Urbanismo/Arquitectura

UM PERCURSO AO ENCONTRO DO MEDIEVALISMO EM MACAU

Carlos Baracho *

INTRODUÇÃO

Na actual malha da Cidade do Santo Nome de Deus de Macau percebem-se ainda os vestígios da sua estrutura urbana primitiva, naturalmente baseada na distribuição de uma arquitectura efémera, posteriormente consolidada por novos edifícios de características diferentes, que a moldariam definitivamente. Essa sua forma, baseada num sentido orgânico de crescimento da cidade, apresenta-nos bem um cunho medieval que caracteriza os centros das velhas cidades portuguesas."Os portugueses levaram consigo para o Oriente, como seria de esperar, as tradições da construção portuguesa, e por isso não épara surpreender que as cidades que ergueram — o casario, as igrejas e as fortalezas — mostrassem estreito parentesco com o que se fazia em Portugal."1

A presença de características da arquitectura chinesa — especialmente no que se refere a elementos estruturais e decorativos — e de aspectos principais da estrutura urbana chinesa sempre foram, no entanto, em Macau, um facto indissociável do seu carácter de território de ascendência chinesa; e dos contactos dos portugueses em terras do Oriente longínquo absorveram-se "outras" formas de construir e de fazer crescer a cidade, numa interligação com tradições e propostas próprias que, decerto, foram também implementadas nas feitorias na China.

Vistas de Chinchéu: localização da Fortaleza. (fig. l)

Ao falarmos dos primórdios urbanos e arquitectónicos de Macau, temos necessariamente de nos debruçar de algum modo sobre as cidades--feitorias do Oriente suas contemporâneas, percebendo pólos de contacto e/ou de influências directas. Naturalmente, tal é abrangente da principal possessão de então, Goa, Cidade-Estado, e de Malaca, sede da Diocese em cuja jurisdição Macau permaneceu até à criação de bispado próprio. Mas se destas duas cidades certamente os portugueses que chegaram a Macau retiraram ensinamentos, também das primeiras povoações que criaram na China necessariamente acumularam experiência, aliada à sabedoria tradicional das populações autóctones.

Tendo então em conta as várias culturas que nesses locais se identificaram e as características próprias de um medievalismo persistente, tanto na cultura como nas mentalidades, poderemos perceber também de que forma se mostraram as influências externas nos primórdios da construção em Macau, pois se os navegadores portugueses transportavam consigo os conhecimentos tradicionais, e eventualmente estilísticos, que possuíam de construção, também, por outro lado, eram influenciados pelas formas locais, que naturalmente se adaptavam melhor às condições climatéricas.

Através das incursões constantes que os portugueses faziam ao "Grande Império do Oriente", tanto através das embaixadas oficiais como das missionárias, as suas cidades e a sua arquitectura marcavam-lhes a cada passo a vista e o sentimento2, com a sua volumetria monumental, de vincada expressão simétrica, com as suas características e profusas marcas decorativas, com os seus materiais e cores fulgurantes, o que, portal, os veio a induzir em certas formas na concepção e organização do espaço em que actuavam. A imagem resultante da urbe em Macau provém, assim, da interligação e coexistência de conhecimentos ocidentais de um medievalismo persistente com elementos tradicionais chineses a que filialmente está ligada.

ESTRUTURA MEDIEVAL PORTUGUESA NO ESPAÇO COLONIAL

"O urbanismo português caracteriza-se sobretudo pela inteligência do lugar, da sua escolha ao desenho, numa compatibilização única de organicidade e racionalidade, do entendimento da paisagem e da funcionalidade urbana. Nos diversos territórios de ocupação portuguesa encontram-seclaras expressões do que, desde a Idade Média, caracteriza a morfologia das nossas cidades, que se nos oferecem como organismos espontâneos, sendo, antes do mais, gestos de uma vontade forte, executados por mãos de uma grande humanidade. Ali, uma relação fortemente monumental da arquitectura religiosa, de resto consonante com o momento histórico de afirmação da Igreja durante a Contra-Reforma e o Barroco, é contrastante com a forma orgânica do desenvolvimento das implantações urbanas, ainda que condicionadas pela ideia renascentista e militar de racionalidade e ordenamento."3 Esta citação de Alexandre Alves da Costa resume-nos, sem dúvida, o ponto essencial deste estudo e procura o entendimento do crescimento e formação de algumas das cidades que os portugueses foram espalhando por esse Oriente longínquo e que serviram de experiências essenciais para a formação da Cidade do Santo Nome de Deus de Macau. Construir rapidamente tectos para as inúmeras famílias que ali cresciam era necessidade primordial nessas cidades que prosperavam dia a dia sob o empório comercial português. Os factores naturais eram o elemento mais importante na génese dessas novas cidades, que podiam, no entanto, formar-se a partir de duas intenções diferenciadas: impor a nova ordem, como aconteceu nas cidades elevadas no Brasil, por sobreposição e consequente anulação das pré-existências, ou seja, a eliminação das cidades conquistadas; ou assumindo as estruturas existentes, dando-lhes novas formas por adaptação de edifícios a novas funções, ou mesmo mantendo e fazendo crescer as novas urbes em paralelo com as já existentes. No primeiro caso, de sentido perfeitamente colonial, o interesse era a expansão para novos mundos, o alargamento do império português ao continente novo, com a ideia de demarcação de força, de poder, dado que os povos aí existentes pareciam atrasados, primitivos, de fácil dominação, sem uma sociedade de sistema organizado e onde, por outro lado, a riqueza estava na terra e não à sua superfície — o ouro. Para Oriente o sentido tinha de ser outro, dado que em todos os locais onde os portugueses aportavam encontravam culturas bastante fortes, especialmente no que concerne à China. Para este lado interessava antes o comércio marítimo das especiarias, das pedras preciosas, do algodão ou da seda, que lhes tinha sido vedado pelo domínio do mundo islâmico.

O carácter da cidade medieval define-se pela atracção que provocava nas populações do meio rural, propiciando-lhes um ofício e uma ocupação. O surgir das cidades medievais na Europa deve-se precisamente ao desenvolvimento do comércio, que gerou uma sociedade composta por burgueses viajantes e mercadores fixos nos portos mercantis e onde se exerciam toda uma série de ofícios a ele ligados, como a armação de barcos, a fabricação de aparelhos de velejar, a fabricação de barris, a cartografia marítima, etc. É claro que a imagem deste tipo de cidade medieval é também consentânea com uma das suas características base que é a protecção em local dificilmente expugnável, como a imediação de um rio e em local de confluências e sinuosidades, situação que encontramos em todos os locais de presença portuguesa no Oriente. E em todas as cidades e feitorias que erguiam, o primeiro acto de construção consistia na elevação de novas muralhas ao longo do perímetro urbano.

Goa

Em Goa, que viria a ser sem dúvida o porto mercantil e militar mais importante em terras do Oriente, e após a conquista por Albuquerque, logo se pôs em marcha a execução de novos muros para a cidade, com orientação do arquitecto Tomás Fernandes, reforçando a fortaleza existente e dando-lhe o nome de "Manuel", consagrando-a à memória do rei D. Manuel. Esta fortaleza seguia o sistema da construção medieval, com os cubelos e torres tradicionais. Goa viu então a sua estrutura crescer em função do Mandovi, numa progressão radioconcêntrica extremamente rápida, tendência perfeitamente natural de uma cidade cuja expansão se gerara em função do porto e do rio. Dentro do recinto fortificado, as ruas principais de Goa partiam do centro em direcção às portas, de forma radial, e as secundárias ligavam-nas entre si, orientadas em função dos centros religiosos mais importantes. Goa resultou de um crescimento espontâneo e orgânico, em função de um comércio marítimo que começou inseguro, formalizado por via da necessidade, e cuja meta consistia em organizar novos enclaves, como pontos estratégicos de dominação total desse mercado rico do mundo oriental. A fórmula tradicional da urbe medieva estruturada em função do porto foi aqui nitidamente usada. O casario que se foi elevando recordava os exemplos da terra-mãe, o que era mesmo comentado por viajantes europeus, como nos refere Carlos de Azevedo transcrevendo Linschoten: "La ville est ornée de beaux édifices bâtis à la mode de ceux de Portugal".4 Em meados do séc. XVI Goa ganhara já uma enorme evolução, mas o seu apogeu só seria atingido no final do século, quando igrejas, palácios e edifícios públicos marcavam um esplendor citadino que demonstrava o resultado da fervorosa actividade comercial que fazia a atracção dos mercadores de todo o mundo oriental.

