Artes

ALGUMAS NOÇÕES SOBRE O TEATRO CHINÊS

Ji Chang Ling*

À esquerda “Em defesa da cidade de Chanzou”, quadro da Ópera de Pequim, em que o famoso actor Yu Shuyan desempenha o papel do general Yue Fei. Yu Shuyan (1890-1943) foi o herdeiro do grande mestre da Ópera de Pequim, Tan Xinpei. Do seu estilo original de inter-pretação nasceu “a escola artística Yu”, que teve profundas in-fluências na Ópera de Pequim.

Em geral, os leitores de Macau não conhecem bem a evolução teatral da China, das óperas locais e da Ópera de Pequim - considerada a Ópera Na-cional - embora lhes sejam familiares as poesias Tang e Song e os poetas Li Bai e Du Fu, e muitos deles possam recitar de cor certos poemas famosos. Por isso, penso ser interessante dizer alguma coisa sobre a história do Teatro na China, e em particular da Ópera de Pequim e do auge do seu desenvolvi-mento, a fim de lhes fornecer um panorama geral e de estimular o interesse pelos géneros teatrais em Macau.

Pode dizer-se que o canto e a dança são coe-tâneos do Homem. Nascidos espontaneamente, foram conhecendo gradual evolução como rituais sagrados e serviço lúdico. Na China, durante o Pe-ríodo da Primavera e Outono** e nas Dinastias Qin*** e Han****, existiam os cantos-danças, que não conformavam ainda o Teatro, por não estarem su-bordinados à unidade da acção dramática.

Sobre a origem da Ópera chinesa existem duas correntes de opinião: uma afirma que é origi-nária da própria China, outra defende que ela foi introduzida com o Budismo indiano.

Na dinastia Tang (618-907), e mais concreta-mente durante o período entre 627 e 755 (data da “Revolta de An Lushan”), em virtude da estabili-dade política e da manutenção de relações comer-ciais com vários países, a economia atingiu o seu auge. O fluxo através da chamada “Rota da Seda” conheceu enorme recrudescimento. Paz, estabili-dade política e abastança económica propiciaram a grande explosão cultural e artística.

Registou-se um grande aumento de casas de diversão, onde se apresentavam cantos e danças. As cantoras e dançarinas, chamadas Ge Ji, nada ti-nham que ver com as modernas raparigas de bar. Eram educadas desde a infância, e tinham que saber tanger, dançar, cantar e mesmo escrever poemas.

Era habitual começarem por se exibir com cantos e danças, para os clientes. Se havia entre a clientela letrados que declamavam poemas, elas eram obrigadas a responder-lhes ao desafio. Fica-ram afamadas Li Sisi e Li Xiangxiang. Assim, belas canções foram escritas por letrados e poetas, entre os quais figurou o famoso Li Bai, autor de algumas que foram as mais em voga durante muito tempo. O que é curioso é que essas letras eram concebidas de tal forma que podiam ser cantadas rápida e facil-mente. Por exemplo, Yi Zhi Hua (“Uma flor”), Man Jiang Hong (“O Rio Vermelho”) e Die Lian Hua(“A flor que namora a borboleta”), consti-tuem, ainda hoje, os modelos de letras para can-ções.

É aqui que está o embrião da Ópera chinesa.

TANG MING HUANG E A ÓPERA

“São limpas as minhas gotas para os olhos”, é uma peça famosa de “teatro poético”da Dinastia Song. Na evolução do Zaju durante a Dinastia Song surgem dois tipos diferentes: danças acompan hadas por música e drama poético musicado. Este último foi uma nova forma de expressão artística teatral oriunda do teatro popular. Tinha no geral dois protagonistas, um sábio e um estúpido, que faziam a crítica social cómica. Esta ilustração intelectual anda a vender gotas para os olhos)sugere de imediato a sua comicidade pelo contraste e caricatura da realidade.

O rápido desenvolvimento da Ópera na di-nastia Tang deve-se, decerto, ao apoio dos erudi-tos, altos funcionários e nobres. Ó Imperador Tang Ming Huang era não só talentoso nas letras como licencioso. O seu caso amoroso com a con-cubina favorita Yang, foi e é falado, sendo conside-rados o par de “passarinhos de amor”.

Apaixonado pela Poesia e a Ópera, ele fun-dou o Yuefu (conservatório oficial) que se desti-nava a escrever canções e a compor música, que se apresentavam na Corte. Consta que o poeta Li Bai também prestou serviços no Yuefu. Este mesmo soberano chinês criou ainda em Liyuan(“pomar de pereiras”) uma companhia de teatro para ensaiar dramas. De vez em quando, funcionava como ma-estro (batendo o tambor), porque a orquestra era ao tempo formada por gongos grandes e pequenos, pratos, instrumentos de corda e tambores, dos quais o tambor pequeno servia de regente e contro-lava a banyan(medida de ritmo na música tradicio-nal chinesa) com que a cantora representava. En-tão, o local onde ele tocava era designado por Jiu Long Kou(“Boca dos Nove Dragões”), em sinal do seu poder e qualidade especial. Os actores da companhia de teatro que ensaiava peças em Liyuan qualificaram-se de “Discípulos de Liyuan”. Esta tradição transmitiu-se até hoje. Devido à atenção do imperador Tang Ming Huang, a ópera tornou--se bastante popular nos finais da dinastia Tang.

