuíta visitador padre Alexandro Valignani e os enviados de Kyushu. À primeira vista esta ideia tem algum suporte porque um homem alto com as escuras vestes de jesuíta representava alguém proeminente no grupo dos missionários e é tentador identificar essa figura com o Padre Visitador, até porque Valignani era um homem de estatura invulgar. Essa embaixada trouxe também dois cavalos árabes como presente do vice-rei da índia para Hideyoshi e nos biombos são frequentemente representados no cortejo, um cavalo árabe branco e outro preto. Contudo, novamente aqui, há uma objecção indisputável pois Valignani e os seus acompanhantes chegaram de Macau num junco e não na habitual Nau da Viagem.

É pois certo que estes Namban-byobu não representam qualquer acontecimento particular, sendo somente uma representação geral do lado pitoresco do intercâmbio português com o Japão. Ao mesmo tempo é perfeitamente concebível que o regresso da missão de Valignani em 1590 possa ter proporcionado a inspiração original para este tipo de biombo, dado não se saber que algum tenha sido feito antes dessa data e a partir de registos missionários sabe-se que foi feito um esforço especial para vestir e enfeitar tão magnificamente quanto possível os portugueses que acompanharam o Enviado, de modo a ofuscar uma embaixada coreana que também se encontrava a caminho de uma audiência com o Taiko24.

Chegada do "barco negro" ao porto de Nagasáqui, cortejo dos Nanban-jin e recepção dos padres. Um biombo com a construção e a temática típica de Kano Naizen (M. N. A. A., Lisboa). Pelas largas portas e janelas dos edifícios entrevêem-se cenas de culto católico. Na época em que estes painéis foram pintados já se encontravam no Japão outras ordens religiosas católicas como se comprova com os figurantes franciscanos.

Seja como for, estes biombos, ou os melhores deles, foram evidentemente produzidos entre 1590 e 1614, ano em que Ieyasu proibiu definitivamente o Cristianismo, tendo a maioria sido pintados por artistas das escolas Kano e Tosa e Sakai, provavelmente para daimyo(s) cristãos ou abastados "connoisseurs" com gostos exóticos. Contudo é possível que o interesse fosse mais geral e que outros mais baratos e menos sumptuosos tivessem sido feitos para samurais mais modestos ou hatamoto(s). Isto não se pode afirmar com inteira certeza porque os únicos biombos que tiveram hipótese de escapar depois da implacável perseguição e virtual extirpação do Cristianismo no tempo dos três primeiros Shoguns Tokugawa, foram os poucos que puderam ser escondidos por poderosos daimyo(s). O autor deste ensaio possui um hina-byobu ou biombo de bonecas que é semelhante a um Namban-byobu de pequenas dimensões, mas este é, aparentemente um exemplar único porque nem ele nem qualquer dos especialistas japoneses consultados viram alguma vez outro semelhante25. Se este exemplo solitário pode ser tomado como indicador da existência de uma procura mais popular destes Namban-byobu para além dos abastados diletantes, é difícil dizer, mas talvez esta hipótese não seja descabida e precipitada.

Se esta forma de arte teve a sua face popular— e a moda desse tempo de macaquear o vestuário português bem como os costumes, alimentação e até ocasionalmente a língua, fornece alguma contribuição para o provar — então pode ser considerada como percursora dos Nagasaki-e ou estampas a cores de Nagasaki, que floresceram no fim do século dezoito e princípio do século dezanove e que foram inspiradas pela presença dos holandeses e dos seus navios na velha Nagasaki26.

A proibição definitiva do Cristianismo em 1614 não significa a extinção imediata dos Namban-byobu, apesar de o seu esquema fundamental ter sofrido uma modificação significativa. Deixou de ser seguro representar os padres católicos ou igrejas ou objectos da religião como cruzes e rosários. Por isso verifica-se que a metade da direita do biombo deixou de ter representados missionários ou cenas evangélicas, tendo-se transformado num panorama puramente Japonês. Em vez dos padres e dos seus acólitos, passaram a ser representados japoneses citadinos ou comerciantes vindo ao encontro dos estrangeiros para regatear as mercadorias destes últimos; em vez da celebração da missa na igreja ou capela, vêem-se reuniões festivas numa estalagem onde os mercadores portugueses são obsequiados pelos seus anfitriões. As cruzes das igrejas desapareceram substituídas por símbolos budistas, sendo também eliminados os cruxifixos e rosários com os quais os convertidos japoneses eram liberalmente ornamentados em todos os biombos anteriores, e perdendo o seu vestuário os traços lusitanos. Apesar de com esta transformação se terem tomado relativamente inócuos, os Nambanbyobu não sobreviveram muito tempo à proibição do Cristianismo, e é provável que tenham deixado de se fazer neste estilo mesmo antes da expulsão final dos portugueses e da proibição rigorosa de tudo quanto com eles se relacionasse, em 1639-1640.

É verdade que se encontra ocasionalmente uma espécie de biombos Namban, do fim do século dezassete e do século dezoito, mas com uma forma tão degenerada que dificilmente se pode reconhecer o que pretendem ser. Estes exemplares abastardados mais recentes, parece provirem da escola Sumiyoshi em Sakai. Os majestosos fidalgos portugueses dos primeiros biombos passaram a distinguir-se dificilmente de comerciantes chineses, quer no vestuário quer no aspecto e nenhum observador casual os tomaria por europeus. O navio europeu ou desapareceu completamente ou é apresentado de forma grotesca sem mastros, sem velas, sem nada — sendo praticamente irreconhecível o que pretende ser. O velho motivo meio secular meio religioso desapareceu completamente e a cena que agora aparece representada é um local de mercado onde comerciantes pseudo-por-tugueses e japoneses regateiam as mercadorias. Este tipo de Namban-byobu tem de distinguir-se de adaptações ou cópias feitas no fim do século dezoito, a partir dos originais do século dezasseis e que começaram a aparecer cerca dos períodos Temmei— Kwansei (1780-1798). O aparecimento destes últimos resultou do ressurgimento do interesse pela arte e ciência ocidentais que teve lugar no Japão durante o último quartel do século dezoito, graças à influência dos intelectuais holandeses ou Rangakusha. Podem facilmente distinguir-se dos antigos originais das escolas Kano e Tosa pela relativa imperfeição e pelos numerosos erros de pormenor — os fidalgos portugueses são representados com as vestes do século dezasseis mas com o cabelo comprido e cabeleira como os holandeses do século dezoito, uma incongruência que passou uma rasteira mais do que uma vez, aos atarefados falsifícadores destes biombos27.

Para finalizar, há outro aspecto acerca dos genuínos biombos Namban do período Keicho, 1596--1614, que tem de ser mencionado. É o seu enorme valor e interesse para o estudo da iconografia japonesa e portuguesa desse tempo, especialmente da última. Não existem quaisquer fontes— se exceptuarmos algumas gravuras em trabalhos como o Itinerário de Linschoten, publicado em 1596 — que permitam o estudo do vestuário e trajes dos portugueses na Ásia, nesse tempo, excepto estes biombos Namban. A partir destes obtém-se uma excelente ideia do tipo de roupas que usavam, materiais com que eram fabricadas e padrões preferidos. A fidelidade dos pormenores é evidente não só por comparação com as gravuras de Linschoten — os biombos são de longe mais coloridos e naturais do que as afectadas gravuras holandesas em cobre — mas por exemplos como os rosários transportados pelos portugueses quando passeando, ou como os grandes lenços de renda, ou de algodão, na mão, à moda das elegantes damas dos quadros de Velasquez ou de outros pintores ibéricos contemporâneos.

PINTURA

Devido à rigorosa extirpação do Cristianismo durante as primeiras décadas do século dezassete e subsequente proibição de todas as formas de arte inspiradas ou relacionadas com esta odiada religião, da arte cristã nativa, a certa altura florescente, pouquíssimos exemplos sobreviveram. No entanto a natureza destes e alguns trechos desgarrados na literatura desse tempo, são suficientes para provar que esta forma de arte tinha atingido no final do século dezasseis, um grau de popularidade e eficácia consideráveis.

Contrariamente aos artistas das escolas Kano e Tosa, responsáveis pelos Namban-byobu do período Keicho, os pintores do que se poderá chamar Escolas Japonesas Cristãs não conseguiram conservar a independência artística nativa e apoiaram-se quase exclusivamente nos modelos e conceitos europeus. Por outras palavras, enquanto que os artistas dos Nambanbyobu conservaram a sua individualidade nativa, somen-te introduzindo no seu trabalho assuntos ocidentais como navios ou mercadores, para agradar aos gostos exóticos dos abastados diletantes a quem se destinavam, os pintores nativos cristãos limitaram-se a copiar fielmente — por vezes servilmente — temas religiosos católicos extraídos directamente de modelos europeus, sem tentarem a modificação ou só timidamente o fazendo.