Vistas de Chinchéu, a partir da Fortaleza. (fig.2)

Malaca

Em Malaca, logo depois da tomada por Albuquerque, também logo seria ordenada a construção de uma paliçada para artilharia, que seria construída com madeira tomada aos juncos inimigos.5 No seu interior e perto da boca do rio começaram então a executar-se as fundações de uma nova fortaleza (com risco de Tomás Fernandes, como já fora a de Goa), esta com muros elevados em grandes blocos de laterite, de 12 pés de largura e 60 pés de altura (testemunhada por Gaspar Correia, escriba de Afonso de Albuquerque).6 Possuía a fortaleza uma torre de menagem quadrada, rematada por um coruchéu "cubérto de chumbo com todallas outras officinas que respondia á magestáde della".7 A cobertura da fortaleza era em terraço, usado pela artilharia, e em cada um dos seus cantos surgiam torreões cobertos de chumbo e estanho, metais existentes em quantidade na cidade. Esta fortaleza original foi completada logo em 1512, seis meses após a conquista, passando a controlar o estuário deste rio de Malaca. A fortificação, basicamente, englobava o monte de S. Paulo, e por tal tomou a forma de um pentágono irregular, com um dos vértices virado ao mar. Correspondendo à necessidade de protecção premente que se fazia sentir, foi elevado então um primeiro escudo de protecção, cerca de 1520, envolvendo todo o distrito, sob a forma de uma paliçada de madeira. Só no segundo quartel do século XVI é que a cidade seria muralhada, e a partir daquela torre e do corpo anexo é que se desenvolveriam os muros da fortaleza grande (que ficaria conhecida por "Famosa"),8 parte deles em boa taipa. Um dos principais arquitectos da "Famosa" foi João Baptista Cairato (Giovanni Battista Cirati), o "homem de Milão". Esta seria substituída por muros de taipa em 1539, mas só receberia o desenho final de Cairato, já de expressão renascentista, por volta de 1569. Para Malaca, Cairato proporia ainda uma ampliação da fortaleza a oriente e a substituição das paredes de taipa por pedra, mas esta obra nunca se chegaria a executar, o que veio mesmo a comprometer posteriormente a defesa da cidade perante o ataque dos holandeses.

Assim se foi Malaca estendendo ao longo do rio, cujo núcleo se formara naturalmente junto à boca daquele, dado ser o comércio a sua fonte económica. As casas pré-existentes, elevadas em relação ao solo, de paredes constituídas por fasquiado e revestidas por uma espécie de reboco e cobertura em folhas de palmeira, encontraram continuação no modo de construção dos portugueses, que adoptaram copiosamente as mesmas formas. Com efeito, num clima extremamente quente e húmido, como é o caso, só a experiência indígena de construção poderia possibilitar a ventilação necessária e uma correcta protecção a exposição solar tão intensa.

Intramuros, na margem esquerda do rio, desenvolvia-se o centro político e religioso, con-forme já se passava nos tempos do Sultanato. Aí mantinha-se a imagem de uma cidade perfeitamente medieval, de cunho militar e religioso bem definido (como demonstração do poder lusitano), englobando as principais instituições públicas e ostentando a "fortaleza velha", residência dos capitães e o verdadeiro centro administrativo. Agora salvaguar-dados, os novos edifícios foram ali a pouco e pouco apresentando a forma tradicional portuguesa de. construção em pedra, no caso presente em laterite, fácil de trabalhar. Também a estrutura da cidade era diferente nas suas partes: a cristã, intra-muros, apresentava uma planimetria de tipo nuclear, desenvolvendo-se a partir da colina de S. Paulo e consequentemente em seu redor, tendo como ponto proeminente a igreja e colegiada de Nḁ Srḁ da Anunciação (actuais ruínas de S. Paulo), pertencente à Companhia de Jesus;9 fora, as comunidades chinesa e indiana estruturavam os subúrbios de forma mais geométrica, organização imposta pelas suas crenças e tradições; ao longo do rio, os palafitas do Sabak impunham uma estrutura linear, e os malaios do Ilher apresentavam um tipo irregular na disposição dos seus casebres. O conjunto era assim o resultado integrado dessas partes distintas, que identificava a originalidade deste potentado comercial e importante centro religioso onde a mescla da população10 disfrutava, sob orientação portuguesa, de um clima de prosperidade crescente.

AS FEITORIAS NA CHINA

Tamão

Como já sabemos, o primeiro contacto com terras chinesas foi feito pelo feitor Jorge Álvares na ilha denominada então por Tamão (actual Leng-Teng). As primeiras imagens que se abriram aos olhos dos portugueses nas margens do estuário do Rio das Pérolas foram as de campos de arroz plantados em vastas extensões; muitas das ilhas por onde tinham passado anteriormente mostravam-se inabitadas, embora os seus ancoradouros fossem, no entanto, locais ideais para curtas estadias de pescadores ou descanso de piratas. Outras apresentavam já alguma presença urbana, demarcando-se os aldeamentos na base de uma colina ou promontório granítico, sempre enfrentando o mar e sempre envol-vidas de frondosas árvores, o que lhes garantia plena interligação à natureza. Tamão, situada a cerca de vinte léguas de Cantão, a três léguas a norte de Lantau (ilha que viria a ser englobada no território britânico de Hong Kong) e a três léguas de Nam-Tau (ou Nantó, já no continente chinês), conforme já a coordenavam Castanheda, Góis e Gaspar Correia, distinguia-se, populosa e confiante no seu porto, controlador de todo o tráfico marítimo e fluvial da zona. E aqui seria Álvares muito bem acolhido, o que podia prometer um futuro amigável entre os dois povos. O que é certo é que neste porto, com a chegada de Peres de Andrade em 1516, se estabeleceriam alguns portugueses, para mercadejar, e aqui levantariam algumas casas. Estas resultaram da anuência do Tutão de Cantão ao primeiro pedido efectuado por Fernão Peres para construção de um armazém que protegesse a mercadoria das intempéries e da vilania dos homens. Pouco se sabe dessa primeira instalação portuguesa, mas resquícios de inscrições lusas lá restam, possivelmente advindo da fortaleza que Simão de Andrade, sob pretexto de defesa contra os piratas, resolveu levantar em 1519, exactamente na linha do conceito usado nas cidades referidas anteriormente; embora basicamente de madeira, possuía grandes bases em pedra e pórticos no mesmo material, o que naturalmente permitiu a permanência de alguns vestígios. Interiormente a esses muros a estrutura urbana formara-se irregular, com edifícios de características simples, mas que, no entanto, conseguiria prevalecer, como nos relata um autor do século passado: "As ruas são todas calçadas de pedra, e a maior parte tortuosas, e embaraçadas pelos vendilhoens, e artifices, que difficultam a passagem de carruagens."11 O sistema urbano tradicional chinês significa regularidade e geometria na definição dos arruamentos, donde se justifica o pressuposto de que, em certas zonas, Leng-Teng tivesse adquirido uma gramática medieval ocidental. Quando em 1521 os portugueses foram expulsos desta ilha, a zona onde a comunidade portuguesa se fixara foi completamente destruída, mas ficariam sempre marcadas naquele chão as marcas das pisadas dos "homens de barba longa".

Liampó

Em 1524 chegaram a Liampó os primeiros portugueses, afastados que haviam sido de Tamão. Ao revés das ordens imperiais, que proibiam o comércio com os fulankis,12 alguns chineses "emigrados", subornando os mandarins, conseguiram encontrar um local para poder instalar os estrangeiros, de quem dependiam para poder estabelecer as suas trocas comerciais. Assim, numa enseada escondida da foz do rio Fuchun,13 situada na província de Che Kiang, criaram um porto onde rapidamente o comércio floresceu.

Muro de taipa em Chinchéu. (fig.3)

À entrada desta barra, a três léguas da costa, encontravam-se duas ilhas, por entre as quais "vai um canal de pouco mais de dois tiros de espingarda, de largo, com fundo de vinte até vinte e cinco braças, e em partes tem angras de bom surgidouro e ribeiras frescas de água doce, que descem do cume da serra por entre bosques de arvoredo muito basto de cedros, carvalhos e pinheiros mansos e bravos, de que muitos navios se provêem de vergas, mastros, tabuado e outras madeiras, sem lhes custarem nada."14 Estas ilhas,"a que os naturais da terra e os que navegam aquela costa chamam as portas de Liampó",15 funcionavam como uma protecção natural, fechando a barra e, por tal, era este um local ideal para a instalação duma povoação com as características que esta possuía, permitindo refúgio, por um lado, do poder institucional e, por outro, garantindo a defesa contra ataques provenientes do mar (da pirataria constante). Nessas duas ilhas estabeleceram os portugueses bases de vigília, e quase sempre era necessário aos navegadores pararem aí antes de chegarem a terra firme.