É pena que as canções em voga na corte de Changan, então a capital da China, tenham desapa-recido. Deduz-se, hoje, que deviam ser o qinqiang (ópera de Shaanxi, popular nas províncias do No-roeste). Embora os dramas fossem simples, canta-dos na sua maior parte, e não exigindo muitas per-sonagens, a sua interpretação e expressão musical eram ricas, acompanhadas por sheng(instrumento de sopro feito de canas de bambu, órgão de boca), flautas e tambores.

A ÓPERA DA DINASTIA YUAN

Até à dinastia Song houve progressos no campo teatral. Foram escritos vários dramas de re-gisto. O último imperador desta dinastia, por inca-pacidade, permitiu que os mongóis ocupassem a China, fundando a dinastia Yuan. Sendo nómadas, não tinham a cultura milenar. No entanto tentaram em vão transformar os Han, porque se viram obri-gados a governar a China por meio da civilização Han. Esta é que foi a civilização da Nação chinesa, consagrada em dois mil anos da História, e que ne-nhuns invasores foram capazes de alterar. Foi nes-sas circunstâncias complexas e cruéis que se for-mou a ópera da dinastia Yuan.

Os seus dramas sempre se referiam a histórias comoventes, vida real, eventos históricos, lendas populares, etc.. As melodias Qu (tipo de versos para cantar) tal como “Subida Passo a Passo” (Bu Bu Gao), “Ordem do General”(Jiang Jun Ling), “O Vento Penetra Pelos Pinheiros” (Feng Ru Song)continuam a ser utilizadas em Ópera Kunqu do Norte, Ópera Kunqu do Sul e Ópera de Pe-quim. Na dinastia Yuan, com capital na actual pro-víncia de Hebei, as suas melodias deviam ser simi-lares às da Ópera Kunqu do Norte. Esta dinastia produziu vários dramaturgos, entre os quais figu-ravam os famosos Guan Hanqing, autor de “Dou E Yuan Inspira a Piedade do Céu e Terra”, Ma Zhiyuan, que escreveu Po Yu Meng Gu Yan Han Qiu Gong(“História de Wang Zhaojun”), Wang Shipo, que compôs “Pavilhão Oeste” e Kang Jinzi, autor de “Li Kui Pede Perdão”.

Em virtude da grande quantidade de peças teatrais que foram escritas, tornou-se necessária a criação de companhias de teatro que as interpretas-sem. Na dinastia Yuan elas diferiam das da dinastia Tang, porque, para além de melhores dramas, os actores e bandas eram treinados com rigor, e os ac-tores dividiam-se em sheng(personagem mascu-lina jovem), dan (personagem feminina) e chou (palhaço).

É de salientar que, apesar de ter durado só 87 anos, o domínio político da dinastia Yuan foi muito desumano e bárbaro. Receosos do levanta-mento dos Han, os mongóis matavam-nos por qualquer motivo, impondo-lhes o sistema de bao-jia(um meio de controlar o povo). Era proibido ao povo ter armas e cada dez famílias partilhavam uma faca de cozinha. Os Han eram tratados como ser-vos. Descontentes com tal crueldade, muitos letra-dos escreveram dramas a fim de manifestar a opo-sição aos senhores poderosos dessa dinastia. Por exemplo, “Dou E Yuan Inspira a Piedade do Céu e Terra” deu a conhecer a falta dos meios de vida e a miséria do povo. Dou E Yuan foi metida na cadeia injustamente, uma entre as milhares de vítimas do iníquo governo Yuan. O autor dessa peça ainda en-cenou pessoalmente a sua apresentação, o que ori-ginou a sua prisão e dos actores. Mas os han, que não cediam aos mongóis, nunca deixaram de lutar contra eles, através de todos os meios possíveis, um dos quais foi a Ópera.

ORIGEM DA ÓPERA DE PEQUIM

À esquerda: Pormenor de ilustração de um dos episódios do famoso “Romance dos Três Reinos” (“A colina de Changbanpo”) um dos maiores mananciais inspiradores de óperas chinesas. Na gravura, Zhao Yun, durante o terrível combate com generais adversários; enfaixado ao seu peito está o príncipe A Dou, que será o futuro filho do Céu.

Na dinastia Qing iniciou-se a formação de toda a espécie de óperas que existem hoje em toda a China. São chamadas “óperas locais”, que pos-suem caraterísticas próprias, tais como “kunqu do norte”, “bangzi de Hebei”, Sukun, (de Jiangsu), Qinqiang(de Shaanxi), “bangzi de Shanxi”, da província de Shangxi, Vuyu(de Henan), luju, (de Shangdong), zhaoju(de Zhejiang), chuju e hantiao (de Wubei), yueju(de Guangdong), liuju(de Guangxi), Errenzhuai, (do Nordeste) e Gezaixi(de Taiwan). Existem no total mais de cem “óperas lo-cais” na China.

Essas óperas antecederam todas a Ópera de Pequim, que conta pouco mais de cem anos de his-tória. No final da dinastia Qing, Si Da Hui Ban(nome duma companhia teatral) apresentou espec-táculos em Pequim, que causaram grande impacto, executando xipi e erhuang(dois dos principais ti-pos de música na Ópera de Pequim). Esta tem ori-gem na combinação de xipi e erhuang com as me-lhores qualidades de kunqu, hanju, chuju e yueju. E foi-lhe dado o nome de Jingju(Ópera de Pe-quim), por ter nascido na capital. Durante o pe-ríodo da República, o nome da Capital mudou-se para Pequim e, portanto, à Ópera de Pequim tam-bém se chamou Pingju.