A razão para tal não é difícil de encontrar. Os artistas desta escola eram todos treinados a partir da sua infância num dos colégios ou seminários jesuítas fundados pelos missionários no Japão para educação dos nativos que se tinham convertido. A razão de ser da sua arte era somente a produção de quadros com fins religiosos ou eclesiásticos, por isso não tendo outra alternativa que não fosse copiar tão fielmente quanto possível os originais que para esse fim os seus perceptores importavam da Europa. Estes artistas saíam das fileiras de acólitos laicos ou Dógicos como eram chamados pelos portugueses, nome derivado da sua designação em japonês doshuku que significava companheiro de alojamento ou companheiro hóspede. As suas obriga-ções são descritas no extracto de um relatório dos jesuítas28 redigido no ano de 1592, que se segue:

No Japão a palavra dójucos é utilizada para referir uma classe de homens que, novos ou velhos, rapam a cabeça e renunciam ao mundo, entrando ao serviço da igreja; alguns estudam para eventualmente serem religiosos e clérigos enquanto que outros realizam vários trabalhos domésticos que no Japão não podem ser feitos a não ser por estes acólitos de cabeça rapada tais como o mister de sacristão, portador de chanoyu (NT6) mensageiro, ajudante de missa ou serviço fúnebre, baptismos e outras solenidades semelhantes da Igreja e acompanhantes dos Padres; os que de entre eles são capazes disso ajudam na catequização, na pregação e na conversão ao cristianismo. Estes dógicos são respeitados no Japão e olhados como sendo clérigos e usam vestes longas ainda que diferentes das que são usadas pelos Padres e Irmãos, embora todos saibam que eles não são realmente religiosos mas estão decididos a sê-lo ou a ajudar os religiosos nestas cerimónias e actividades. Alguns ocupam-se a estudar latim como os que estão no Seminário e os nossos Irmãos são recrutados nesta classe; outros estão divididos pelas outras casas e residências e são empregues nas já referidas actividades, sendo 180 o número total destes dógicos, nesta altura, no Japão e aos quais há que adicionar outros empregados e acólitos distribuídos pelas várias casas ao serviço da Igreja, perfazendo um total da 670 pessoas, incluindo Padres e Irmãos que presentemente são mantidas a expensas da Companhia no Japão.

Apesar de neste extracto não haver nenhuma menção específica aos dójucos como pintores, encontram-se com bastante frequência, noutros registos jesuítas contemporâneos, referências relativas a estes estudantes de teologia ou acólitos sob a designação de dójucos pintores29 e é evidente que a maioria, se não a totalidade dos pintores nativos cristãos era recrutada nesta classe de estudantes. Sem dúvida estes acólitos começavam a ser ensinados a copiar quadros e imagens religiosas europeias pouco depois da fundação da missão do Japão por S. Francisco de Xavier, em 1549-1551, mas nesta esfera da cultura, como em muitas outras áreas, o grande impulso no sentido de levar esta arte à sua consecução foi proporcionado pelo regresso de Roma do Padre Valignani com os jovens embaixadores de Kyushu, de onde trouxeram uma grande quantidade de livros, estampas, gravuras e quadros adquiridos na Itália de Cinquecento.

Do relatório de 1592 acima referido (dois anos após o regresso da embaixada) sabe-se que o instrutor destes Dójucos Pintores era o Irmão italiano Giovani Nicolao, que quinze anos mais tarde ainda aparece nos registos como estando no colégio dos jesuítas de Nagasakina na mesma função de "professor de pintura"30. Durante este longo período deve ter ensinado uma grande quantidade de alunos, mas infelizmente só temos escassíssimas referências a alguns deles, que foram cuidadosamente compiladas e publicadas no ensaio do Padre Schurhammer que abaixo se refere. Este Catálogo de 1592, indica-nos o nome de dois estudantes de pintura japoneses na residência de Shiki em Amakusa:

Irmão Vatano Mancio Japam Aprendem a pintar;

Irmão Mancio João Japam não sabe mais que Japão

O facto de ambos se chamarem Mancio, causa uma certa confusão mas um deles pode presumivelmente identificar-se como sendo o irmão Mancio Taichico (i. e. Taichiku) japonês, irmão coadjutor da Companhia de Jesus, eminente pintor que decorou a maior parte das Igrejas da sua pátria e que em 1614, com a idade de quarenta e um anos, foi exilado para Macau onde morreu em Janeiro do ano seguinte, conforme registou Pagés 31. Dos oito pintores que se sabe terem estado em actividade de 1592 a 1614, e de que há registo através do Padre Schurhammer, o mais interessante é Jacobo Niwa que nasceu em 1579 de pai chinês e mãe japonesa. Sendo um dos alunos mais promissores do Padre Nicolao, foi enviado para Macau em 1601 pelo Visitador Valignani, ali tendo entrado formalmente para a ordem dois anos mais tarde. Entre os seus trabalhos contavam-se um quadro da Ascensão da Abençoada Virgem Maria e uma frente de altar dedicada às onze mil Virgens, ambos executados para a grande Igreja de S. Paulo, cuja fachada ainda hoje existe. Acompanhou Ricci a Pequim em 1602 e parece ter trabalhado alternadamente entre esta capital e Macau, pelo menos até 163532.

Sabe-se seguramente que nos seminários jesuítas em Amakusa, Arima e Nagasaki era ensinada pintura aos noviços e estudantes japoneses, mas não há a certeza se era também ensinada noutros estabelecimentos educacionais em Funai na província de Bungo ou em Azuchi perto do lago Biwa. Parece provável que assim fosse, especialmente neste último caso porque Azuchi estava muito perto de Kyoto, centro artístico do Japão, e situada no coração de uma comunidade cristã singularmente florescente e culta, que durante muito tempo beneficiou do patrocínio de influentes daimyo(s) como Gamo Ujisato e Hoso-kawa Tadaoki.

No entanto, como dissemos, e como é evidente dos extractos dos registos dos jesuítas já citados, esta arte cristã nativa era de origem e execução quase exclusivamente religiosa e eclesiástica, mas esta afirmação tem de ser parcialmente qualificada. Nas colecções do conde Nambu, do visconde Matsudaira, em Tóquio, e na do Sr. Ikenaga, em Kobe, conservam-se alguns curiosos biombos de oito e de seis painéis, pintados no estilo da Renascença Italiana como se pode avaliar pelas reproduções incluídas em vários trabalhos publicados no Japão33.

Estes biombos são de um tipo bastante diferente dos Namban-byobu e contrariamente a estes não são mais do que cópias fiéis de originais europeus, na realidade tão fiéis que um ou dois deles poderiam passar facilmente por trabalhos de europeus. Têm todos um motivo semelhante parecendo retratar uma cena pastoral bíblica, mas dificilmente se podem classificar como arte religiosa no verdadeiro sentido do termo. A sua origem é atribuída por tradição à família do daimyo cristão Gamo Ujisato, cuja irmã mais nova os terá recebido como parte do seu dote, na altura do seu casamento com um membro da família Matsudaira de Aidzu, cerca de 1580. Pessoalmente, inclino-me a acreditar que, tal como muitas outras obras de arte de inspiração europeia, só foram executadas depois do regresso dos enviados de Kyushu, em 1590, tendo provavelmente sido copiados de originais trazidos de Itália. Sabe-se que o grande artista veneziano Tinturetto pintou retratos dos enviados durante a sua estadia em Veneza e é muito natural que tenham levado para o Japão obras deste ou de outros artistas do Cinquecento34.

Já foi sugerido que estas pinturas parecem mais terem sido copiadas de originais espanhóis do que italianos, e tal é bastante possível porque os enviados fizeram uma prolongada estadia em Espanha e Portugal e certamente tiveram oportunidade de apreciar a pintura de mestres contemporâneos como Sanches Coelho. Pode acrescentar-se que em alguns destes biombos o estilo de pintura e os materiais utilizados são meio japoneses, meio portugueses, tendo sido utilizadas tintas de óleo para as figuras e tintas japonesas para o fundo. Esta circunstância tem levado alguns críticos de arte a emitir a opinião de que os biombos em questão são um trabalho conjunto de dois pintores, um japonês e o outro europeu. De novo, aqui, não tenho conhecimentos suficientes para decidir quanto a este ponto mas depois de examinar os biombos da colecção do conde Nambu, a minha opinião, valendo o que vale, é de que o responsável pela totalidade do trabalho foi um japonês.

Em qualquer caso estes biombos, que alguns conhecedores como o Sr. Ikenaga atribuem aos alunos do seminário jesuíta de Azuchi35, mas sem apresentar qualquer prova convincente que justifique essa imputação, não são de modo nenhum exemplares típicos da produção normal dos alunos dos jesuítas ou Dójucus Pintores. Os assuntos puramente religiosos que lhes serviram de inspiração aparecem claramente nos poucos trabalhos que sobreviveram representando os "Quinze Mistérios da Virgem" e os retratos de S. Francisco de Xavier, o Arcanjo Miguel ou assuntos semelhantes provenientes da hagiologia católica. Apesar de serem utilizados papel e materiais nativos, os assuntos são em todos os casos cópias de originais europeus com pequenas ou nenhumas modificações.

Finalmente não pode deixar de ser mencionado o famoso pintor Yamada Emosaku, último sobrevivente conhecido da escola Cristã, do qual uma ou duas obras ainda existem. Muito tem sido escrito a seu respeito pelos especialistas modernos mas muito pouco se conhece acerca da sua vida para além do facto de ter estado envolvido (involuntariamente ao que parece) na revolta de Shimabara, em 1637-1638, servindo na força rebelde, cercada no Castelo de Hara. Descoberto no acto de traiçoeiramente comunicar com os sitiantes, foi preso numa masmorra mas salvo da condenação à morte, pela queda da fortaleza. Como recompensa para a sua abortada traição, o comandante das forças do Shogun, Matsudaira Idzu-no--Kani Nobutsuna, poupou-lhe a vida levando-o consigo para Yedo onde o manteve no seu próprio Yashiki (NT7) até à sua morte muitos anos mais tarde. Um dos mais famosos exemplos da arte de Yamada é a pintura de uma mulher europeia tocando guitarra, que tem sido reproduzida com muita frequência. Foi pintada a óleo e tem um considerável mérito artístico. Yamada tem sido considerado o primeiro pintor a óleo do Japão mas tal é sem dúvida um exagero porque muitos dos alunos dos jesuítas usaram este tipo de tintas; quanto a ter sido discípulo dos jesuítas é incerto mas parece bastante possível36.