É também difícil chegar à verdade sobre esta antiga cidade portuguesa no Oriente. As descrições coevas são sempre muito vagas e generalizadas e os vestígios foram quase todos apagados, dado que esta feitoria foi completamente destruída pelos chineses em 1548. Segundo Montalto de Jesus restavam ainda no século passado "... as ruínas de um forte em Chin-hae de construção nítidamente europeia, com as armas nacionais de Portugal gravadas num portão, e o próprio templo, perto do Portão da Ponte, que foi atribuído aos portugueses de 1528 como a Associação de Recepção de Estrangeiros."16 Como se passara em Tamão, percebemos que uma das primeiras intenções dos portugueses nestas paragens era a de rapidamente erguer uma forte protecção murada o que, tendo a priori em atenção a salvaguarda dos seus perante estes locais que lhes eram estranhos e lhes vinham sendo adversos (com ataques sempre possíveis de piratas ou de mandarins descontentes), também por outro lado permitia demarcar a sua fixação.

Implantação do templo de A-Má e da aldeia chinesa da Barra. (fig.7)

O crescimento desta cidade não esperaria por regras ou planos pré-estabelecidos. Logo desde o princípio se retomaram os movimentos comerciais e, por tal, a feitoria foi-se expandindo como os nossos sabiam: através de uma rua central, a "rua direita" tão conhecida das nossas cidades metropolitanas, onde se estabeleciam os edifícios públicos e religiosos mais nobres e a partir da qual se estruturavam as outras ruas e vielas. No seu relato da recepção feita a António de Faria a propósito da vitória sobre o pirata Coja Acém, Fernão Mendes Pinto descreve-nos um pouco dessa rua: "Depois de ser desembarcado em terra e lhe serem dados os parabéns da sua chegada, (...)o levaram para a igreja por uma rua muito comprida, fechada toda de pinheiros e louros, e toda juncada, e por cima toldada de muitas peças de çetins e damascos, e em muitas partes havia mesas em que estavam caçoulas de prata com muitos cheiros e perfumes, e entremeses de invenções, muito custosos. E já quase no cabo desta rua estava uma torre de madeira de pinho, toda pintada a modo de pedraria, que no mais alto tinha três coruchéus, e em cada um uma grimpa dourada com uma bandeira de damasco branco e as armas reais iluminadas nela com ouro; e numa janela da mesma torre estavam dois meninos e uma mulher já de dias chorando (...)"17 Segundo Pinto, havia no seu tempo seis ou sete igrejas em Liampó, entre as quais se contava a matriz, de invocação a Nḁ Srḁ da Conceição, que se abria à Rua Direita. Perto, um grande largo se abria, bem definido pelas casas que o rodeavam. Estas, no todo da cidade, ultrapassavam o milhar, apresentando-se muitas de grande dimensão e "bom estofo".

Esta cidade mostrava-se sem dúvida "o melhor e mais rico porto que então se sabia em todas aquelas partes",18 e através da sua importância crescente se ia também induzindo a população local às tradições e costumes medievais duma sociedade ocidental. É tão curiosa a descrição daquele cronista sobre a recepção a António de Faria, que não resistimos a mais uma transcrição da sua Pereginação onde os motivos da "Festa" medieval se mostram embrenhados no quotidiano destas gentes "desterradas": "Abalando-se daqui António de Faria, o quiseram levar debaixo de um rico pálio que seis homens dos mais principais lhe tinham prestes, (...), e levava diante de si muitas danças, pélas, folias, jogos, e entremeses de muitas maneiras que a gente da terra que connosco tratava, uns por rogos, outros forçados das penas que lhes punham, também fazia como os portugueses, e tudo isto acompanhado de muitas trombetas, chamarelas, flautas, orlos, doçainas, harpas, violas de arco, e juntamente pífaros etambores, com um labirinto de vozes à charachina, de tamanho estrondo que parecia coisa sonhada. "19

Empena em "pega de frigideira" no Templo de A-Má.

Em todos os passos destas suas descrições, sente-se bem a prosperidade e a segurança que Liampó fazia transparecer, esplendor que se devia ao trato com o Japão. Assim, em 1544, havia uma municipalidade já formada, com a casa da Câmara e os seus magistrados, ouvidores, juízes, vereadores, provedor-mor dos defuntos e dos orfãos, escrivãos, tabeliães, etc., e a Misericórdia permitia-se ao dispêndio de avultadas somas (cerca de trinta mil cruzados anuais) na manutenção dos templos e hospitais de pobres. Três mil europeus (mas apenas cerca de 1200 portugueses, muitos deles "casados") ali viviam em mais de mil casas particulares, o que representa bem o forte empório que ali se formou. Mas "Estavão já os Portuguezes tão ufanos e tão senhores de sy, que gastando seus cabedaes em erigir edificios e fabricar pallacios, em terras que não eram suas, mas sim de Idolatras gentios, com quem tinhão pouco trato, sem conciderar que só o tempo que estes quizessem se poderião concervar naquelle terreno alheio, se forão cada vez mais influindo cuidando só no modo de negocio para mais se avultarem em riquezas."20. E assim como a cidade se fez, também se desfez, pois como Pinto dizia "incertas são as coisas da China": em 1545, dias depois de um ataque efectuado por um grupo de portugueses à aldeia de Nou-Day (a duas léguas de Liampó) como retaliação a um saque que chineses haviam feito a um tal Lançarote Pereira, uma frota de trezentos juncos e sessenta mil chineses invadiram a cidade, destruindo-a por completo e provocando enorme carnificina entre os cristãos ali residentes, incendiando também todas as naus que se encontravam então fundeadas no porto.

Chincheu

Após aquele descalabro, restou apenas aos poucos sobreviventes a fuga para onde pudessem encontrar amparo, amontoando-se em alguns juncos que se haviam salvado da destruição. Já na província de Fukien, zona montanhosa, e em local que em 1518/19 Jorge de Mascarenhas havia visitado, a cem léguas da destruída Liampó, estabelecer-se-iam os foragidos, junto de uma povoação chamada Chincheu, perto da cidade de Amoy (actual Xiamen). Em cerca de ano e meio aquela seria dominada pelo fulgor comercial logo empreendido pelos portugueses, que a partir de Malaca dali fizeram necessariamente um entreposto, dado o desapareci- mento das anteriores feitorias.

Planta de Macau, c.1912. Implantação das provoações de Macau, Taipa e Coloane, segundo orientação similar. (fig.17)

Se das anteriores cidades pouco se sabe, desta são quase nulas as notícias, facto no entanto estranho porquanto aquelas comentam a pujança que também esta cidade obteve. Pela localização percebemo-la abrigada dos ventos de nordeste que nesta zona são fustigantes, implantada no interior duma enseada, a Baía de Liu-Loo. Segundo um autor do século passado, encontravam-se ainda então, no centro da baía,"restos d'uma fortaleza, de cantaria, e de construcção ao gosto mourisco" 21, o que equivale a afirmar, uma estrutura militar de perfil medieval, com a procura das grandes torres e cubelos ultra-semicirculares que dominavam as muralhas. Ainda conforme o mesmo autor seria nítido, pelo que as ruínas podiam mostrar, um "trabalho d'outras mãos differentes das dos chinezes".22É claro que assim teria de acontecer, pois temos notícias de que essa feitoria cresceu rapidamente e, por conseguinte, com a experiência dos reveses anteriores, naturalmente se pensaria em fortificá-la, mesmo que numa pequena escala. Estamos em crer que essa fortaleza estaria ainda em construção por volta de 1549, dado que é nessa altura que se processa a destruição da cidade que, como se deduz do relato de Femão M. Pinto, foi extremamente rápida, o que não aconteceria se as muralhas já estivessem consolidadas; além do mais, não haveria decerto capacidade, em dois anos e meio, para a construção total de uma obra de tal envergadura.

No sítio onde terá existido tal cidade, podemos encontrar a pequena aldeia de "Au-Tchém",em local a nascente e relativamente próximo de "Tchin-Tchau"(como se pronuncia em mandarim), de situação privilegiada na entrada do Rio Tchin. A baía encontra-se agora muito assoreada, mas outrora, segundo contam os residentes, recebia barcos de grande tonelagem. Para os portugueses fugidos aquele seria, sem dúvida, o local ideal para um porto abrigado mas que poderia propiciar rápida fuga em caso de um ataque por terra; por outro lado, a sua situação permitia criar uma povoação que, elevada em relação ao porto, possibilitava uma visualização total de toda a paisagem envolvente (ver figs.1 e 2).