Não é de admirar que haja várias semelhanças entre hanju, chuju e a Ópera de Pequim, no tipo das melodias e que se ouçam os sotaques dos dia-lectos de Webei e Guangdong nos diálogos da últi-ma. O Jinghu (instrumento musical com duas cor-das, ou rabeca da Ópera de Pequim) é similar ao huqin(termo genérico de certos instrumentos mu-sicais com duas cordas) que se toca na apresentação de chuju e hanju. Pode dizer-se que a Ópera de Pe-quim sintetiza os atributos das óperas locais, cul-minando-as, ao longo da sua evolução.

A IMPERATRIZ CIXI E A ÓPERA DE PEQUIM

A este propósito, vale a pena mencionar uma figura famosa na História da China, a imperatriz Cixi da dinastia Qing. De certo modo, influenciou muito o desenvolvimento da Ópera de Pequim, apesar de ser mulher extravagante, arbitrária, pre-judicial ao País e responsável pela morte dessa di-nastia. Amante da Ópera de Pequim, fez muito para divulgá-la. Com frequência convocava espec-táculos à Cidade Proibida ou ao Palácio de Verão, situado no subúrbio noroeste de Pequim e cons-truído com verbas destinadas à Marinha, só para comemorar o seu aniversário. Nesse Palácio de Ve-rão, semelhante ao Lago Oeste de Hanzhou, há um enorme palco, e Cixi assistia aos espectáculos duma casa em frente, com uma cortina de bambu, para não ser vista pelos actores, que trabalhavam com todo o cuidado e afinco. Eram de graça as apresentações, consideradas como “ofertas”. En-tretanto, as companhias recebiam recompensas quando a imperatriz se mostrava satisfeita com a sua actuação. Neste caso, mandava o eunuco entre-gar aos actores principais um ou dois cestos de Ba Bao Cai(“Oito Tesouros” - uma especialidade de Pequim, feita de oito legumes salgados, pepino, nabo, amendoim, amêndoa, nozes, etc.). Note-se que, na verdade, não eram cestos com legumes sal-gados, mas sim, cheios de pérolas, jades, âmbares e outras pedras preciosas. Se se manifestava zangada, haveria cabeças a cortar. Diz-se que durante o es-pectáculo “Sun Wukong Luta contra o Leopardo” quando o mestre Yuang Xiaolu, representando o animal, manejava a arma, esta saiu com força em direcção à imperatriz Cixi. Face a esse incidente inesperado, Qian Jinfu, desempenhando o pa-pel de Sun Wukong, não he-sitou em ir apanhá-la, dan-do uma cambalhota, evoltou para o palco, evi-tando assim uma desgra-ça. Se a arma atingisse a soberana, ou esta fos-se assustada, toda a companhia teatral seria morta. Era perigoso repre-sentar-se para a impe-ratriz Cixi!

À esquerda: Pormenor de ilustração de um dos episódios do famoso “Romance dos Três Reinos” (“A colina de Changbanpo”) um dos maiores mananciais inspiradores de óperas chinesas. Na gravura, Zhao Yun, durante o terrível combate com generais adversários; enfaixado ao seu peito está o príncipe A Dou, que será o futuro filho do Céu.

Várias vezes, al-guns actores foram conduzidos à pre-sença de Cixi. Uma ocasião, foi chamado Yuang Xiaolu. Ela mandou os criados retirarem--se, ficando sozinha com ele. Este, de joelhos pe-rante ela, não se atreveu a erguer a cabeça. Cixi disse-lhe que estava muito parecido com o Impera-dor Xianfeng. Em virtude da paixão dela pela Ópera de Pequim, a posição do actor elevou-se ra-pidamente.

Teatro de rua (Foto pub. “New China and Old”, Ven. Arthur E. Moule. Londres, Seeley and Co. Limited, 1891).

POPULARIZAÇÃO DA ÓPERA DE PEQUIM NA CAPITAL

Devido ao apreço de Cixi pela Ópera de Pe-quim, os mandarins procuravam seguir-lhe o exemplo. Assim se tornaram indispensáveis os es-pectáculos nos funerais, casamentos, festas e ani-versários. Alguns membros da Família Imperial até participavam na representação, estando em boas relações com certos actores. Por exemplo Zaitao, tio do Imperador Xuantong, aprendia com alguns actores, com quem conversava acerca da interpre-tação. Apesar de amador, era colocado a par dos profissionais.

A Ópera de Pequim tornou-se tão popular entre os seus habitantes que muitos sabiam entoar algumas passagens. Naquela altura, não havia na capital outros espectáculos teatrais senão a Ópera. Ir ao teatro era naturalmente o único divertimento. Era vulgar ouvir nas ruas alguém cantar.

OS PRIMEIROS TEATROS DE PEQUIM

No final da dinastia Qing estava em vigor o sistema da “hora de recolher”. Durante a noite, to-das as portas estavam fechadas. Portanto, só era possível ver espectáculos durante o dia. Como era hábito, começavam a partir do meio-dia, em ses-sões contínuas, com duração de 4 a 5 horas. Assim, só se apresentavam as passagens mais interessantes e cada uma delas durava de 1 a 2 horas. E os actores de renome apareciam sempre no último espectácu-lo, a fim de prender o público na plateia.