Naturalmente, a extirpação virtual do Cristianismo no Japão, como consequência da revolta Shimabara, desferiu o golpe final na chamada Escola Cristã, havendo no entanto algumas referências vagas e insatisfatórias até ao fim do século dezassete, acerca de Namban-ryu ou "Escola de Pintura dos Bárbaros do Sul", em Nagasaki.

IMPRENSA E GRAVURA

Como todos os estudiosos da história japonesa sabem, os missionários jesuítas foram responsáveis pela introdução no Japão da imprensa com tipos móveis, mas talvez não haja ideia tão generalizada de que estes foram também responsáveis pela introdução da arte da gravura sobre placa de cobre.

Quando do regresso da embaixada de Kyushu, no Verão de 1590, o padre jesuíta Alexandro Valignani levou para o Japão um conjunto de tipos europeus; esta tipografia, que já tinha sido utilizada em Goa e em Macau, em 1588-1589, para imprimir dois trabalhos sobre o Japão, foi utilizada para a produção de um grande número de livros nos seus breves vinte anos de existência neste último país. A tipografia europeia original de 1590 foi posteriormente alargada com a inclusão de caracteres e escrita japonesa, principalmente em Hiragana. Os devotados es-forços do falecido Sir Ernest Mason Satow erigiram um duradouro monumento de impecável sabedoria acerca da imprensa da missão jesuíta no Japão, através das suas magistrais monografias sobre este assunto, ao qual alguns estudiosos japoneses também têm dedicado anos de cuidadosa investigação37. — Para descrição completa dos principais trabalhos publicados pela imprensa da missão jesuíta do Japão, o leitor poderá recorrer aos trabalhos abaixo citados e eu limitar-me-ei aqui a algumas notas breves sobre aspectos que parece terem escapado à observação geral.

A iniciativa dos jesuítas levando para o Japão estes úteis artigos europeus foi rapidamente apreciada pelos seus neófitos japoneses, muitos dos quais se mostratam competentes alunos nesta arte. O Catálogo de 1592, já referido, menciona um Irmão Pedro Japão impressor da letra de Japão, não sabe mais do que Japão (Irmão Pedro, japonês e impressor de caracteresjaponeses, só sabe japonês) portanto dois anos depois da fundação desta tipografia. Numa interessante carta de Março de 1594 o Padre Francisco Passio alude em termos entusiásticos ao progresso feito pela tipografia:

A tipografia foi enriquecida com um conjunto de letra grifa que os nativos fizeram com um pequeno custo, já que são muito generosos e excelentes trabalhadores. Estamos agora imprimindo a Gramática do Padre Manuel Alvarez em língua portuguesa e em língua japonesa38 e quando esta estiver terminada prosse-guir-se-á com um Calepim (NT8) em português e em japonês39para que os japoneses possam aprender Latim e nós, os da Europa, japonês. Iremos também imprimir em caracteres japoneses o Guia de peccadores de Frei Luis de Granada, que está agora a ser traduzido, etc40.

Embora os seus alunos japoneses tenham feito um progresso muito rápido na arte da impressão tanto com os tipos nativos como com os tipos europeus parece que a tipografia continuou a ser supervisionada pelos padres europeus durante muitos anos. De qualquer forma os catálogos missionários de 1606--1607 informam-nos que o superintendente da Tipografia era então o Padre Nicolao de Ávila e o impressor o Padre João Baptista. É também feita menção a um japonês, irmão Nixi (Nishi) Romão, que se ocupava da tradução para japonês de um livro de sermões, provavelmente com vista à sua impressão em vernáculo41. Só nos últimos anos de existência desta tipografia aparece o nome do impressor japonês na página de rosto. Este era o Goto Soin, cujo nome cristão era Tomé e de quem se sabe ter estado intimamente associado à tipografia durante muito tempo. Aparentemente não era padre ou irmão leigo mas era certamente um devotado neófito. O seu nome aparece na página de rosto do Fides no Quio ("Livro da fé"), impresso em Nagasaki em 1611, que deve ter sido um dos últimos livros ali produzidos antes de estalar a tempestade de perseguições em 1614, altura em que a Tipografia Jesuíta foi destruída ou levada para Macau. É também um dos poucos livros que não foram registados por Sir Ernest Satow42. O nome de outro impressor é-nos dado pela página de rosto do Contemptus Mundi impresso em Kyoto (Miaco) por um Antonio Harada (Harada Anthonili) em 1610.

Reprodução da prensa tipográfica introduzida no Japão por Valigano, no Museu de Kawaura, Amakusa, onde existiu o colégio e seminário dos jesuítas no século XVI.

A influência exercida por estes trabalhos na língua e cultura japonesas foi considerável e teria sido ainda maior se não fosse a proibição do Cristianismo e a extinção da tipografia em 1614. Embora muito naturalmente a maioria dos trabalhos fossem obras de caracter religioso ou devoto, a produ cão da Tipografia Jesuíta inclui no entanto uma versão de Heike Monogatari, uma edição das Fábulas de Esopo e por fim, mas não menos importante, as magníficas gramáticas e dicionários luso-japoneses do Padre João Rodrigues. Estas obras constituíram a primeira (e durante muito tempo a única) tentativa de estudo científico da língua japonesa, e foram a base dos primeiros trabalhos gramaticais euro-ja-poneses publicados em meados do século dezanove43.

Pode-se obter uma ideia da influência exercida pela língua portuguesa — e em menor grau pelo Latim — no vocabulário japonês desse tempo, através do estudo dos numerosos vocábulos e frases transliteradas para japonês romaji (NT9), nesses trabalhos. Encontram-se listas dessas palavras nos trabalhos de Satow, Shim-mura, Doi e outros estudiosos, pelo que não é necessário reproduzi-las aqui44. Naturalmente a grande maioria eram termos e frases de caracter teológico ou eclesiástico sem equivalentes em japonês, mas para além destes podem encontrar-se palavras de utilização secular e o seu número teria aumentado anualmente, por efeito destas publicações dos jesuítas, se não tivesse sido extinta a tipografia. É necessário não esquecer que no Japão, tal e qual como na Europa contemporânea, os livros eram coisas raras e caras, e os trabalhos publicados pela Imprensa Jesuíta não concorriam com a avalanche de literatura popular com que as produções missionárias dos nossos dias têm que se bater. Os trabalhos e panfletos mais populares tinham também uma grande circulação em manuscrito. É contudo inútil especular quanto ao que poderia ter acontecido e antes de concluir esta secção deverá fazer-se menção rápida à arte da gravura em cobre, introduzida pelos padres jesuítas e inicialmente praticada pelos acólitos japoneses. O padre Francisco Passio, na sua carta de 1594 atrás citada, afirma que alguns dos alunos tinham feito grandes progressos na pintura tanto com têmpera como com óleos e na gravação de cobre, copiando os quadros e gravuras que tinham sido trazidos de Roma pelos embaixadores. Não há dúvida que eles foram também os responsáveis pela execução das chapas para as páginas de rosto dos trabalhos da Tipografia da Missão Jesuíta. Exemplares destas chapas de cobre são extremamente raras mas há duas reproduzidas na obra do Dr. T. Nagayama muito frequentemente citada, Kririshitan Shiryo-shu ou Colecção de Materiais Históricos relacionados com a Religião Católica no Japão, publicada em Nagasaki em 1924. Supõe-se que estas chapas foram executadas no Seminário Jesuíta de Ariye em Kyushu, e são meramente cópias de originais italianos e espanhóis. Esta arte esteve provavelmente limitada a assuntos religiosos e eclesiásticos, durante a sua breve existência. De qualquer modo extinguiu-se no banho de sangue que virtualmente extirpou o Cristianismo nos anos 1614-1640 e só cerca de cento e cinquenta anos mais tarde foi ressuscitada, ou antes reintroduzida, pelo artista de Yedo, Shiba Kokan, por influência dos holandeses.

Página de rosto do F ides no quio (Livro da Fé), impresso por Goto Soin, Nagasáqui, 1611.

MEDICINA E CIRURGIA

Qualquer que seja a opinião que se tenha acerca do esforço missionário dos jesuítas no Japão, ade-quado ou não, há seguramente duas opiniões quanto à honra que lhes é devida pelas suas nobres actividades na esfera da ciência médica e cirúrgica. É verdade que, julgado pelos modernos padrões, o conhecimento de medicina dos médicos e cirurgiões europeus do século dezasseis deixava muito a desejar. Contudo, bárbaro sem dúvida em muitos aspectos, era de facto superior aos métodos sino-japoneses ainda muito pouco refinados, praticados no Japão Ashikaga.

Desde os primeiros anos desta missão, os jesuítas distinguiram-se como médicos ou cirurgiões amadores, mas foi só depois da fundação do seu famoso hospital de Oita em Bungo que a cura dos corpos passou a ser uma actividade regular, em paralelo com a cura das almas. O espírito orientador deste estabelecimento foi o padre jesuíta Luís de Almeida que, aparentemente, era pessoa de não escassos recursos científicos além de ser um homem de rara energia e tacto. Este hospital parece ter sido guarnecido desde o princípio, principalmente com cirurgiões e médicos japoneses e quando Almeida se afastou da sua supervisão, em 1561, devido à pressão de outra actividade, sucedeu-lhe um japonês como director. O infanticídio era no Japão desses tempos uma prática generalizada devido às miseráveis condições sociais existentes como resultado das guerras civis constantes e este hospital parece ter sido fundado, em parte, para acolher e cuidar das crianças desamparadas abandonadas pelos pais. Os jesuítas distinguiram-se também pela sua caridade no tratamento dos doentes leprosos e siflíticos, duas classes que eram olhadas com repugnância e desprezo pela maioria dos seus compatriotas. Este hospital parece ter sido o primeiro do seu género a ser erigido no Japão e não é de admirar que os doentes de todo o país a ele afluíssem, mesmo do distante Norte. Já no Verão de 1559, escassos dois anos depois da sua fundação, havia ali sessenta pacientes gravemente doentes, além de outros cento e quarenta que tinham sido curados de doenças internas ou externas. A organização de Almeida parece ter sido notavelmente eficiente e o hospital dispunha de um dispensário ou farmácia bem fornecida, além de outras coisas45.