Como testemunho daquela fortificação restam ainda hoje partes de grandes muros, que segundo os residentes provêm dos tempos da dinastia Ming, quando uns estrangeiros ali se terão estabelecido. São executados em taipa, de técnica tradicional portuguesa, com as suas várias camadas bem compactadas e com os característicos furos resultantes da ligação da cofragem (ver fig.3). A fortificação foi, deste modo, basicamente constituída por muros de taipa, e dentro do possível terá sido executado um trabalho em alvenaria de granito,23 explicando-se assim a sua existência (embora naturalmente em ruínas) ainda no século passado. Com todos os aterros que ali se foram efectuando ao longo dos últimos tempos, e com a necessidade de utilização de pedra já talhada para as obras que se foram executando — como os pontões e a antiga estrada marginal do porto (hoje já soterrada) — fatalmente se processou a destruição daqueles vestígios do porto e da cidade comercial.

Aires Botelho de Sousa, provedor dos defuntos, viria, com as suas atitudes gananciosas, a comprometer a permanência da comunidade portuguesa naquelas paragens, provocando o corte de relações com as gentes locais. Com ele veio o corte dos mantimentos de que os nossos necessitavam, sendo então obrigados a assaltar algumas aldeias vizinhas para conseguirem adquirir algumas provisões. Esta atitude veio gerar uma revolta por parte das autoridades chinesas que nos expulsariam sem dó daquele local.

Era, no entanto, necessário continuar o intercâmbio comercial nestas terras do Oriente, de que toda a Nação estava agora dependente.

Cumeeiras dos pavilhões no Templo de A-Má.

Shanchuan

Insistiu-se assim em procurar um novo porto em Shanchuan, ilha a sul da província de Guangdong. Ao mesmo tempo, era necessário tentar evangelizar os nativos, por forma a tentar, aproximando-os da Lei de Deus, renovar-lhes a confiança nos "falankis". Daí o aparecimento da importante figura de S. Francisco Xavier, o "apóstolo do Oriente", que aqui faleceria em 27 de Novembro de 1552, contando 52 anos. É claro que a insegurança era agora uma realidade, e por tal não se permitiam agora os portugueses grandes edificações. Neste sentido, podemos dizer que não chegou a haver um estabelecimento português neste local, um porto concreto onde se pudesse enraizar uma cidade. Qualquer estrutura construída tinha de ser entendida apenas num sentido efémero, dado que a estadia nesta ilha era pensada apenas como um modo de aguardar pelas monções favoráveis à continuação do percurso entre Malaca e o Japão. Assim, nesses três ou quatro meses que constituíam geralmente o período de tempo ali passado, as habitações consistiam em barracas que eram executadas à base de ramos de árvores e recobertas com esteiras feitas a partir das folhas daquelas. Também o bambu era utilizado,24 dado ser um material extremamente versátil e cuja experiência de utilização na construção já havia sido adquirida dos chineses pelos nossos, ao longo dos vários anos passados nestas terras. Por outro lado, era muito usado o sistema de tendas executadas a partir dos remos e das velas dos barcos, como aliás nos transmite Faria e Sousa: "Ya por los años de 1550 frequentavan los Mercantes Portugueses la Isla de Sanchuan (o Sancham como ellos la llaman) a las puertas de la China, por parte de Cantam; pero sin viviendas finas, porque solo de ramas, y de los velames de sus navios, componian unas cavañas que duravan lo que durava la assistencia alli a sus comercios."25 Dado que cada navio transportava sempre consigo uma andaina de velas,26 este sistema tornava-se bastante prático para os marinheiros que dominavam bem as técnicas da tensão e da tracção, adaptando-as à execução desse tipo singelo de arquitectura.

Lampacau

Daí, o passo seguinte foi Lampacau (Long--Pek-Kau), ilha a seis léguas a nordeste da anterior, a sul da Baía de Hsing Shan. Em 1555, com os jesuítas da Missão do Japão, este porto começaria também a expandir-se e a ilha, que então era deserta e despovoada, viria a pouco e pouco a ser ocupada por "casas palhisas" e mesmo a possuir uma igreja. Em meados de 1556 eram já em número de trezentos os portugueses que lá residiam, e em 1560 ultrapassavam os quinhentos, mas tendo sempre que pagar direitos para ali se manterem instalados. Esse porto passou então a receber os "Navios de Malaca" que procuravam o comércio com Cantão, cujas portas mercantis se haviam aberto entretanto novamente aos estrangeiros.27 Nesta feitoria, os portugueses, como em Shanchuan, não se arriscaram a grandes construções, e não se chegou a definir uma estrutura urbana propriamente dita. A estadia, se bem que agora com um sentido de estabilidade maior, era ainda semelhante à que se fazia anteriormente em Sanchuan, com barracas construídas com ramos de árvores e bambus, cobertas de cascas de árvores. Dado que vigorava a obrigatoriedade de os portugueses manterem os navios ao largo, não se proporcionava aqui a execução de tendas tão práticas, mas também tão frágeis, como as que haviam sido comuns naquela ilha anterior. Só com Leonel de Sousa, comodoro de uma frota do Japão, aquela exigência seria eliminada, mas também numa altura em que o comércio se começava a efectuar num outro local que prometia garantir fixação perfeitamente legalizada. Efectivamente, já a partir de 1553 os portugueses haviam começado a pisar o solo de Macau.

MACAU — O URBANISMO E A ARQUITECTURA

Este estudo procura englobar apenas as origens de Macau, e sobre elas reflectir, desde os seus primeiros passos medrosos como agrupamento urbano até ao assumir pleno da sua estrutura de cidade. Este período, que se inicia em 1552, quando dos primeiros contactos dos portugueses com a península e ilhas adjacentes, e se desenrola até à segunda década do século XVII, decorre em três fases que consideramos distintas: a ocupação do local; a estabilização; a certeza no futuro.

A ocupação do lugar

No regresso da viagem do Japão,28 sabemos que os navegadores portugueses, no encalço de Shanchuan, tiveram desde cedo contacto com Macau. Esse contacto reforçou-se quando do recomeço das trocas comerciais legalizadas com a China, e, no retorno da feira de Cantão (a maior do Sudeste Asiático) a Lampacau, os portugueses pediram mesmo autorização para lá poderem desembarcar, como referem documentos chineses: "No 32° ano (1554) principiaram os barcos estrangeiros a pedir, verbalmente, que, em virtude dos seus barcos terem sido batidos pelo vento e pelas ondas, de-sejavam o empréstimo da terra de Hou-Kèang (Macau), para secar todos os artigos dos tributos, molhados pela água. "29

Macau era uma pequena península onde se encontravam óptimos ancoradouros, especialmente no lado noroeste, abrigado dos fortes ventos e tufões. A rodeá--la encontravam-se várias ilhas, Patera (Ilha dos Padres ou Lapa), T'ó-Mei (D. João ou Ma-carira), Tai-Vóng-K'âm (ou da Montanha), Kai-Kéang (ou Taipa) e Kâu-Ou (ou Coloane). Estas ilhas não se encontravam habitadas, embora servissem, em determinadas ocasiões, como abrigo de piratas. Em Macau, no entanto, duas aldeias chinesas ali existiam já, com os seus "tchi-tóng"(pavilhões ancestrais onde são veneradas as estelas dos antepassados), as suas capelas e os seus templos. Nestes, a madeira era naturalmente o material privilegiado da cons- trução, bem como o tijolo e a telha cozidos ao forno, exactamente como nos outros exemplares arquitectónicos que se podiam encontrar então neste país, quando imperava na China a tribulenta mas vigorosa Dinastia Ming. Pela comparação com exem- plares arquitectónicos de épocas anteriores, o teor construtivo do período Ming, época sem dúvida de apogeu, é o "lello" mais representativo da arquitectura da China, e também aqui a esta península chegaram as suas influências.