Em Pequim já existiam na altura teatros rela-tivamente grandes, dos quais Guang He Lu era o exemplo, feito de madeira e tijolo, com plateia e ca-marotes. A plateia era formada por bancos em fila e os camarotes ficavam do lado oeste ou por trás. Devido ao tabu feudal que separava os homens das mulheres nas actividades sociais, a elas era proibida a entrada no teatro. Mais tarde, já podiam assistir ao espectáculo na plateia, que estava dividida em duas partes, ou então nos camarotes.

Tudo era barafunda no teatro. Não havia alto-falantes e os actores esforçavam-se por cantar em voz alta, enquanto os espectadores comiam, be-biam, conversavam e riam. E os vendedores de se-mentes de abóbora e melancia, ou de amendoim, andavam por entre as bancadas. O mais divertido era ver o atirar de toalhas, que ganharam o nome de “toalhas voadoras”. Eram toalhas de rosto que os vendedores de chá atiravam aos seus clientes para lavarem a cara: bastava chamar, e as toalhas eram--lhes atiradas com precisão. Ó ambiente era tão animado que era impossível apreciar a arte!

Nos primeiros anos da República, as compa-nhias de Ópera de Pequim começaram a viajar pe-las grandes cidades do País, tais como Xangai, Tianjin, Hankou e Nanjing, onde existiam teatros, o que conduziu ao estabelecimento nessas cidades de companhias de Ópera de Pequim que chegou a ser a maior ópera em toda a China.

FORMAÇÃO DOS ACTORES

Após o surgimento da Ópera de Pequim na capital, para manter a continuidade, as companhias teatrais tinham de atender à formação de actores, tais como San Qing Ban, Si Xi Ban e Fu Shu Ban, que não só faziam espectáculos como ainda admi-tiam discípulos. Mais tarde, um negociante de ma- deira, chamado Niu, amante da Ópera, criou com Ye Chunshan a “Escola Fu Lian Chen”, diferente das companhias teatrais, porque se destinava só à formação de actores e músicos. Para tal convidou mestres. Admitia meninos de 7 a 8 anos, e a apren-dizagem durava sete anos. Após a formação, ti-nham de trabalhar um ano para o dono da escola sem receber nem um tostão. A escola era como a cadeia, porque a disciplina era rigorosíssima. Os aprendizes eram, na maioria, filhos de famílias po-bres.

Os alunos eram submetidos a uma aprendiza-gem bastante dura desde o início. O método de en-sino era muito simples, isto é, castigar os que ti-nham mau aproveitamento. O mestre trazia na mão um chicote de vime, que estava sempre pronto para fazer cair nas costas dos que julgava desaten-tos. Levantavam-se antes de amanhecer para o trei-no, que era ininterrupto durante o ano inteiro. Du-rante o Inverno, faziam-no ao ar livre com uma simples roupa e, no Verão, com os trajes teatrais. Todo o tempo era dedicado ao trabalho, com ex-cepção do que era reservado às refeições e a dormir. A vida deles era duríssima.

Mei Lanfang, no papel de mulher guerreira (tao má tán), “Passagem de Fanjang”(1931).
O ambiente de um teatro em Pequim, nos anos 30: de um lado a solenidade formal de actores e de guarda-roupa esplendoroso, a delicadeza de movimentos e de dicção; do outro, a intromissão em cena dos músicos e dos ajudantes, a boca do palco transformada em prateleira de chapéus, bules e chávenas de cháe uma plateia ruidosa. (Rep. de “A Photographer in old Peking”, Hedda Morrison, OxfordUniversity Press, HK.).

E achava-se pouco: impunham-se-lhes mais condições. Além de respeitarem e obedecerem ao mestre cem por cento, obrigavam-se a fazer-lhe o chá, preparar-lhe águas para se lavar, etc.. Se um cometia erros ou faltas, toda a turma era punida com açoites. Alguns que não conseguiam suportar tal dureza, abandonavam a escola secretamente. Antes do espectáculo costumavam prostrar-se diante do “Antepassado” (meramente um boneco). Consta que esse costume fora estabelecido pelo Imperador Tang Ming Huang. Nas caixas de ves-tuário, por trás do palco, ninguém podia sentar-se, excepto os palhaços, porque cada um tinha sítio próprio para repousar.

Dois anos após a aprendizagem, os alunos que já tinham adquirido certa habilidade e conheci-mentos básicos, podiam entrar em espectáculos nos teatros ou ir às casas das famílias ricas, quando eram chamados. Nessa altura, a Escola já começava a ganhar dinheiro e os alunos eram capazes de ter algum no bolso. Por esta época apareceu em Pe-quim uma “Companhia dos Meninos”, alunos da Escola Fu Lian Chen.

O mestre da Escola limitava-se a ensinar aos alunos o que aprendera, porque os espectáculos por ele apresentados ficavam gravados todos nas suas mentes. Os alunos não podiam aprender a ler e escrever na escola. Por consequência, ao deixá-la, eram ainda analfabetos na sua maioria.