Miniatura do primeiro hospital fundado no Japão, por Luís de Almeida S. J., em Oita.

Este hospital parece ter sido destruído ou abandonado em 1586, provavelmente como consequência da invasão de Bungo, nesse ano, por Shimazu de Satsuma, mas a tradição de tratamento dos enfermos, do padre Almeida, foi continuada pelos seus alunos japoneses e por outros jesuítas portugueses, dos quais os padres Duarte da Silva e Ayres Sanches são os mais famosos. Os ensinamentos de Almeida e dos seus companheiros de religião deu origem a uma escola nativa de medicina cirúrgica conhecida por Namban-ryu ou "Escola dos Bárbaros do Sul". Pouco se conhece desta escola mas sabe-se que continuou existindo pelo menos até meados do século dezanove, embora não pudesse ombrear com as posteriores escolas nativas sino-japonesas ou com a Escola Holandesa de cirurgia que alcançou uma aceitação considerável no último quartel do século dezoito devido à tradução de obras de medicina holandesas, por Sugita Gempaku, Katsuragawa Hoshu e outros46. Em Nagasaki e noutros locais em Kyushu, ensinava-se também um certo tipo de cirurgia portuguesa que parece ter sobrevivido em vários lugares de modo vagamente tradicional. O nome mais conhecido relacionado com a Namban-ryu e os seus ramos é o do jesuíta provincial apóstata Padre Cristóvão Ferreira, que em 1633 sob tortura no "fosso" renegou a sua fé, tendo-se naturalizado japonês sob o nome de Sawano Chuan. É-lhe atribuído um trabalho com o título Nambam Gekasho ou "Cirurgia dos Bárbaros do Sul" tendo tido vários alunos entre os intérpretes e cidadãos de Nagasaki, dos quais Handa Junan, Nishi Gempo e Sugimoto Chukei eram os mais conhecidos. Contudo, parece que estas escolas locais de Nagasaki depressa foram influenciadas pelos holandeses de quem os posteriores "médicos" das famílias Nishi e Narabayashi parece terem adquirido os seus algo modestos conhecimentos da medicina e cirurgia europeias47.

ASTRONOMIA

Não é necessário mais do que uma breve menção a este assunto. Sabe-se que uma das coisas que mais impressionou os japoneses acerca de S. Francisco de Xavier foi o seu conhecimento de Astronomia que consideravam com grande respeito. Existem algumas referências dispersas acerca de cartas e globos astronómicos importados para o Japão pelos portugueses e sem dúvida os jesuítas divulgaram um conhecimento rudimentar do assunto, pelo menos a alguns dos seus alunos japoneses. Ao já mencionado apóstata jesuíta Cristóvão Ferreira (Sawano Chuan)48 são atribuídos dois ou três tratados de Astronomia, contendo a explicação pormenorizada dos princípios da astronomia europeia. O mais extenso foi elaborado por Chun sendo-lhe dado forma escrita por um dos intérpretes de Nagasaki da família Nishi. Dez anos depois, um astrónomo japonês de nome Mukai publicou uma refutação dos trabalhos de Ferreira.

Curiosamente, a influência dos portugueses, ou mais propriamente dos jesuítas, na ciência astronómica dos japoneses, tornou-se muito mais forte depois da expulsão dos lusitanos do Japão e da extinção das missões católicas, do que tinha sido antes. Assim aconteceu porque, por esta altura, a capacidade científica dos missionários jesuítas no vizinho "Reino do Meio" tinha atraído favoravelmente a atenção da Corte de Pequim onde tanto os últimos monarcas Ming como os primeiros Manchus concederam o seu patrocínio a jesuítas eruditos como Ricci e Schall. Neste período foram traduzidas e publicadas em chinês muitas obras científicas europeias e não poucas delas foram parar ao Japão apesar da literatura científica sino-jesuíta ter sido proibida pelo Bakufu (NT10) em 1630. Depois do cancelamento parcial deste decreto pelo Shogun Yoshimune, em 1719, tornou-se possível a livre importação destes livros e através deles os astrónomos nativos tomaram conhecimento dos trabalhos de cientistas europeus como Leibnitz e Newton. Na realidade, os conhecimentos obtidos nestas fontes jesuítas permitiram aos astrónomos japoneses do século dezoito alcançar uma capacidade técnica e profissional que já era suficientemente notável antes do grande ímpeto dado à ciência astronómica pela tradução do trabalho de Lalande, no fim do século dezoito.

ARTES MILITARES

Só se faz uma referência de passagem porque este assunto foi por mim exaustivamente tratado noutro trabalho e não tenho nada a acrescentar ao que então escrevi49. Basta dizer que os portugueses foram os responsáveis pela introdução no Japão de armas de fogo e canhões, rapidamente adoptadas pelos japoneses. Para todos os efeitos a influência portuguesa nesta área limitou-se a estas inovações já que nem no campo das tácticas nem do da engenharia divulgaram ou deixaram traços discerníveis.

COSTUMES SOCIAIS

A influência exercida pelos portugueses no Japão, nos costumes, vestuário e língua do povo com quem entraram em contacto foi notável, face ao breve espaço de tempo durante o qual se exerceu e ao relativamente pequeno número de lusitanos que visitaram ou temporariamente residiram no país. Naturalmente esta influência foi mais forte na província de Kyushu, e sobretudo em Nagasaki e nos seus arredores, onde não poucos portugueses tinham casado com japonesas e se tinham instalado definitivamente. Contudo, não se limitou a estas localidades, alcançando uma popularidade muito mais alargada embora menos duradoura até nos círculos da Corte de Kyoto.

Muito naturalmente também, um dos meios mais efectivos de propagação da cultura portuguesa e consequentemente também europeia — foram as escolas fundadas pelos jesuítas para treino e educação dos seus neófitos, que anualmente davam saída a um grande número de "diplomados" impregnados de conceitos e perspectivas europeias e cuja influência nos seus compatriotas não pode ter sido negli-gível. O extracto da carta do Vice-Provincial Francisco Passio, de 16 de Setembro de 1594, que já foi citada em relação a outro assunto, dá-nos uma boa ideia da competência alcançada por estes estudantes e da atmosfera existente nestas escolas: Este ano houve no Seminário cerca de cem alunos divididos por três classes de latim, escrita e conversação; escrita japonesa e latina; canto e execução de instrumentos musicais. Os da classe referida em primeiro lugar já são capazes de redigir e recitar em latim, lendo algumas lições de modo perfeito e sendo também capazes de alguns diálogos. Este ano acabarão a sua aprendizagem vinte estudantes... nem deixam de assistir ou redigir uma lição de retórica todos os dias. Os pintores e gravadores em chapa de cobre tornam-se dia a dia mais hábeis e os seus trabalhos pouco inferiores aos que foram trazidos de Roma50.

Para além da influência puramente cultural que estes estudantes ensinados pelos jesuítas forçosamente disseminaram, o interesse despertado pelos usos e costumes europeus teve uma adesão mais popular. Em nenhum caso esta influência se exerceu mais notavelmente do que na esfera do vestuário. Nos Namban-byobu do período Keicho da autoria de Kano Yeitoku e outros artistas já referidos, podem ver-se japoneses vestidos com indumentárias europeias mais ou menos modificadas. Nalguns casos o hakama ou saia dividida é substituída pelas calças--balão à prova de mosquitos, no estilo zuavo, elemento muito característico do traje indo-português desse perí-odo. Noutros casos podem ver-se japoneses com golas de folhos ou com rosários ao pescoço e grandes lenços usados à maneira dos fidalgos portugueses figurados no mesmo biombo. No vestuário dos japoneses podem também detectar-se padrões indo-europeus ou sino-europeus. Esta influência no campo do vestuário não se limitou de modo algum ao pequeno, embora influente, grupo de nativos convertidos, como prova amplamente o extracto da carta do Padre Francisco Passio, de Setembro de 1594, já antes citada e que, vale a pena referir de passagem, é contemporânea dos primeiros e melhores Namban-byobu produzidos pelos mestres da escola Kano:

Quambacudono (i. é. o Kwampaku ou Regente Toyotomi Hideyoshi) tornou-se tão apreciador do vestuário e trajes portugueses que ele e os seus secretários frequentemente os usam, tal como fazem todos os outros Senhores do Japão, mesmo os pagãos, com rosários de madeira ao peito, sobre a roupa e com um crucifixo de lado ou pendente da cintura e por vezes até com lenços na mão; alguns deles são tão curiosos que aprendem de cor as litanias do Padre Nosso e Avé Maria e vão pela rua recitando-as, não por zombaria ou escárneo dos cristãos, mas por simples cortesia ou porque pensam que é bom para os ajudar a alcançar a prosperidade nas coisas terrenas. Por isso encomendam pendentes de forma oval contendo imagens de Nosso Senhor e Nossa Senhora, pintadas sobre vidro com grande despesa, etc.51

Páginas do manual de instrução de tiro "Trinta e duas posições de pontaria", da Escola de Tiro de Inatomi (1595). Cada gravura do manual incorpora legendas com as instruções técnicas e traçados com os ângulos de mira. O atirador aparece sempre desnudado para melhor demonstrar as correctas posições físicas a observar (Museu de Arte Nanban, Osaka).