O crescimento da cidade china e a transformação da península no Século XVIII. (fig.23)

Na Barra, topo sul de Macau, encontrava-se o templo de Ma-Kok, omais antigo (elevado em louvor da deusa Amá, ou Ma), no qual teve origem, segundo se crê, o nome da península. À chegada dos portugueses, o templo de Ma-Kok organizava-se numa série de pequenos pavilhões, bem representativos do estilo Ming, distribuídos de forma magistral ao longo da colina da Barra, perfeitamente integrados na natureza envolvente, interpenetrando-se com os rochedos do local. A sua arquitectura, desenvolvia-se não em função de si, mas em função do ambiente paisagístico que o rodeava. Esse era o cariz muito próprio da arquitectura chinesa, fazer-se compreender como peças intrinsecamente ligadas ao ambiente paisagístico envolvente, realçando não o seu valor por si mas em comunhão com a natureza. Construído nos primórdios da Dinastia Ming, manter-se-ia até aos finais do século passado intocável, altura em que foram necessárias obras de reparação, feitas a custos de comerciantes de Fuquien. Hoje podemos vê-lo um pouco mais ampliado que então, mas mantendo na sua fisionomia o carácter original. Ali estão os mesmos telhados em "xie shan" (duplo telhado, em que originariamente o inferior não era mais do que a cobertura de uma galeria envolvente do corpo principal), em "ren zi" (cobertura em duas águas), este com uma variedade de empenas e cumeeiras30 (inclusivamente adoptando também a forma de "juan peng", que consiste na eliminação da cumeeira pelo arredondamento da cobertura no topo), que imprimem um vigor e um movimento extraordinário aos volumes construídos, originando a atracção do fiel e despertando nele um forte sentimento religioso. A força expressiva do "peifang" (arco cerimonial usado apenas nos portais dos edifícios mais importantes), no segundo pavilhão, torna este o centro de adoração de todo o templo. Nos rochedos graníticos vêem-se poemas gravados, todos eles exaltando a beleza do lugar.

Calçada do Botelho, a primeira Rua Direita. (fig.15)

Em redor deste templo estruturava-se, de forma relativa-mente regular, a aldeia de pescadores, provenientes da província de Fuquien.,31 Compunha-se de modestas habitações de um e dois pisos, com a mesma cobertura de duas águas (simples e fácil de construir), por entre as quais se delineavam ruas estreitas, pavimentadas de grandes lajes. Estas casas, alinhadas em banda, mantendo a estrutura tradicional, conseguiam formar um conjunto coeso no sopé da colina da Barra, o que lhe permitiu garantir o seu desenho urbano até aos dias de hoje (ver fig.7). O lugar beneficiava de excelente "fông-sói",devido à sua implantação em local que apresenta grande conforto natural — abrigo virado a sudoeste, protegido pela colina dos ventos frios de norte e próximo da água. O "fông-sói", ou geomancia chinesa, é uma ciência tradicional, milenária, que dá especial importância às aparências, às lendas e mitos, onde tudo tem uma explicação simbólica e que se baseia na concepção de que se deve perscrutar primeira- mente as implicações naturais ou sobrenaturais de que qualquer acto se pode envolver."Quando um grupo de seres humanos se instala numa zona desabitada do planeta e aí decide construir os seus lares, erguer a sua cidade ou desenvolver a sua actividade agrícola, ele actua sobre o meio que o rodeia, transformando-o. E este, por seu turno, segundo defende a doutrina chinesa do 'feng-sui',32 reage sobre aqueles que produziram as alterações. Uma reacção que será positiva ou negativa consoante tenham ou não sido respeitadas as leis da natureza. "33 Nestas crenças, embora com justificações supersticiosas em relação ao desconhecido, encontramos acima de tudo uma vontade grande de integração com a natureza e de bem estar em relação a ela.

A norte da península, perto da colina de Mong-Há, espraiando-se até à Ribeira de Patane, surgia Mong-Há-Tchun (a aldeia que contempla "H'á-Mun"), 34 de cariz essencialmente rural. Esta aldeia, a mais antiga de Macau, onde viviam descendentes de fuquinenses35 fugidos quando das invasões que estabeleceram a dinastia Ming, havia nascido aqui nos primeiros anos dessa dinastia. Procurara os campos pantanosos para cultivo do arroz e de "tong-tchói" (uma planta aquática), mas a sua localização fora também ditada pelo "fông-sói", visto que ali, no sopé da colina, encontrava protecção dos ventos de norte, beneficiava de sol todo o ano e estava a salvo de inundações. Tais condições eram aliás consideradas como condicionantes na escolha do local para elevação de qualquer aldeia, vila ou cidade, sem ser muito elevado nem muito baixo, por forma a ter sempre em conta o bom fornecimento de água e facilidade na drenagem; deveria assim permitir a existência de canais para transporte constante de água, sendo aqueles executados de modo a que nunca ocorresse perigo de cheias. 36 Aquele lugar era então um perfeito abrigo, qual ninho de andorinha, 37 "baixa abrigada por colinas favoràvelmente dispostas, uma das quais a contornava como delicada folha de loto, de comprida haste, representada pelo istmo que liga Macau à antiga ilha do distrito de Héong San Un. ". 38 E claro que tal lugar exigia a elevação de um templo, e a essa obra dariam mãos os aldeões de Mong-Há, entusiasmados pela venturosa aparição de uma estatueta de Kun-Iâm, deusa da misericórdia. Esse templo era composto por pequenos edifícios regidos por linhas horizontais e pequenos volumes paralelepipédicos, de que hoje ainda resta um exemplar, e, naturalmente, conforme também as tradições e as características do estilo Ming, o apelo ao sentido visual era uma constante, com o emprego dum engenhoso aspecto decorativo de múltiplas variedades, com o detalhe a cativar o olho humano. 39 Mas esta decoração arquitectónica possuía um cunho muito especial, dado que estava intrinsecamente ligada aos elementos estruturais e não apenas apenso a eles, surgindo para servir a função prática e como parte integrante da arquitectura, não sendo portanto simples ornamentação.

Reconstituição conjectural de cobertura em casca de árvore (C. Baracho).

A aldeia desenvolver-se-ia em redor do modesto templo (mais tarde "abafado" pelo aparecimento do Kun-Iâm-Tong, mais a nordeste), cujas habitações eram então executadas em bambu (de que havia grande quantidade em Macau) e revestidas de ola (folhas de palmeiras locais), com cobertura em palha de arroz. Mais tarde, estas construções residenciais seriam a pouco e pouco substituídas por conjuntos de pequenos edifícios que se apresentavam de forma alongada, distribuindo-se segundo um eixo central ao qual se ligavam pátios, galerias e salas. O planeamento básico de uma casa era regido pelos princípios éticos de Confúcio, 40 que reflectem o poder e a autoridade da estrutura patriarcal da família chinesa, esta seguindo um rígido sistema hierárquico. Assim, aquela era a melhor forma para exprimir esse conceito, com a distribuição dos volumes que constituíam a casa segundo um eixo que imprimia a forma simétrica ao conjunto, onde as salas se sequenciavam aos pátios, 41 sendo sempre as de maiores proporções reservadas aos mais velhos da família e colocadas a norte, enquanto que a este e oeste se distribuíam as reservadas aos mais jovens. Em cada um dos corpos, colunas dividiam o espaço interno e os elementos estruturais apresentavam-se bem acusados. Como no resto da província de Cantão, onde o clima é quente, estas casas tendiam a possuir vários pátios mas pequenos, por forma a permitir uma fácil circulação de ar. A entrada principal destas casas virava-se sempre a sul e era apenas nessa entrada que se destacava algum adorno. Por aí se via a importância e o "status" da casa, por vezes acompanhada de alguns dísticos ou versos nas ombreiras ou nos pilares que rodeavam a porta. Nesta se poderiam notar mais motivos ornamentais, que apenas procuravam expressar a filosofia ou as crenças que regiam a família. 42

Aquelas características manter-se-iam em Macau de forma marcante, dado que mesmo ainda no séc. XIX se viriam a construir edifícios residenciais, se bem que de características híbridas, mas segundo a tipologia perfeita daquela casa-pátio chinesa.

O princípio da ocupação da península pelos portugueses fez-se na base da colina onde se situa actualmente o Jardim Camões, local situado a meio do caminho de ligação existente entre o Istmo e a Barra (os dois extremos da península) e a meia distância entre as duas aldeias existentes. Para além da ligação directa ao mar, tal localização possibilitava-lhes, assim, a troca directa de produtos com a população local, por um lado com a aldeia da Barra que também se dedicava ao tráfego marítimo, e por outro com a de Mong-Há, de onde facilmente poderiam receber os produtos vindos por terra. Era de todo o interesse, também, que quem se dirigisse à aldeia da Barra cruzasse obrigatoriamente a instalação portuguesa, o que mais facilmente induzia a. trocas comerciais. Aquele local era assim o ideal e, para além daquelas vantagens mercantis, garantia ainda protecção natural aos ventos de sudeste (ver fig.9). Prova deste facto é que a elevação da primeira igreja matriz (correspondente à de S. António), logo nos primórdios da povoação, foi feita nesta zona, bem como se mantém na toponímia do lugar o nome da Rua dos Mercadores, onde efectivamente se processava o comércio, bem como a Rua dos Colonos, que de algum modo reverte para uma "colonização" da península pelos portugueses, com origem neste lugar. Este primeiro estabelecimento desde logo seria estruturado a partir de uma rua central (coincidente com a actual Rua do Tarrafeiro), de onde se expandiu para ambos os lados em sistema de espinha, rua essa que culminava na igreja referida.