Aos actores formados pela Escola Fu Lian Chen era atribuído um carácter que lhes definia a qualificação de Xi (喜), Lian ( 連 ), Fu ( 富 ), Sheng (盛) e Shi (世). O Xi correspondia à primeira e as-sim sucessivamente. Por outro lado, um dos carac-teres do nome próprio tinha que ser substituído por um dos qualificativos acima referidos. Por exemplo, Hou Xi Rui, Ma Lian Fu, Tang Fu Ying, Ye Sheng Lan e Yuan Shi Hai.

A Escola Yong Chunshe, colocada a par da Fu Lian Chen, foi fundada por Xiaoyun, um dos quatro mais famosos actores que interpretavam o papel de mulher. Como eram particulares, as duas escolas tinham dificuldades financeiras, que as le-varam à extinção. De qualquer maneira, produzi-ram vários actores para a Ópera de Pequim, entre os quais os mais célebres foram Ma Lian Liang, Tang Fu Ying, Ye Sheng Lan e Yuan Shi Hai.

ESCOLAS TEATRAIS

Até ao fim dos anos vinte, graças à influência cultural do Ocidente, algumas escolas teatrais fo-ram constituídas na China, tal como a Escola Tea-tral da China, fundada por Cheng Yanqiu, e diri-gida pelo Departamento Cultural do Guoming-dao. Na década de 30, por iniciativa de Han Fuju, caudilho militar e Presidente da Província de Shan-dong, que concedeu algumas verbas públicas, Wang Psheng foi encarregado de criar o Teatro de Shandong. A partir daí, passou a ser admitida a en-trada de mulheres nas escolas teatrais, que diferiam das antigas. Na Escola Teatral da China só se ensi-nava a Ópera de Pequim, e no Teatro de Shandong, a maior escola teatral da China, ensinavam-se a Ópera de Pequim, Kunqu, Huaju e outras óperas locais. Dela foi aluna Jiangqing, viúva de Mao Ze-dong, que aprendeu a Ópera de Pequim e que diri-giu as reformas dessa ópera quando tinha na mão o poder. Nas modernas escolas teatrais ensinavam-se não só as óperas como ainda a ler e escrever. É ou-tro ponto que distingue as modernas das antigas es-colas.

Mei Lanfang e Charles Chaplin.

(In “Peking Opera and Mei Lanfang”, New World Press).

TIPOS DE PAPEL E VESTUÁRIO

梅蘭芳

Os quatros grandes actores dan (papel feminino): Mei Lanfang, Shan Xiaoyun (à esquerda), Xun Huisheng (à direita) e Cheng Yanqiu (à frente). (In “Peking Opera and Mei Lanfang”, New World Press).

Na Ópera de Pequim os tipos de papel estão divididos em sheng, dan, jing, mo, chou. O Sheng subdivide-se em laosheng (papel de velho), xiao-sheng (papel de jovem) e wusheng (papel de mili-tar), e laosheng pode ainda dividir-se em laosheng que canta, laosheng que faz movimentos e lao-sheng civil e militar. Por seu turno, o xiaosheng subdivide-se em xiaosheng de leque, xiaosheng mi-litar e xiaosheng pobre; do wusheng derivam-se wusheng que luta com armas e wusheng que luta com as mãos; o dan (papel feminino) subdivide-se em qingyi (criada), huadan (“rapariga-flôr”, jovem alegre e viva), laodan (velha), wudan (a militar), doamadan (de espada e cavalo) e tiedan (que faz pa-pel insignificante); o jing está dividido em dong-chui hualian (homem de rosto pintado cuja princi-pal tarefa é cantar), jiazihualian (homem de rosto pintado, cuja função principal é fazer movimentos) e wuhualian (militar de rosto pintado); o mo, é um tipo de laosheng que está hoje integrado no sheng e o chou (cómico ou palhaço) subdivide-se em wenchou (cómico civil), wuchou (cómico militar) e fangjinchou (cómico de lenço quadrado - letrado e mandarim). E, o laosheng, qingyie huadan fazem sempre os papéis importantes, para os quais a maioria dos dramas são escritos. Por exemplo, “Aguardar o Vento Leste”. O xiaosheng, wesheng e chousheng só interpretam papéis secundários.

Longtao limitava-se ao papel de criado do imperador e marechal. Bastava-lhe acompanhar os seus senhores. Só os alunos não talentosos servem de longtao. Mas não é verdade que, às vezes, homens de riquexó fossem convidados a fazer o papel de longtao, mesmo antes do espectáculo, porque o longtao tem a própria maneira de andar no palco.

No fim da dinastia Qinge no princípio da Re-pública, o dan era interpretado só por actores mas-culinos, que tinham que imitar a mulher. Os acto-res eram tão bem treinados e pintados que sempre enganavam o público. Só depois, durante a Repú-blica, surgiram actrizes na Ópera de Pequim.

O vestuário e seus adereços eram requinta-dos, sobretudo os de huadan que eram feitos de pe-dras preciosas (depois foram substituídos por pe-dras falsas). A pintura levava sempre muito tempo. É preciso uma hora para arranjar o cabelo da ma-neira desejada. Primeiro põe-se uma rede na cabe-ça, enrolando uma ligadura fina, e depois cola-se--lhe o cabelo. Por último nela se colocam os orna-tos segundo o papel a fazer. A maquilhagem do sheng é mais fácil, isto é, ata-se a cabeça com a liga-dura e depois põe-se nela o capacete escolhido. No entanto, para que nada caia, a ligadura é sempre apertada muito firme, o que faz os novatos vomita-rem e ter tonturas.