Sem dúvida esta moda do vestuário português, na Corte do caprichoso Taiko, foi passageira e dificilmente poderia ter sobrevivido ao decreto anti-cristão de Hideyoshi promulgado três anos mais tarde, mas mos-tra quão extensa foi a influência portuguesa e o estímulo que recebeu depois do regresso de Roma de Valignani e dos Embaixadores de Kyushu, em 1590. Outro indício da sua duração são as chancelas romaji usadas por muitos dos daimyo(s) cristãos e pelosseus secretários, pelo menos até ao período Kwanyei (1624--1643), mas como já tratei este assunto no volume XXXII, páginas 113-117 (NT11) não é necessário a ele voltar agora em detalhe. A ilustração que se inclui, corresponde à chancela romaji usada por um samurai de nome Hitomi Sensaiue Munetsugu e foi reproduzida de um tratado de domesticação de cavalos por ele escrito, em Keicho XVIII (1613), do qual possuo uma parte na minha colecção. Outras partes do mesmo tratado encontram-se na posse do Professor Katsumata da Universidade Waseda e de um coleccionador na Prefeitura de Akita. A chancela é em vermelho cinabre e pode ver-se que contém em caracteres romanos a palavra S. Tiago, abreviatura habitual de São Tiago ou Santiago, santo patrono hispano-português em tempo de guerra. É interessante relembrar que tanto as tropas de Otomo Sorin como as do ronin (NT12) cristão, no recontro no Castelo de Osaka em 1615, tinham inscrito nos elmos e nos estandartes o nome do Santo bem como os de Jesus e Maria, tendo sido este também o grito de guerra dos rebeldes de Shimabara em 1637-163852. Nada se sabe de Hitomi Munetsugu para além do facto de ter sido o autor deste tratado de domesticação de cavalos que alguns estudiosos japoneses pensam ter sido traduzido de um original português. Hitomi era sem dúvida um samurai cristão e talvez tenha sido um dos defensores de Osaka em 1615. De qualquer modo esta chancela tem um interesse especial, por ser de uma data pouco anterior à proibição do cristianismo em 1614 e deverá ter sido uma das últimas a serem usadas. As poucas que sobreviveram de período posterior, como as do clã Hosokawa, não tinham significado religioso e continham somente o nome do seu utilizador sob a forma romaji. A mais antiga destas chancelas que se conhece data de 1556 e a última de 1642; o seu período de utilização correspondeu portanto, praticamente, à totalidade do período da influência portuguesa no Japão.

Esta questão das chancelas romaji conduz-nos a outro aspecto interessante da influência portuguesa no Japão, que foi na área da linguística. É bem conhecido que nessa altura o português era a língua-franca comercial no Extremo Oriente, ocupando o lugar que o inglês e o malaio ocupam, hoje em dia nessa região. Por isso no princípio do século dezassete, todos os navios holandeses e ingleses que partiam da Europa para o Oriente levavam a bordo um português professor da língua e o conhecimento desta era um pré--requisito para qualquer comerciante que fosse para aquelas paragens. Os primeiros holandeses e ingleses que chegaram ao Japão faziam o seu negócio com os japoneses, em português, e esta língua só foi substituía pelo holandês algum tempo depois dos holandeses terem sido deslocados de Hirado para Deshima em 164153. O português é uma língua relativamente fácil de aprender e as suas vogais de fácil adaptação ou imitação pelos japoneses. Observadores tão distanciados no tempo como o Padre João Rodrigues (1600) e B. H. Chamberlain (1808) evidenciaram a semelhança em muitos aspectos entre o português e o japonês. Não é pois surpreendente que o conhecimento da língua portuguesa estivesse largamente espalhado em Kyushu, especialmente quando se considera o número de portugueses que se instalaram em Nagasaki e o fluxo de hábeis intérpretes que saíam das escolas jesuítas nesta região.

Houve na realidade um grande número de palavras portuguesas que passaram a ser utilizadas em japonês; na sua maioria vocábulos de utilização doméstica, exceptuando os termos de caracter teológico ou religioso a que já se fez referência, alguns dos quais originários do latim. O extracto da carta do Padre Passio já atrás citada mostra-nos que muitas frases eram aprendidas de cor para reproduzir como os papagaios, sendo isto confirmado por um filólogo japonês contemporâneo que observa que era moda (que ele detestava) as pessoas de certo nível misturarem no seu discurso palavras e frases em português, de certo modo como faz a moderna "intelligentsia" japonesa que frequentemente prefere os termos ingleses ao vernáculo como Sunday em vez de Nichyobi e outras substituições do mesmo género54. Claro que muitas destas palavras portuguesas caíram em desuso ou foram substituídas por termos ingleses, mas um bom número delas ainda sobrevive atestando o que deve ter sido a sua plenitude em certa altura. Como seria de esperar, a utilização destas palavras estava principalmente limitada a Kyushu, em geral, e a Nagasaki, em particular, onde a influência portuguesa foi mais intensa e duradoura. Estudiosos japoneses compilaram listas dessas palavras, estando esses trabalhos publicados e acessíveis aos in-teressados. Bastará aqui citar algumas das mais típicas.

Tabako, tabaco; kappa, capa; rasha, raxa; botan, botão; pan, pão; kasutera, castelha; karumeru ou karumeira, caramelo; kompeito, confeito; karuta, carta (de jogar); biidoro, vidro; etc. Estas palavras estão todas ainda em uso mas há outras de caracter mais técnico que agora são obsoletas55. É o caso de kareuta, galeota e kunishimento, conhecimento (com o sentido de título de dívida ou recibo).

É de referir de passagem que esta influência não foi unidireccional, porque o vocabulário português também foi enriquecido com algumas palavras de origem japonesa, tal como o foram também os dialectos indo--portugueses utilizados em Macau, Malaca e Goa. Basta mencionar três exemplos: "catanada", faca longa de lâmina larga ou espécie de espada que derivou do japonês katana e da qual surgiu "catana" significando "acção ou golpe com espada"; "nanguinate" ou "manginata" do japonês aginata significando uma alabarda ou meia lança. "Biombo" (ou "beobie" no dialecto de Macau do século dezassete) que resultou obviamente de byobu em japonês.

ECONOMIA

Não mais do que uma alusão breve quanto a este aspecto da influência portuguesa porquanto o assunto já foi tratado mais do que uma vez pelo presente autor56. Bastará referir que os portugueses foram responsáveis pela introdução no Japão de muitos exemplares exóticos da fauna e da flora, como por exemplo a figueira e o tabaco, tendo esta última sido plantada pela primeira vez em Sakakibara, perto de Nagasaki. Os cavalos árabes e persas levados para o Japão como presentes para Hideyoshi e para os seus sucessores merecem também referência embora não pareça que tenham servido para melhorar significativamente as raças nativas.

A posição singular ocupada pelos portugueses durante mais de meio século, como únicos importadores autorizados de mercadorias estrangeiras (os chineses estiveram oficialmente proibidos de comerciar com o Japão até depois da queda da dinastia Ming) teve naturalmente um grande efeito sobre a estrutura económica japonesa desse tempo. Vimos já que os mercadores japoneses que se aventuraram até à Indochina e outros lugares, deviam largamente o seu progresso ao exemplo dos portugueses e aos conhecimentos técnicos e náuticos que estes lhes transmitiram. Durante este período a organização do comércio exterior do Japão foi por eles largamente influenciada e a chegada anual a Nagasaki da Nau do Trato vinda de Macau, foi durante muito tempo o acontecimento mais importante deste comércio. Muitas das principais organizações e magnates do comércio devem a origem do seu sucesso económico ao comércio com os portugueses, como por exemplo a família Sumitomo cuja fortuna teve origem num dos membros do clã a quem foi ensinado pelos portugueses, em Sakai, a arte de refinação do cobre. Os nomes de Ito Kozayemon e Suetsugu Sotoku, de grande proeminência na história sócio-económica do Japão do fim do século dezassete, estão também ligados ao comércio luso-japonês, pois estes príncipes mercadores construíram as suas fortunas a partir dos seus investimentos neste comércio57. A influência portuguesa na estrutura económica desse tempo — sobretudo no sul da província de Kyushu — é notavelmente testemunhada pelos títulos de "respondência" relativos ao empréstimo de grandes somas de dinheiro pelos japoneses, com o qual os portugueses financiavam as suas operações no exterior. Este assunto foi tratado pelo presente autor, no volume XXXI de Transactions and Proceedings of the Japan Society ofLondon; a leitura atenta deste artigo mostrará o nível atingido por estas transações financeiras e a sua íntima ligação às condições gerais do comércio no Japão.

CONCLUSÃO

Tem sido frequentemente sugerido por alguns historiadores que a influência portuguesa no Japão foi inteiramente negativa e transitória e que, depois da extirpação do Cristianismo, em que correram rios de sangue do movimentado "Século Cristão", não ficou nenhum vestígio permanente a não ser algumas palavras de origem lusitana no dialecto de Nagasaki e a introdução do tabaco. O leitor que tenha tido a paciência de ler este ensaio até aqui, concluirá que esta opinião radical necessita uma modificação considerável, embora se tenha de concordar que a política reaccionária do segundo e terceiro Shoguns Tokugawa conseguiu eliminar, juntamente com o Cristianismo Católico Romano, os resultados mais úteis de influência portuguesa como a imprensa, a construção naval e navegação de alto mar, a pintura a óleo e a gravura em cobre, e por último mas não menos importante, a introdução de um eficaz sistema romaji que os jesuítas chefiados pelo Padre João Rodrigues estavam bem a caminho de popularizar.