A experiência de todos os anteriores estabelecimentos em terras sínicas aconselhavam a grande precaução na ocupação do lugar. A criação de mais um porto, quando ainda se mercadejava em Lampacau, era facto que as autoridades chinesas certamente não veriam com bons olhos. A permanência não era, portanto, de início, encarada como um facto seguro. Assim, qualquer elemento construído era necessariamente entendido como de carácter efémero, como já se fizera em Shanchuan e Lampacau.

A "Rua Direita" e as vias secundárias de Macau. (fig.18)

Os primeiros exemplos de construção em Macau, executados pelas mãos dos portugueses, carreavam uma prática anterior apreendida em paragens do Oriente. A primeira apren-dizagem provinha da Índia, com o primeiro contacto com os goeses. A adaptação aos materiais locais e a tecnologia desenvolvida de forma a vencer as condicionantes climatéricas tinham ali sido de extrema importância, dado que nas feitorias seguintes se haveria de deparar com materiais similares de uso local. O clima, no entanto, variava de região para região, não tanto em questões de temperatura, mas antes em relação a tipos de intempéries, e, por tal, podemos afirmar que os navegadores lusitanos, quando chegaram ao "ancoradouro de Amá", estavam já bastante versáteis na utilização do bambu e variadas madeiras, no trabalho de entrelaço de folhas de palmeira, na utilização de peles de animais, etc. Embora fatalmente destinadas a rápido desaparecimento, dadas as características climatéricas locais, com tufões constantes nas épocas estivais, as primeiras tipologias de arquitectura efémera em Macau demonstravam aquela facilidade de apren\-dizagem e aquisição de léxicos construtivos, juntamente com a necessidade de adaptação aos padrões de gosto e conforto de que os portugueses sentiam necessidade. É claro que, por motivos óbvios, não há hoje existência desta "arquitectura", e, infelizmente, também não possuímos provas documentais concretas (embora existam algumas descrições coevas, genéricas, já referenciadas) dessas formas construídas, mas temos em nós a convicção de que, pelas tipologias efémeras tradicionais ainda hoje utilizadas, pela consonância das tendências da construção portuguesa com as de cada região onde os portugueses se estabeleceram, e com aplicação tão consentânea dos materiais existentes com o tipo de clima que nesta zona se faz sentir, as primeiras propostas construídas pelos "falangis" não poderiam ser outras. Daí a apresentação seguinte de três tipologias que certamente foram utilizadas.

Reconstituição conjectural de um dos primeiros exemplares de construção em Macau (arquitectura efémera), (C. Baracho). (figs.11 e 12)

Assim, os primeiros exemplos de volumes construídos em Macau foram pequenos casebres de estrutura em bambu, cujos elementos verticais eram "estacados" no solo e "amarrados" pelas canas dispostas na horizontal, estas bem unidas entre si e fazendo prisão através de fitas feitas a partir da casca de canas do mesmo material ou de folhas de ola. Para casas maiores, como a do "registo" (onde se registavam as mercadorias e onde se reuniam os capitães), utilizavam-se ainda, nos pilares e traves mestras, as vergas e retrancas de bordo. As paredes consistiam apenas na justaposição das referidas canas de bambu, que permitiam a possibilidade de ventilação cruzada, minimizando a terrível humidade; quando necessário, por mudança climatérica (especialmente devido às chuvas), eram-lhes apensas peles curtidas de búfalo43,perfeitamente estanques, tanto no que se refere à água como ao vento frio do Inverno (ver fig.11). Estas peles eram também usadas na cobertura, justapostas nos barrotes estruturantes daquela, e presas através de meias canas de bambu, que lhes davam o apoio final (ver fig.12). As portas e janelas eram executadas da mesma forma que as paredes, mas geralmente com distribuição vertical das canas, sendo a dobradiça executada pelo encaixe da cana extrema, mais longa, presa à parede da casa (ver fig.13). Este sistema de habitação tinha a desvantagem de ter que jogar com a imprevisibilidade do tempo, dado que as peles não podiam ser mantidas constantemente como revestimento das paredes, pois absorviam demasiada-mente o calor, provocando o efeito estufa. Paralela-mente, executavam outro tipo de construção, também baseada na utilização do bambu, mas cujo revestimento era em casca de árvore (ver fig.14). Este material, mais fácil de adquirir dado que, como o bambu, era recurso directo da natureza, tinha ainda a vantagem de permanecer onde fosse aplicado pois, protegendo dos ventos e das chuvas intensas, conseguia manter uma temperatura suportável no interior da habitação desde que salvaguardadas aberturas que garantissem a ventilação cruzada; estas eram geralmente colocadas no topo das paredes e logo abaixo da cobertura. De qualquer modo, este sistema não conseguia a frescura da estrutura livre de bambu do modelo anterior, e neste as cascas de árvore actuavam como um material fixo. A prisão destas peças de madeira era, de igual modo, feita com meias canas de bambu; na cobertura, essa prisão era reforçada com fiadas igualmente repartidas de casca de árvore, por forma a evitar os grandes vãos desprotegidos de canas de bambu e por conseguinte a evitar que estas se soltassem. A terminar todo o conjunto, grandes troncos de bambu procuravam reforçar a estrutura por forma a equilibrá-la e contrabalançá-la contra as acções dos ventos mais fortes.

Estas duas formas de construção levaram à adopção de um sistema posterior que procurou colmatar os problemas que se notavam na utilização daqueles. Assim, passou a utilizar-se um tipo de parede em verga, executada a partir de folhas de palmeiras ou de canas de bambu (quebradas e feitas em tiras). As paredes constituídas simplesmente por este sistema tornavam-se extraordinariamente frágeis e, por conseguinte, era necessário reforçá-las com uma estrutura coesa de canas — no fundo baseado no princípio do primeiro exemplo focado — criando um tipo de parede "sanduíche". A cobertura procurava ser em colmo, feito de folhas de palmeira, mas dada a espécie aqui existente e a quantidade relativamente limitada de exemplares, mantinha-se em geral a utilização do referido sistema de crosta de árvore.

Evolução da cidade de Macau até meados do Século XVII. (fig.19)

Sempre que possível, os exemplos focados anteriormente eram elevados do solo, mas tal dependia do tempo permitido à execução da obra. Assim, é essencialmente no último caso apresentado que tal se verificou, dado que este representa um sistema mais cuidado e elaborado de construção, ou seja, de uma fase em que se poderia denotar uma confiança crescente na permanência neste local. Essa elevação provinha de aprendizagem feita em Goa e Malaca, e permitia fugir das térmitas e outros insectos perniciosos, bem como permitia, através da criação de uma caixa de ar inferior, a circulação do ar, consentindo por conseguinte um arejamento e frescura no interior do habitáculo.

Mas a pouco e pouco ia-se estabelecendo a confiança no lugar, e sentia-se a necessidade de construções mais seguras. Assim, foram-se substituindo as paredes, quando possível, por tijolos de argila negra, material de uso vulgar nesta província. Conta-nos a Monografia de Macau: "O Subprefeito da Defesa Costal, Uóng-P'ák, consentiu-lhes (refere-se ao primeiro desembarque dos portugueses em Macau). Ao princípio só construíram habitações de colmo e os negociantes que monopolizavam lucros ilícitos, a pouco e pouco, foram-lhes trazendo telhas vidradas e côncavas, barrotes e ripas para construir casas./ / Os 'fát-lóng-kei' puderam então entrar, desordenadamente. As altas colunas de madeira e as elevadas traves juntavam-se tão apertadamente como os dentes de um pente, uns em frente dos outros. "44

É pois a partir daqui que a construção passa a ter características que possibilitam um desenvolvimento consentâneo com o crescimento de uma estrutura urbana que naturalmente sentia a necessidade de se expandir. Esta situação encontraria, no entanto, eco noutros factores que viriam contribuir para a presença definitiva dos portugueses neste lugar.