O vestuário é muito rico. Os trajes do impe-rador e ministros são bordados a fios de oiro e os dos letrados são bordados de brocado e de cetim. É mais engraçado o uniforme exagerado do general, em cujas costas há 4 bandeirinhas coloridas, e que é bordado a fios de prata e oiro.

O jing usa as máscaras que são feitas de acordo com a índole de qualquer personagem. Po- de dizer-se que cada máscara é uma obra de arte. E as cores distinguem o carácter: o vermelho simbo-liza a fidelidade, a bravura e a justiça; o azul repre-senta os heróis e os bandidos; o amarelo é sinal de doença; o preto de temperamento fogoso, firmeza, e o branco representa a astúcia e a intriga. Assim, mal aparecem no palco, o público sabe quem é bom e quem é mau. O actor que faz o papel de “Rosto Grande Pintado” pinta-se a si próprio. Para salíen-tar a grandeza do rosto, rapa a cabeça e pinta a testa até cima. É bem digno do nome “Rosto Grande Pintado”!

O chou faz o papel de pessoas com aspecto ri-dículo. Portanto, parte do seu nariz está pintada de branco, para fazer rir. Devido à variedade dos tra-jes e enfeites, cada companhia teatral possui seis ou sete caixas de guarda-roupa, que valem muito. O investimento não é pequeno para criar uma compa-nhia.

ACTORES E DUAS ANEDOTAS

Os actores não tinham posição social na antiga China, sendo colocados a par de prostitutas e mendigos. Era o desprezo e preconceito da socie-dade feudal para com eles. Embora não fossem tra-tados devidamente, eles dedicaram a sua energia e o seu tempo ao desenvolvimento teatral.

Entre os fundadores da Ópera de Pequim, encontravam-se Tang Xinpei (sheng), Mei Qiao-ling (dan), Yang Xiaolu (sheng militar), Cheng Ji-xiang (dan) e Xu Xiaoxiang (xiaosheng). Os des-cendentes dos actores da Ópera de Pequim, na sua maioria, seguiram-lhes os passos. Por exemplo, o filho, o neto e o bisneto de Tang Xinpei foram to-dos o laosheng, tendo formado a Escola Tang. Ou-tro exemplo é Mei Qiaolinh, cujo filho Mei Lan-fang e o neto Mei Baojiu foram os mais conhecidos qingyi.

Após a República, com a divulgação da Ópera de Pequim, a sua posição social elevou-se muito. Alguns entusiastas promoveram a eleição dos “Quatro Melhores Actores” para cada tipo. O resultado foi: para o dan, Mei Lanfang, Cheng Yanqiu, Shan Xiaoyun e Xun Huisheng; para o laosheng, Ma Lianliang, Tang Fuyin, Yang Bao-sheng e Xi Xiaobai e para o “sheng militar”, Li Shaochun, Li Wanchun, Yang Shengchun e Li Shengpin. Cada um deles criou um estilo artístico original.

No fim da dinastia Qing não havia actrizes na Ópera de Pequim, e todos os papéis femininos eram intrepretados por homens. Com a República, apareceram actrizes. E, mais tarde, a Escola Teatral da China preparou algumas, e certos famosos acto-res passaram também a receber discípulas. As qua-tro mais célebres foram Yan Huizhu, Li Yuru, Bai Yuwie Gao Yuqing.

Mei Lanfang deu grande contributo à Ópera de Pequim. Fundou a Escola Mei, uma pérola a re-luzir no mundo do palco. Na década de trinta, uma delegação artística por ele encabeçada foi visitar a América do Norte, que lhe concedeu o título de doutor. Não só era um verdadeiro artista como ainda muito modesto e generoso a dar. Uma com-panhia teatral de Pequim foi a Xangai fazer espec-táculos; por falta de assistência, ficou metida em maus lençóis, sem dinheiro para regressar a Pe-quim para o Ano Novo Lunar. Ao saber disso, Mei Lanfang ofereceu-lhes uma quantia para se reuni-rem com os familiares na festa. Sendo um patriota, rejeitou o convite dum japonês, e decidiu viver

Apesar de a literatura para Teatro e Ópera ser muito simples e acessível, havia tradicionalmente na China formas ainda mais simples de Teatro, destinadas ao grande público e às crianças, com finalidades pedagógicas. Eram os géneros equivalentes ao teatro de fantoches ou marionetas e à caixa ou “lanterna mágica” ocidentais. Daqui tem origem a expressão “sombras chinesas” que começou a ser utilizada em França (ombres chinoises). Uma das gravuras ilustra uma exibição pública na cidade de Lin-Sin-Choo, província de Shang-Tung, na entrada do canal Imperial e concorrido entreposto comercial. O operador atraía a assistência com as melodias do músico, que tocava ora flauta ora clarinete (pendente do seu ombro esquerdo) e simultaneamente tambor e pratos, com os pés. A música servia também para entreter o público enquanto o manipulador substituía os bonecos e para sublinhar os seus movimentos. A caixa maior, à esquerda, é suporte de acção para dois fantoches ou títeres puxados a fio, e a mais pequena, do lado direito, tem dois orifícios, pelos quais o público espreitava a acção das figuras que o operador ia apresentando e movendo com fios. Este género era particularmente destinado às crianças, como se verifica pela altura dos orifícios (v. gravuras). No tipo de teatro de “robertos”, o bonequeiro - rebuçado num “casulo” de pano (no geral de cor azul) fechado por uma caixa que apoiava nos ombros - manipulava os bonifrates pelo sistema da luva de três dedos: dois para os braços e um para a cabeça. afastado da vida social em Xangai e Hong Kong, em sinal de protesto contra a invasão japonesa. Logo após o fim da Guerra com o Japão, regressou a Xangai, apresentando o “Liang Yuhong toca o tambor contra os soldados Jin”, para celebrar a vi-tória.