Mesmo que se admita que o resultado do breve século de intercâmbio luso-japonês foi negativo na sua maior parte, e que recusemos entregar-nos a interessantes mas vãs especulações sobre o que teria sido a civilização do Japão se esse intercâmbio não tivesse sido tão violentamente interrompido, há no entanto outro aspecto desse intercâmbio que origina algumas considerações sobre as quais não será completamente inútil determo-nos por um momento.

Chegada da "nau do trato" e cortejo do Capitão-Mor em Nagasáqui. Um biombo típico da escola de Kano (século XVII). Museu de Arte Nanban de Osaka).

Observadores superficiais e mesmo outros que deveriam estar melhor qualificados para emitir uma opinião, frequentemente exprimem o seu espanto pela ascenção sem precedentes do Japão, de uma posição de estado feudal intratável para o de Grande Potência, durante o período Meiji. Esta façanha é realmente digna de nota e suficientemente extraordinária em qualquer dos seus aspectos mas não é tão completamente sem par como comumente é afirmado. O leitor deste ensaio talvez concorde que o autor não faz uma alegação exagerada quando afirma que um precedente para a vaga de europeização que varreu o país durante os primeiros anos do período Meiji pode encontrar-se na entusiástica recepção concedida tanto aos missionários jesuítas como aos mercadores portugueses do século dezassete. É verdade que o grau de ocidentalização alcançado durante o período Meiji foi muito maior do que o originado pelo breve intercâmbio lusitano, mas a aparente disparidade entre estes dois efeitos pode ser grandemente reduzida se forem tomadas em consideração as diferenças no tempo e no espaço. Nos primeiros anos do período Meiji o Japão abriu-se ao comércio, cultura e influência dos povos de todo o Mundo Ocidental e América sendo tanto as mercadorias como as ideias importadas em navios relativamente rápidos através de vários dos seus portos. Em contraste, no século dezasseis, a influência estrangeira estava virtualmente limitada ao que podia ser levado a bordo da nau ou carraca que anualmente largava de Macau, nas quais cartas, mercadorias ou notícias da Europa tinham pelo menos um ano e meio a dois anos. Nos últimos anos, quando o âmbito da influência estrangeira se alargou através da concorrência de espanhóis, holandeses e ingleses rivalizando com os portugueses, e através da expansão japonesa na Indochina e nos Mares do Sul, de pressa foi sustada, se bem que artificialmente, devido à política dos shoguns Tokugawa, progressivamente mais reaccionária. Julga-se, contudo, que neste artigo se referiram factos suficientes para provar a qualquer pessoa de espírito imparcial, que a influência exercida pelos portugueses no Japão foi muito maior do que se poderia imaginar quando se considera o seu carácter algo ténue e intermitente. Esta influência penetrou todos os sectores da sociedade japonesa e todos os aspectos da sua cultura58. Foi calorosamente acolhida pelos próprios japoneses, encorajada por Nobunaga e durante algum tempo por Hideyoshi e finalmente suprimida pelo déspota Tokugawa devido ao receio que a religião tivesse efeitos perniciosos sobre a organização e coesão nacionais. Mas o incontestável — se bem que consideravelmente efémero — sucesso que alcançou com tão escassos meios e em tão poucos anos oferece-nos a prova convincente de que na generalidade o japonês não é anti-estrangeiro por natureza e não tem aversão instintiva à cultura e tradições estrangeiras; pelo contrário prova que (se for superiormente autorizado) está pronto a dar-lhes bom acolhimento ou pelo menos a experimentá-las.

Tomando um exemplo concreto: a ascensão fenomenal do Japão passando da situação de país sem qualquer navio de alto mar para o de detentor de uma das maiores e mais eficientes marinhas mercantes de todo o mundo, tem sido causa de espanto para muitos escritores, tanto mais que durante os primeiros tempos do período Meiji foi frequentemente prognosticado que os japoneses nunca seriam capazes de alcançar a necessária capacidade técnica para conduzir navios oceânicos e nunca poderiam vir a dispensar os pilotos e comandantes estrangeiros. Um pouco de conhecimento de História teria mostrado a esses "sábios" que seria preferível "poupar o fôlego para arrefecer a sua sopa". No início do período Keicho o Bakufu promulgou uma lei proibindo todas as embarcações japonesas de navegar para lugares afastados, como Filipinas ou a Indochina, sem terem a bordo um piloto português, e consequentemente todos os Goshuinsen ou navios com licença, tinham embarcados esses pilotos ou comandantes, tal como aconteceu com os navios a vapor japoneses nos primeiros tempos do período Meiji. Mas os marinheiros japoneses depressa fizeram tal progresso na arte da ciência náutica ocidental, como se evidenciou nos exemplos aduzidos nas páginas deste ensaio, que rapidamente a lei se tomou desnecessária59. Exemplo semelhante se pode citar relativamente à construção naval até que os drásticos editais de Iemitsu acabaram com estas e outras actividades semelhantes.

Outro indício para os acontecimentos do presente que se pode encontrar no passado diz respeito à expansão japonesa além-mar. Este problema é normalmente considerado de origem muito recente e atribuído somente à pressão do excesso de população que em tempos recentes se tomou tão assinalável. Em apoio a esta teoria argumenta-se normalmente que os japoneses não mostravam desejo de expansão além-mar exceptuando as incursões para pilhagem, na costa da China, por bandos de piratas durante a Dinastia Ming, ou a invasão da Coreia por Hideyoshi. O estudo cuidadoso deste período revela que há outro aspecto da questão. Na segunda década do século dezassete os japoneses tinham um comércio com a lndochina e mares do Sul, bem organizado e em expansão, para além de um número crescente de ronin(s) e outros aventureiros que procuravam fazer fortuna como mercenários no Sião. A fixação de japoneses em Davao, nas Filipinas, nos tempos moder nos, teve como antecedente a florescente colónia japonesa em Manila do princípio do século dezassete. As actividades dos comerciantes e aventureiros japoneses na Malásia do presente, tiveram o seu equivalente nos ronin(s) e mercenários que por vezes causaram não pouca ansiedade aos portugueses de Malaca e aos holandeses de Batávia60. A este respeito podemos frisar que a comparação entre o período 1542-1600 e os primeiros anos do período Meiji é particularmente válida porque o ambiente geral e condições existentes do Japão tiveram sob alguns aspectos um paralelismo surpreendente. Depois de adoptarem a civilização chinesa durante o período Nara, os japoneses estiveram demasiado ocupados absorvendo e adaptando esta civilização e o budismo para se preocuparem com a expansão além-mar, mesmo que tal tivesse sido necessário ou desejável, o que não era, quando tinham tão perto um vizinho tão poderoso e satisfatório como a China. Desde os tempos de Yoritomo até ao fim do período Ashikaga, o Japão foi dilacerado — com poucos e breves intervalos — por guerras civis, enquanto que desde o início do shogunato Tokugawa até à chegada de Perry esteve artificialmente isolado e impedido de contactos próximos com o mundo exterior, a não ser através dos holandeses e chineses de Nagasaki. Por isso, os únicos dois períodos em que o Japão teve tanta disponibilidade como oportunidade para um intercâmbio relativamente livre com a cultura estrangeira e com o mundo exterior, para além da China, foi de 1542 a 1616 e novamente de 1853 em diante. Em qualquer dos casos as reacções foram notavelmente semelhantes mas se alguma diferença houve, poderá dizer-se que no período português estas foram mais favoráveis porque não houve movimento jói (Expulsar os Bárbaros) e pelo contrário, os estrangeiros com as suas mercadorias, artes e ciências, foram calorosamente recebidos. Embora inútil, seria interessante discutir qual teria sido a evolução depois de 1635, se o intercâmbio com o Ocidente tivesse continuado sem limitações; face aos cinquenta anos antecedentes e ao curso dos acontecimentos durante o período Meiji, parece altamente provável que o Japão tivesse adoptado ou adaptado as artes e ciências ocidentais às suas necessidades, sem sacrificar qualquer das características da sua civilização e sem se tomar num Estado Católico Romano como tantos (incluindo a burocracia Tokugawa) parece terem imaginado. Como se teria alterado o curso da história nessas condições não temos a pretensão de ser capazes de afirmar; mas se por acaso o Comodoro Perry e os que o acompanharam em 1853 para "abrir o Japão" tivessem estudado bem a história do "Século Cristão" talvez tivessem hesitado. Fazendo-o foram responsáveis pelo acordar do mais formidável concorrente político, militar e comercial que a civilização ocidental jamais teve que enfrentar.

(Texto publicado com autorização do Autor e do Centro de Estudos Marítimos de Macau. Respeitou-se a tradução para Português, com as respectivas notas, do Almirante José Manuel Teles Pereira Germano).

NOTAS DO TRADUTOR

NT1 —Literalmente "grande nome". Senhor feudal com jurisdição sobre um território de dimensões consideráveis.

NT2 — Arquipélago Riu Quiu. Arquipélago de pequenas ilhas que se estende em arco entre Taiwan (Formosa) e o arquipélago do Japão.

NT3 — Instrumentos musicais. Samisen — espécie de guitarra com três cordas; Koto — espécie de harpa.

NTA — Nobres civis da Corte Imperial.

NT5—Regente.

NT6 — Utensílios para a cerimónia do chá.

NT7 — Grande casa onde residia o daimyo.

NT8 — Dicionário. De Ambrósio Calepino em Itália que fez um dicionário de Latim do século XVI.