A estabilização

"Com o tempo, a sua permanência tornou--se um facto consumado. Portanto, a entrada dos estrangeiros, para residir em Macau, data do tempo de Uóng--P'ák. " Comenta-nos desta maneira ainda a Monografia de Macau, que explica assim, de modo incompleto, a fixação dos navegadores lusitanos neste local. Foi com efeito nessa altura, em 1557, que os nossos alcançaram do imperador da China, Kio-Tsing, a "chapa de ouro", 45 permissão de residência de forma definitiva em Macau, embora de início pagando "foro de chão". 46 Mas a posição portuguesa no lugar não se marcara apenas na pequena península, pois já se havia alargado ao distrito de Héong-Sán (ou Hian-Chan): "A segunda vantagem que tinhamos era não só a do Domínio absoluto, e independente na Peninsula, e Cidade de Macao, mas em huma grande parte da Ilha de Ançam, coquistada pelas Armas Portuguezas, (...); e naquele Território tinhão os Portuguezes, varias Fazendas, donde tiravão muitos dos Generos, que lhes eram precizos para a sua subsistencia, sem alguma dependencia dos chinas. "47

Reconstituição conjectural de um dos primeiros exemplares de construção em Macau (arquitectura efémera), (C. Baracho). (fig.13)

Começava agora uma nova época para o estabelecimento português e para a sua evolução arquitectónica. "Nesta Ilha, e porto de Macao uiuerão os Portugueses algúns annos em as mesmas casas de palha tomando cada hum de sitio o que lhe pareçia deixandosse ficar m. tos de assento nella por ser boa terra, e bom porto para as naos fabricando casas de tapeas fortes, e telha, e Igreio casandosse com agente natural, gouernandosse entre si pellos principoes moradores deq elegião aque chamauão eleitos, estes corrião có as cousas do governo, e paz, e união com os Chins, pagandolhes seus direitos acodindo a ellas, informandosse com elles, pois disso pendia sua doração; estes tratauão das feiras, e de entre todos tirauão o dinh° q para seus gastos era necess. °, e se offerecia tirar para estes ainda dos cabedaes que da India uinhão hum tanto por 100, cousa pouca aque chamão ordinárias não com limite. " 48 Sabemos assim que a estabilidade se fazia, no entanto, à custa do pagamento da estadia, lucrando os chineses duplamente, pois para além deste facto eram-lhes fornecidos, por outro lado, com o "trato", os produtos de que necessitavam49.Mas como vimos, interessava manter a amizade, ainda que superficial, pois só assim se conseguiria reforçar o estabelecimento de uma feitoria que interessava manter a todo o custo, dados os falhanços anteriores. Lampacau não garantia uma permanência futura, facto que se viria a confirmar em 1560, quando do seu abandono. Mas nessa altura, já Macau estava "conquistada"! A velha ideia de Albuquerque, usada anteriormente em Goa e Malaca, do casamento entre portugueses e mulheres locais como reforço dos laços de amizade, foi aqui retomada; 50 e pela necessidade de se estruturar a comunidade que vinha crescendo, rapidamente se formou um governo regional, liderado pelo Capitão--Mor da Viagem do Japão. Sob a sua orientação passou então a ordenar-se a distribuição das casas no terreno, dado que a sua implantação se vinha fazendo de forma anárquica, como nos refere aquela citação, quando diz: "... tomando cada hum de sitio o que lhe pareçia... ". O mesmo nos confirmava Faria e Sousa: "Cada uno principiava su fabrica y vivienda adonde y como queria, porq no se hallava alli algun vendedor de suelos... "51 A primeira marca de verdadeira organização urbana em Macau fez-se, efectivamente, só a partir de 1557 e, com o erguer das primeiras igrejas desde 1558, (que procuravam sempre os locais mais elevados para a sua implantação), os seus adros vieram ajudar a estruturar a distribuição da cidade. Esta iniciara-se, como vimos, perto do Monte Camões, no porto interior, e perto da igreja de Sto. António. A urbanização espontânea, característica da tradição portuguesa sempre conservadora nos seus costumes (enquanto estes bem servirem), reiniciou assim aqui o que nas outras feitorias índicas e asiáticas já fizera. Os conhecimentos das novas opções urbanas da Europa não chegavam a estes homens que arriscavam estas paragens longínquas. As prioridades da corte não poderiam também ter esse sentido, dado que primordial era assentar estabilidade na base de um intercâmbio comercial. Até agora a permanência tinha sido frágil, especialmente no que reportava à China. Deparava-se aqui com uma cultura existente extraordinariamente forte e de xenofobia acentuada, não se podendo por tal ambicionar, desde logo, uma transposição directa de concepções ocidentais. Por outro lado, tem que se ter em conta que agora não era gente proveniente directamente de Portugal que para aqui se deslocava e que aqui pretendia fixar-se, mas homens e mulheres vindos de Goa ou Malaca. Ou seja, a formação de uma nova cidade regia-se agora por princípios já modificados e/ou adulterados em relação aos valores iniciais trazidos da terra-mãe. Ficava sempre, no entanto, o marcante de uma sabedoria popular, apreendida ao longo de vários séculos de maturação. Não foi sem razão que mesmo em Portugal um medievalismo persistiria quando já os outros países europeus se arriscavam a novas ideias e experiências. Ademais, a população que ia procurando Macau para estabelecimento não era só constituída por portugueses, mas também por mercadores malaios, hindus e cafres, 52 para além dos chineses que dia a dia aqui mais se ajuntavam, o que originava em certa medida uma miscelânea na concepção de eventuais ideais de crescimento da povoação.

Não vamos fazer aqui a análise separada do urbanismo e da arquitectura, dado que eles estão intrinsecamente ligados pelas próprias circunstâncias em que se foram gerando. A necessidade de acolher os cristãos numa casa de Deus rapidamente originou a elevação de templos. Assim, no ponto mais elevado do local onde os portugueses se haviam estabelecido, implantou-se a primeira ermida de Sto. António, o orago dos nossos navegadores. 53 Foi no ano de 1558, fundada por missionários jesuítas do Japão e, com as casas que se elevaram em seu redor, representou assim o primeiro núcleo religioso na península.

Em 1565, os padres Francesco Perez e Emanuel Teixeira, e mais outros seis jesuítas, fundaram um pequeno hospício para os missionários do Japão perto da ermida de Sto. António, que viria posteriormente a tornar-se no Colégio da Madre de Deus. Agregada ao hospício, ergueu-se também uma pequena igreja que conseguia já albergar trezentos fiéis.

A população ainda era reduzida nesta altura, sendo constituída em 1562 por cerca de 800 portugueses, 54 muitos destes provenientes de Lampacau, que para aqui se haviam transferido quando do fecho daquele porto em 1560. Assim, até agora, as casas tinham podido alargar-se em espaço, garantindo grandes jardins à sua frente, embora sem grandes ambições que permitissem a construção de casas apalaçadas como se passara em Goa e mais tarde em Liampó.

Mas se inicialmente a povoação progredia na zona baixa, perto do porto, agora iria tomar outro rumo. A expansão fez-se assim para sul através de uma única rua, que rapidamente procurou encontrar-se com o eixo natural da península. A Rua de Sto. António e depois a Rua Central formaram no conjunto a mesma Rua Direita de tantas das cidades portuguesas, que incluía, por um lado, a ideia de estruturar a via principal da povoação integrando-a nas formas naturais do terreno, gerando assim um crescimento orgânico em função daquele. Por outro lado, a intenção da procura do eixo peninsular acusava a ideia de garantir também uma simetria ordenadora da cidade. Porque, ao contrário de Goa e Malaca, a sua expansão não foi radioconcêntrica, mas linear, e estruturada em "espinha de peixe" (ver fig.15). Veremos no período seguinte como aquela forma foi bem demarcada.

Barco-casa em seco. Desenho de George Chinnery. (fig.22)

As casas iam-se distribuindo então de forma consequente e consentânea, mas ainda sem um elemento agregador, e por isso sem algo que desse origem à formação de pequenos núcleos (com excepção do já existente de Sto. António), como viria a acontecer posteriormente. De qualquer modo, a cidade ia crescendo, apoiando-se na credibilidade que uma autorização imperial possuía. O bambu das construções ia sendo substituído por tabuado de madeira, sendo a entena a de maior utilização. Como vimos, também a pouco e pouco os chineses foram fornecendo aos estrangeiros tijolos e telhas vidradas, de aba côncava (muito parecida à telha lusa, de canudo), o que permitia a execução de casas estruturalmente mais resistentes e mais confortáveis. Por outro lado, estes eram materiais muito similares aos usados em geral na construção civil em Portugal, o que propiciava também um outro tipo de trabalho. De qualquer modo, já com grande influência dos artífices chinas, que procederam à elevação de muitos desses edifícios. 55 Embora não consigamos encontrar actualmente exemplares desse período, temos, no entanto, a convicção de que as suas formas se ajustariam às que hoje podemos ainda encontrar em alguns exemplos mais remotos nas vilas de Taipa e Coloane, especialmente nesta última. Isto por vários motivos: 1) As características arquitectónicas chinesas conservaram-se nas suas tipologias, ao longo dos séculos, de forma extraordinariamente semelhante, apenas com algumas pequenas variações no pormenor decorativo, mantendo-se assim ainda nos dias de hoje o mesmo tipo de volumes de outrora; 2) embora elevadas no século passado e nos princípios do séc. XX, as edificações destas vilas, que em geral apresentam na sua origem características chinesas, demonstram, no entanto, uma simbiose com elementos europeus — como é a utilização de frisos no entablamento, de ombreiras nas janelas e portas, de pingadeiras sobre os vãos, de pequenos colunelos nos cunhais das portas, de socos nas paredes exteriores o que lhes imprime uma marca final sino--europeia; 3) esses elementos, de nítida adaptação de formas muito anteriores, provêm da reinterpretação de conhecimentos medievos. Temos, portanto, um tipo-base de volumes arquitectónicos que são de imagem conforme à tradição popular da construção chinesa, ou seja, semelhantes às propostas do período em questão, com uma linguagem adaptada de conhecimentos "outros", utilizados desde então.