(In “Views of 18th Century China Costumes. History. Customs. R", William Alexander and George Genry Mason. Studio Editions.)

Os rendimentos dos actores famosos eram muito altos. Às vezes eram contratados, recebendo a quantia acordada no contrato e outras vezes orga-nizavam a própria companhia teatral. Neste caso, 50% da receita de cada espectáculo pertencia ao actor principal. Mei Lanfang e Ma Lianliang pos-suíam em Pequim e Xangai casas e automóveis par-ticulares. Aqui, vale a pena referir-se a actual tabela salarial dos actores. Em geral o salário deles é muito baixo. Excepto os formados no período da República, os que já têm mais de vinte anos de car-reira ganham apenas cerca de 200 Yuans chineses e muitos outros ganham muito menos. Com a infla-ção que a China atravessa, é-lhes difícil manter a fa-mília com tal rendimento. É só um quarto do salá-rio dum longtao que trabalha na Companhia de Ópera Yue, de Hong Kong. Esse facto tem afec-tado o desenvolvimento da Ópera de Pequim e das outras óperas locais.

Os actores de prestígio tinham adquirido vários vícios. O mais comum era o do ópio. No fi-nal da dinastia Qing, Yang Xiaolu e Tang Xinpei fumavam ópio. Sem fumá-lo antes do espectáculo, eram incapazes de se apresentar no palco. Também na República era proibido fumar ópio. Mas Tang Fuyin, Qu Shengrong e Jin Shaoshan continuavam no vício. Depois da fundação da República Popu-lar da China, quando convidaram Ma Lianliang a regressar ao País, ele exigiu que fossem satisfeitas as suas condições, uma das quais era o ser abaste-cido de droga. Todos eles morreram vítimas da perseguição durante a Revolução Cultural.

Jin Shaoshan era o mais enraizado no vício do ópio. Mas ficou famoso em toda a China pela sua voz tão potente como um alto-falante. O seu ta-lento extraordinário garantia a plateia sempre cheia. Todavia, por outro lado, faltava-lhe o senso da responsabilidade, devido aos vícios do ópio e das cartas. Chegava atrasado ao palco com fre-quência, deixando o público a esperar horas a fio. Alguns mais impacientes ameaçavam bater-lhe. Mas, quando aparecia no palco, ficavam presos pela sua representação, só conseguindo lembrar-se de lhe bater após a conclusão do espectáculo, e ele já tinha desaparecido nessa altura. Às vezes, quando chegava atrasado, o público provocava de-sordem. Nessas circunstâncias, comia macarrão enquanto explicava o seu atraso. Para ganhar tem-po, cantava por trás do palco enquanto se pintava, ordenando a outros que lhe vestissem o fato, as bo-tas e o capacete. Tudo isso só levava um ou dois mi-nutos, mas, por vezes, ainda tinha a pintura do rosto por completar no intervalo. Morreu da dro-ga. Por ter gasto sem medida, hão deixou dinheiro para o caixão. O seu enterro foi custeado por Mei Lanfang e outros amigos seus.

Outro dos vícios em que por vezes caíam, era a prática homossexual; eram xianggong. Como ti-nham que desempenhar os papéis femininos no palco, por hábito ou deformação profissional com-portavam-se no quotidiano como o sexo fraco, mesmo trajando como os homens.

E há um enquadramento social que ajuda também a explicar esse desvio.

Na dinastia Qing, os mandarins mantinham os actores famosos, tratando-os como escravos do-mésticos. Um exemplo disto é Qiguang no ro-mance“Sonho do Pavilhão Vermelho”. No início da República, a posição dos actores pouco se ele-vou. Entretanto, não tendo pessoas poderosas como protectores, era-lhes muito difícil a sobrevi-vência. Consequentemente, consentiam ter alguns ricos e poderosos como pais adoptivos, iam ani-mar-lhes as casas com espectáculos, e tornavam-se seus amantes.

É importante registar que, na maioria, eles começavam a ser educados para o desempenho de papéis femininos com 7 ou 8 anos de idade, e assim muitos deles já eram emasculados quando jovens. Mas não interessa a vida privada desses actores. O que importa é que deram todo o seu talento à causa do teatro chinês, e que os seus inegáveis méritos ja-mais serão esquecidos.