NT9 — Romanizado.

NT10 — Governo militar do Japão (1603-1867).

NT11 — The Transactions and Proceedings of the Japan Society of London.

NT12 — Samurai independente. Soldado de fortuna. Aventureiro.

NOTAS DO AUTOR

1 Além dos bem conhecidos trabalhos de Brinkley, Murdoch, Nachod e outros, em que as primeiras relações do Japão com o estrangeiro são tratadas de passagem, existem descrições mais detalhadas dos seus vários aspectos, nas seguintes obras: — I. Shimura, Namban-Koki e Zoku-Namban-Koki, Tokyo, 1925; T. Nagayama, Krishitan Shiryo-shu, Nagasaki, 1924; D. Sehilling, Das Schulwesen der Jesuiten in Japan (1551-1614), Munster, 1931. Vários artigos de Okatomo Yoshitomo (Ryochi) em revistas japonesas da história, 1930-1935, e do presente autor em Transactions of the Asiatic Society of Japan em Transactions of the Japan Society, 1928-1935, Passim.

2 Comentários do grande Afonso Dalboquerque, Capitam Geral que foy das Indias Orientais, parte III, capítulo XVIII Lisboa, 1576.

3 I. e. Ryuku ou ilhas Luchu. Para uma completa discussão sobre as origens destes Gores ver os artigos de Akivama, Gores wa Ryuku jin de aru, e Gores naru meishó no hassei to sono rekishiteki hatten, no vol. 39 do Shigaku Zasshi e artigos subsequentes sobre o mesmo assunto pelo presente autor e Y. Okatomo em Shigaku Zasshi e Rekishi-chiri.

4 Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto, Lisboa, 1614.

5 Diogo do Couto, Década Quinta da Ásia, Lisboa, 1612. O relatório sobre o Japão consta no livro VIII, cap. XII, fólios 183 a 186. Couto foi um historiador excepcíonalmente cuídadoso e digno de confiança. Nasceu em Lisboa em 1542 (ano da descoberta do Japão pelos portugueses) e viveu na índia de 1559a1569 e novamente de 1571 até à sua morte em Goa, em 1616. Se alguém esteve em situação de conhecer os factos, ele foi um deles.

6 Provavelmente um erro de interpretação de Nippon-jin que significa japonês.

7 Volume XXVI, Transactions and Proceedings ofthe JapanSociety of Londo, The Affair ofthe Madre de Deus, páginas 20, 23 e 29.

8 Carta com data de 31-XII-1603 impressa na totalidade nas páginas 125 a 128 d o Archivo Portuguez-Oriental, fascículo I, parte 2ª, Cartas da Câmara de Goa a SuaMagestade, Nova Goa, 1876.

9 Na mesma fonte, páginas 157-158. Ver o papel decisivo desempenhado pela colónia japonesa de Manila, auxiliando os espanhóis a dominar a revolta, conforme relatado em Labor Evangélica de Colin-Pastels, vol. II, páginas 413 a 441.

10 F. C. Wieder, De Reis van Mahu en De Corders, Lin. Ver vols. 21 a 24, Hague, 1923-1925. Acerca da discussão relativa a estes mapas e sua atribuição ao Liefde, ver também N. W. Van Nouhuys, Zeekarten uit het Schip de Liefde ex-Erasmus in 1958. (Tijds. Ned. Aardrijk, Gen. Dee1 48, 1931).

11 The Image of Erasmus in Japan. Artigo de J. B. Snellen publicado em Trans. As Soc. Japan, 2º série, vol. XI, Tokyo,1935.

12 Sobre as razões desta nomenclatura ver Dahlgren, Les Débuts de la Cartographie du Japon, Upsala, 1911, páginas 41 a 56 e para um certo número de rectificações necessárias a essa nomenclatura ver Cortesão, Cartografia, op. cit., II, páginas 38 a 41.

13 Diogo do Couto, Década XII, livro 5, cap. 2, Paris, 1645. Esta passagem que aparece na descrição de chegada do Liefde feita por Couto, foi traduzida e totalmente anotada por D. Ferguson em Travels of Pedro Teixeira, edição de Hakluyt Society, páginas 1xxvi-1xxxii.

14 Este mapa e os portulanos que se referem a seguir estão reproduzidos (embora deficientemente e em escala muito pequena) e resumidamente descritos nas páginas 115 a 120 de Shuinsen Boeki-shi do Professor Kawajima, Tokyo,1918.

15 Hydrographia. Exame de Pilotos, no qual se contém as regras que todo o Piloto deve guardar em suas navegações, assi no sol, variação dagulha, como no cartear... com os Roteiros de Portugal para a India +Malaca,+c., Lisboa, 1608,1614,1615,1632.

16 Ver o meu artigo, The Affair ofthe Madre de Deus no vol. XXVI de Transactions and Proceedings ofthe Japan Society of London. Este tratado náutico luso-japonês está descrito resumidamente em Kawajima, op. cit., páginas 102 a 114.

17 Mais ainda se for lembrado que não só Will Adams mas também os construtores navais portugueses introduziram melhoramentos nos conceitos japoneses sobre a construção de grandes navios de alto-mar, de que se podem encontrar exemplos no livro do Professor Kawajima, op. cit.

18 H., Ikenaga, Hósaibankwa Daihokwan, dois volumes, com um texto suplementar e descrição por H. Inada, Osaka, 1932. O sr. Ikenaga é um milionário de Kobe e a sua colecção é digna da sua fortuna. Ver especialmente os mapas-biombo reproduzidos no vol. I, estampa 9 e os apêndices 1 e 2, vol. II, estampas 127 a130.

19 Hosaibanhwa, II, estampa 127.

20 C. R. Boxer, Jan Compagnie in Japan, 1600-1860, Hague,1936, páginas 9 a 11.

21 Existe uma forma de arte com alguma semelhança, os chamados biombos "Coromandel", produzidos na China para o mercado europeu durante os séculos dezassete e dezoito, tendo sido incluído um belo exemplar na Exposição de Arte Chinesa em Londres em 1935-1936.

22 Catálogo da Colecção Ikenaga, estampas 4a e b; vol II. Estas vistas das principais capitais europeias foram provavelmente reproduzidas de gravuras existentes no Civitates Orbis Terrarum, Liberprimus, de Braun, publicado em Colónia em 1572, e do qual alguns exemplares foram provavelmente levados para o Japão pela embaixada de Kyushu em 1590. De qualquer modo a vista de Lisboa, tem uma semelhança impressionante com a publicada nos livros, o que salta à vista quando se comparam as duas.

23 Por exemplo, o compilador do catálogo do Museu Guimet, em Paris, onde se encontra este biombo. Um outro muito semelhante faz parte da colecção do Sr. Ikenaga, de Kobe e encontra-se reproduzido na estampa 8 do vol. I deste catálogo, op. cit. O erro do compilador do Catálogo do Museu Guimet induziu em erro um crítico de arte tão eminente como o Dr. José de Figueiredo, que por isso foi responsável pela perpetuação desta fábula na sua descrição deste biombo publicada na História da Literatura Portuguesa Ilustrada, Lisboa, 1929, vol. I, páginas 352 e 353 que, descontando este facto, é excelente.

24 Até aos escravos negros foram distribuídas librés de veludo e correntes douradas.

25 Curiosamente foi num tipo de biombo modificado existente no Museu Guimet e na colecção Ikenaga, que se fez a errada identificação das figuras de S. Francisco de Xavier e Mendez Pinto, como acima foi referido. No caso destes hina-byobu, contudo, não se vêem figuras eclesiásticas ou religiosas, sendo os jesuítas substituídos por vulgares mercadores japoneses e samurais, transformando-se a igreja em estalagem pelo simples expediente de substituição da cruz no telhado pelo emblema budista. Provavelmente são do período Kwanei.

26 Para a descrição detalhada da origem e crescimento de Nagasaki-e ver Jan Compagnie in Japan, do presente autor, Hague, 1936.

27 O mais completo inventário de Namban-byobu é de longe a monumental publicação do Sr. Nagami Tokutaro, de Nagasaki, que ao longo de toda a sua vida estudou estes biombos, intitulado Namban--byobu no kenkyu, Tokyo, Kogeisha, 1930, contendo cerca de sessenta páginas de texto descritivo e 105 estampas. Neste livro todos os biombos de que o Sr. Nagami tinha conhecimento, existentes no Japão, Europa ou América, estão devidamente classificados e identificados, e na sua maioria reproduzidos total ou parcialmente. Alguns exemplares magníficos estão também reproduzidos e resumidamente comentados nos dois volumes da colecção Ikenaga. Para quem não sabe ler Japonês mas consegue entender Alemão ou Português existem dois estudos que a seguir se indicam, embora o primeiro necessite uma revisão considerável face aos estudos do Sr. Nagami J. Dahlmann, S. J., JapansAltesteBeziehungenzumEsten, 1542-1614, Freibug, 1923, e o ensaio do Dr. J. Costa Carneiro, A Iconografia dos Portugueses no Japão no Boletim da Sociedade Luso-Japoneza, Tokyo, 1929. Tanto quanto sei não existe nada escrito em inglês sobre este assunto. Durante três anos de permanência no Japão tive o prazer de frequentemente discutir estes Nambu-byobu com tão eminentes autoridades como os Srs. Nagami, Koda, Chimmura, Okamoto e Ikenaga, além de ter examinado pessoalmente a maioria dos que se conservam no Japão.

28 Rol dos Dogicos que estão nas casas de Japão co outra gentede serviço (1592) no Bitish Museum, Add. Mss. 9860, folha 3. Para outras referências extensas a estes Dojucus cf. P. D. Schilling, O. F. M., Das Schulwesen der Jesuiten in Japan (1551-1614), páginas 73 e 74, Munster, 1931.

29 Por exemplo, Guerreiro, Relaçam Anual, 1603, página 140.

30 Bristish Museum Add. Mss. 9860, folhas 112 e 113. Catálogos de missionários no Japão, datados de 1606 e 1607. Para mais pormenores relativos ao Padre Giovanni Nicolao e os seus alunos japoneses, ver o interessante e valioso ensaio do Padre Schurhammer, S. J., Die Jesuiten missionare des 16. und 17. Jahrkunderts und ihr Einfluss auf die Japanische Malerei, nas páginas 118 a 126 do Jubilaumsband do Deutschen Gesellschaft fur Natur und Vokerkunde Ostasiens, Teil I, Tokyo, 1933.

31 L. Pagés, Histoire de la religion Chrétienne au Japon, I, pág. 302. Pagés nasceu em Higo. A citação que se segue do mesmo trabalho relativa ao ano de 1601, é também relevante: "Quatorze Doyoucous, étudiant la peinture, S'étaiente retirés à Arima pendant la guerre, et vivaient enforme de séminaire, enrichissant de leurs oeuvres les sanctuaires du Japon". É pois evidente que a maior parte das igrejas japonesas tinham sido decoradas pelos nativos que se tinham convertido antes da perseguição de 1614.

32 Cf. Schurhammer, op. cit., página 120.

33 Por exemplo, Catalogue of the Ikenaga Collection, op. cit., T. Nagayama Collection of Materials relating to the Roman Catholic Religion in Japan, Nagasaki 1924; Meiji Izen no Yogwa e Catálogo (ilustrado) da Exposição de Materiais relacionados com o Intercâmbio Estrangeiro, organizada por Asahi Shimbun emOsakaem 1929.

34 Cf. o ensaio do Professor Shimmura Seiyo-gwa denrai no Kigen nas páginas 417a435no seu Namban Koki e o trabalho do Professor Kurosa, op. cit.

35 Na obra já citada do Sr. Nagayama podem encontrar-se reproduções do mais importante destes trabalhos.

36 Sobre Yamada e os seus trabalhos ver os livros dos Professores Shimmura, Kuroda e Nagayama referidos nas notas antecedentes, a introdução do Catálogo da Colecção Ikenaga e o artigo do Padre Schurhammer, op. cit. página 121.

37 E. M. Satow, The Jesuit Mission Press in Japan, 1591-1610 (impresso particularmente, 1888). Competentemente comentado por B. H. Chamberlain em Trans. As. Soc. Jap. de 1989, que também contém outro dos ensaios de Satow sobre a Imprensa Jesuíta, juntamente com a reprodução da Doctrina Christan de 1600. Dos trabalhos japoneses dedicados ao mesmo assunto, os melhores são os dos Professores Kinoshita e Doi, que foram publicados no Shikagu Zasshi, Shikagu e outros periódicos eruditos. Podem também encontrar-se excelentes reproduções das páginas-título de muitos dos trabalhos originais em Kirishitan Shiryo-shu do Fr. T. Nagayama, Nagasaki, 1924.

38 Emmanuelis Alvari e Societate Iesu de institutione grammatica... ConiugationibusaccessitinterpretatioIapponica. Publicado em Amakusa em 1954. (Satow, Jesuit Mission Press, n.º 4.)

39 Dictionarium Latino Lusitanicum, acIaponicumexAmbrosili Calepini Volumine depromptum, Amakusa, 1595. (Satow, n. ° 5).

40 Guia do Pecador. Publicado em dois volumes em 1599.

41 British Museum, Add. Mss. 9860, folhas 2 e 113.

42 Nos artigos acima mencionados, Satow regista e descreve dezasseis trabalhos que ele realmente viu e examinou. Achados posteriores elevaram este total para vinte. A página-título de Fides no Quio está reproduzida neste ensaio.

43 Relativamente ao Dicionário de Rodrigues ver Satow, op. cit., n.º 12 e os ensaios do Professor Doi. O presente autor possui um exemplar de uma igualmente rara, tradução em espanhol, editada por Frei Jacinto Esquível e impressa em Manila em 1630 com o título Vocabulário de Iapon declarado primeiro en Portugues por los Padres de la compania de Iesus de aquel reyno, y agora en Castelhano en el Colégio de Santo Thomas de Manila etc.

44 Ver estas listas nas páginas 27-9, 39-43 e 51-2 na secção japonesa de Studies on the Christian relics in Japanfound near Takutsuki and yoto, do professor Shimmura, Tokyo, 1926.

45 "Tinha (Almeida) alli feita hua botica com tantos Materiaes e Mezinhas, que mandava vir da China, que para tudo se achava logo remedio em sua caridade." Documentos contemporâneos citados por Schilling, Das Schulwesen der Jesuiten in Japan, página 56, nota 7. Isto correspondia à prática jesuíta noutros lugares como no Hospital Real de Goa que quando esteve sob a sua supervisão era famoso pelo seu asseio, organização e cuidadosa gestão, conforme é testemunhado nos relatos de Pyrard de Laval, Mocquet, Della Valle e outros viajantes.

46 Ver o meu ensaio Jan Compagnie in Japan, 1611-1817, Hague, 1936, pág.24f.

47 Para quem desejar saber mais acerca da Escola Jesuíta de Medicina e Cirurgia no Japão e a sua influência nos médicos nativos, recomendo o excelente estudo do Padre Dorotheus Schilling, O. F. M., Das schulwese der Jesuiten in Japan (1551--1614), Munster, 1931, nas páginas 40 a 68 onde se pode encontrar uma meticulosa descrição dessa influência com base em todas as fontes disponíveis, tanto japonesa como europeias.

48 Na Revista de História, vol. IX, Lisboa, 1920, páginas 30 a 37 está incluída uma tradução portuguesa de um artigo do Professor Shimmura acerca de Cristóvão Ferreira ou Sawano Chuan e dos trabalhos de astronomia.

49 Early European Military Influence in Japan, em Trans. As Soc. Jap., II séries, vol. VIII, Tokyo. 1930.

50 British Museum, Add. Mss. 9860.

51 British Museum, Add. Mss. 9860.

52 Também isto derivava directamente do exemplo Ibérico, pois era habitual nos soldados portugueses dar Santiago ou seja invocar o nome deste Santo gritando quando carregavam sobre o inimigo.

53 Ver páginas 41 a 43 meu livro Jan Compagnie in Japan para pormenores sobre a sobrevivência do conhecimento do Português entre os intérpretes oficiais de Nagasaki pelo menos até ao século dezoito. O naturalista inglês Wallace, quando visitou Amboyna em meados do século dezanove observou que os poucos anos de desassossegado domínio dos portugueses na ilha durante a segunda metade do século dezasseis tinham de longe deixado mais vestígios na língua e nos costumes dos nativos do que os seguintes cento e cinquenta anos de governo holandês praticamente ininterruptos.

54 Samsom, Japan: A Short Cultural History, página 426.

55 Termos semelhantes sobrevivem noutros locais. Mesmo hoje em dia em Java existe a palavra manteiga, com o mesmo significado que tem em português, embora os lusitanos nunca se tivessem estabelecido na ilha, ou mais próximo dela do que Malaca. A questão das palavras portuguesas relativas a empréstimos introduzidas na língua Japonesa é completamente tratada pelo Professor Doi no seu artigo Nihon Yasokai no Yogo no tsuite, n.º 3 da revista Gairaigokenkyu, Tokyo, 1933.

56 Ver os meus artigos nos volumes XXVI (1929) e XXXI (1933-4) de Transactions and Proceedings of the Japan Society ofLondon.

57 Até o Shogun Ieyasu, apesar das suas recomendações oficiais aos seus samurais para se absterem de comerciar ou de se aviltarem de qualquer modo com o lucro imundo, tinha uma grande participação no comércio Macau-Nagasaki, como se pode provar a partir de cartas dos Jesuítas. Em 1616 Hasegawa Gonroku, Governador de Nagasaki, avisou os feitores ingleses e holandeses em Hirado para não interferirem com o "Grande Navio de Amacon", porque o Imperador tinha nele muitos "interesses". (Diário de Cock, vol. II, pág. 106.)

58 Interessante e instrutivo contraste com a influência da Arte e Ciência do Ocidente na China, onde, apesar do patrocínio activo das Cortes Ming e Manchu, a sua prática esteve limitada a alguns intelectuais. Hábitos e costumes estrangeiros (até muito recentemente) nunca exerceram na China a atracção generalizada que teve no Japão desse tempo, sobre todas as classes, a influência social e cultural dos Portugueses.

59 O paralelo ou precedente torna-se ainda mais estreito quando se observa que cerca de 1630 os Lusitanos queixavam-se amargamente que os juncos japoneses os estavam suplantando no comércio Indo-Chinês da seda crua, tal como trezentos anos depois os holandeses e ingleses se insurgiram veementemente contra a concorrência comercial japonesa e rebaixamento de preços nas regiões vizinhas.

60 O Professor N. Murakami publicou recentemente um interessantíssimo estudo sobre a composição da população na florescente colónia japonesa em Batávia, na primeira metade do século dezassete, sob o título Jakatara no Nihon-jin em Historical Transactions of Taihoku University.

*Lusólogo, investigador, autor de vastíssima obra de estudos históricos sobretudo da História Portuguesa do Atlântico e do Índico do século XVII. Pertence à British Academy, à Academia Portuguesa de História e outras agremiações científicas. Foi Professor de Português (Cadeira Camões) na Universidade de Londres (King's College). Doutor honoris causa por várias Universidades.

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