FLORESCIMENTO E DECLÍNIO DA ÓPERA DE PEQUIM

Todas as coisas conhecem os seus períodos de prosperidade e declínio, sem excepção da Ópera de Pequim, que começa hoje a decair, mais de cem anos após o seu florescimento. No fim da década de 50 os actores veteranos abandonaram o palco, e a nova geração não podia herdar a glória deles. Por outro lado, o cinema e as canções populares puse-ram termo ao seu monopólio no campo das diver-sões e os jovens não conseguem apreciá-la. Assim, só a velha geração vai ao teatro de vez em quando, o que afecta a bilheteira. O pior é que as “reformas teatrais”, sobretudo a de Jiangqing, impediram a apresentação das óperas tradicionais, e os “Oito Modelos Teatrais” ocuparam todo o palco durante os dez anos do seu domínio político. Quem não fi-caria farto do mesmo prato durante dez anos? E os actores da Ópera foram perseguidos. A Ópera de Pequim acabou por perder a força, que não lhe será fácil recuperar. Hoje em dia, podem ainda ver-se os espectáculos da Ópera de Pequim em Xangai, Tianjian, Pequim e Taiwan, onde as companhias de Ópera de Pequim pertencem, na sua maioria, às Forças Terrestres, da Aviação e da Marinha, que as levaram para lá quando se retiraram do Continen-te, sendo financiadas pelo governo.

Em resumo, existem 4 motivos que explicam a decadência da Ópera de Pequim. 1. O ritmo lento e os temas da ópera não correspondem à actual so-ciedade. 2. Foi perdendo o apoio das autoridades do Estado. 3. Não há artistas tão influentes como Mei Lanfang e Jin Shaoshan. 4. A divulgação do ci-nema e da música roubou-lhe grande parte do pú-blico. Devido a esses factores, não é de admirar que tenda a decair. Como uma antiguidade, manterá o seu valor, que será apreciado por um número redu-zido de pessoas.

A Ópera de Cantão também é a de Macau, que se localiza nesta região. Já tem muitos anos de existência, tão arreigada entre o povo cantonês que as óperas do resto do país não conseguiram ganhar--lhe o público, por causa da língua. O mesmo aconteceu com a Ópera de Pequim. Tinha existido uma companhia de Ópera de Pequim em Cantão, que foi desmantelada por falta de espectadores e de bons actores. Em Hong Kong há algumas compa-nhias de ópera de Pequim, que se estabeleceram só depois de 1949, quando muitos nordestinos emi-graram para aquele território. Mas são amadoras na sua maioria.

Em Macau é também difícil manter-se uma companhia de teatro profissional, porque é uma ci-dade muito pequena. Nesta sociedade comercial, é impossível a uma entidade deste tipo sobreviver sem receitas. A não existência duma companhia teatral em Macau não significa que não está ani-mada a vida cultural, que o Instituto Cultural de Macau sempre promove. Estou convicta de que Macau terá um bom futuro também nesta área.

Pavilhão para teatro chinês. Macau, c. de 1910. (In “Album-Macau1844/1974”, R. Beltrão Coelho. Fundação Oriente).

Teatro chinês numa rua de Macau (c. de 1925) (In “Album - Macau 1844/1974”, R. Beltrão Coelho. Fundação Oriente).

Pelo Gabinete de Edições do Instituto Cultural de Macau acaba de ser lançado ao público, em edição monumental fac--similada, o álbum de Auguste Borget - “A China e os Chineses”, originalmente publicado em Paris, em 1842. Por isto e por se tratar, na sua integridade, de um documento importante ao conhecimento de Macau do primeiro terço do Século XIX, neste número da RC reservámos espaço à introdução do leitor na qualidade da obra e na biografia do autor. Assim, publicamos de seguida um esboço do percurso artístico-biográfico de Borget, de autoria de Robin Hutcheon, com que apresentamos ao público de Macau um dos seus mais ilustres visitantes, e a selecção dos textos em que o artista francês vaza as impressões da sua estadia nesta terra, de Janeiro a Junho de 1839. Temperamento inquieto e caminheiro arrojado, Borget corre meio-mundo. E depois dos infernos naturais e da tirania política, das sobrancerias sociais e culturais - as mesmas sob as dominâncias coloniais como sob a opressão das soberanias autónomas - eis que se apazigua às vistas do Rio das Pérolas. O mistério da China é o seu pólo, e sedante. O exótico, o sereno sobressalto do seu registo visual. Espraia-se com vagar simpático o seu olhar romântico. Entusiasma-se e embrenha-se no pormenor a retentiva do repórter. A mão hábil e febril estuda, esboça e finaliza as imagens. Chinnery está próximo. O pendor de correspondente e de epistológrafo historia-nos os desenhos. Pressente-se Honoré de Balzac. E assim, com a prosa a suprir a imagem, ou com as imagens a culminar a narrativa, Auguste Borget nos deixou um dos mais completos e estimáveis documentos da vida e da fisionomia de Macau do passado Século. Visão romântica de um europeu em deslumbre de exotismo, que “sonha sem fim” nos entardeceres de Macau e rejubila com as tancareiras “felizes na sua liberdade”. De um contemplativo que pressente Deus na paz da Natureza da Cidade do Nome de Deus.

** Período das Primaveras e Outonos Chunqiu - de 722 a 481 a. C., na Dinastia dos Zhou Orientais (770-314 a. C.).

*** Dinastia Qin - da fundação do Império por Qin Shi Huang (255 a. C.) a 209 a. C..

**** Dinastia dos Han - Han anteriores ou ocidentais, de 206 a. C. a 8 a. C..

* Ex-actriz do grupo Shi Yan da Ópera de Pequim da mesma ci-dade, tendo sido discípula do famoso actor Chéng Yan Qiu (dan daquela ópera). Actualmente vive em Macau onde se tem dedicado ao estudo das várias óperas bem como da pin-tura chinesa.

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