Os edifícios, geralmente de planta rectangular, distribuiam-se tendo em conta, tanto quanto possível, a manutenção de um espaço interno livre, o pátio, em redor do qual se abriam os vários compartimentos da casa. Este pátio, relativamente pequeno, garantia ventilação e entrada de luz do sol pelo interior da habitação e mostrava ser uma permanência da característica casa-pátio chinesa, como focámos anteriormente. Os edifícios demonstravam também sempre, na sua distribuição espacial e na sua estrutura volumétrica e de materiais, uma preocupação em função das características climatéricas. Assim, procurava-se a acentuação de correntes de ar pela sua disposição em relação aos ventos predominantes e garantir-se a "ventilação cruzada" pela forma como se distribuíam portas e janelas; as paredes laterais, verdadeiramente adaptadas da tipologia chinesa, salientavam-se em relação à parede da fachada o que, protegendo da acção directa dos ventos fortes, permitia no entanto absorver a ventilação; por vezes, também o acabamento da cobertura nos beirais (esta de telhas assentes directamente sobre os barrotes da estrutura) procurava a solução usada localmente para acentuar o remoinho de vento vertical, aliada ao jogo com as paredes dos edifícios opostos (ver fig.16 e 16A). Os telhados seguiam o sistema do "ren-zi", de duas águas, e usavam telhas cerâmicas vidradas, como já focámos.

É curioso notar, após esta referência à questão da disposição em relação às condicionantes climatéricas, que também a estrutura das povoações de Taipa e Coloane procurou a mesma direcção Nordeste-Sudoeste de Macau, o que significa naturalmente que esta é a distribuição mais racional face àquelas condicionantes (ver fig.17).

A "Rua Direita" e as vias secundárias numa carta de Macau do início do Século XX.

Mas retomemos a Macau. O eixo natural que referimos, e que absorvia a Rua Central era, para já, definidor de duas partes que se foram diferenciando: os portugueses iam-se mudando dentro do possível para a parte oriental, a zona da Praia Grande, que prometia garantir também um bom e largo porto (fora da época dos tufões), enquanto os chineses se estabeleciam na ocidental. Ao mesmo tempo começava, noutro ponto, a crescer uma outra aldeia chinesa, ao longo da ribeira de Patane, que acolhia especialmente os visitantes de longe que se propunham às trocas comerciais com os portugueses mas cuja desconfiança não lhes permitia o estabelecimento de elos de amizade fortes o suficiente para uma convivência citadina comum. Veremos a seguir como as diferenças se marcariam bem no decurso do crescimento da cidade, que se faria obrigatoriamente contida intramuros pela necessidade de defesa contra as ameaças externas.

A certeza no futuro

Garantida a estabilidade, sentiam-se agora os portugueses com coragem de efectivamente construir uma cidade, como já o haviam feito no passado. Este período será também "o tempo das igrejas", no qual se elevam os principais templos desta cidade.

Pela dificuldade que representava cada vez mais a sujeição dos portugueses à entrega de materiais de construção pelos chineses, especialmente o tijolo de argila negra usado nesta região, houve necessidade de recriar um velho conhecimento português nesse campo: a taipa. De larga tradição em Portugal, e tendo já sido usada com bons resultados em Malaca e nas primeiras feitorias chinesas (Liampó e Chincheu), aquela propiciava paredes resistentes, embora com o inconveniente de um maior tempo na execução das obras, devido à necessária compactação da terra, bem assim como ao correspondente aumento da espessura das paredes. No entanto, surgia também como óptimo material de isolamento térmico, proporcionando extrema frescura no seu interior. Mas aqui, mais uma vez, o conhecimento de outros materiais utilizados localmente viria permitir um aperfeiçoamento na consolidação da taipa e, por tal, também uma redução no tempo de compactação. Assim, foi a cal de ostra, produto executado à base de conchas de ostras, queimadas ao fogo, que se tornou o agregante da estrutura de taipa. Nesta era ainda utilizada a palha como inerte, formando-se assim um conjunto coeso e extraordinariamente resistente que se chamou "chunambo". Este material seria o eleito para a elevação das futuras muralhas e para a construção das igrejas que se iria suceder, apoiado na utilização da pedra, esta privilegiadamente adoptada nas fachadas.

Deuses das portas protectores do lar.

Como se passara nas anteriores feitorias, sentia-se a necessidade de elevar uma tranqueira que permitisse a necessária protecção do exterior e consolidasse a cidade no seu interior. Mas neste caso não era somente uma precaução de defesa face a algum ataque militar, como também frente às constantes ingerências das autoridades chinesas na evolução da povoação portuguesa. Aquelas mantinham sempre uma acentuada desconfiança perante o estabelecimento estrangeiro, acentuada pela rapidez que este prometia de crescimento físico e económico. Não fora a autorização imperial, e certamente a xenofobia geral teria sido mais forte do que o interesse mercantil particular de algumas famílias de mandarins, culminando com certeza em mais uma expulsão. Isto podemos sentir quando lemos na Monografia de Macau: "Entretanto, retirados os japoneses, os estrangeiros continuaram com a sua permanência. Alguns diziam que devia exterminá-los, outros que deviam ser transferidos para os mares exteriores de Lóng-Pák, sendo as transacções comerciais efectuadas nos barcos. "56 E, facto confirmativo da referida ingerência, é uma outra citação da obra anterior, onde se pretende mesmo definir a forma de estruturar a povoação: "Por os ministérios terem deliberado proceder de acordo com esta ordem de ideias criou-se um posto de tenente, estacionando-o no acampamento de Iêong-Mâk e destacando 100 homens para a sua defesa.// Pediu-se também em memorial que fosse ordenado aos estrangeiros juntarem as suas cabanas, no meio da rua principal, e as cercassem pelos quatro lados com árvores e altas palissadas e, para se impor o respeito pela majestade e virtude do imperador, foram elas divididas em grupo da esquerda e da direita, fixando-se o número dos seus moradores. " 57 E por estas razões se reforçou a necessidade que referimos da elevação de uma primeira paliçada, ordenada por Tristão Vaz da Veiga, capitão-mor da primeira viagem Macau-Nagasaki, que aos olhos dos chineses não foi bem vista mas admitida pela justificação de servir de protecção contra a pirataria japonesa. A primeira muralha defensiva de Macau foi elevada com grandes troncos de madeira, exemplo repetido do que fora feito, por exemplo, em Malaca. A área da cidade foi então bem definida por esta cerca, que procurou também fazer a separação nítida entre a zona portuguesa e os campos chineses a norte. Ela seria igualmente constituída por zonas reforçadas a taipa, para maior durabilidade e, embora Tristão Vaz desejasse que o circuito fosse o menor possível para mais rápida execução, não o pôde traçar com menos de quatrocentas braças (800 metros) por dois motivos: em virtude de um outeiro que não convinha ficasse fora das muralhas (possivelmente correspondente ao actual jardim Camões) e porque a povoação estava em grande crescimento. Foram feitas 270 braças de parede (596,2m) e quatro baluartes quadrados, pois a pressa não permitiu fazê-los de outra forma. As paredes mediam 14 e 15 palmos de altura (3,08m a 3,30m) e tinham de espessura 6 palmos em baixo (1,32m) e 5,5 em cima (1,21m). Participaram na construção ricos e pobres, os de muita e pouca família, cristãos, chineses, jesuítas. Foram improvisados taipais com tábuas arrancadas das portas das casas. Em 16 dias foram construídas 271 braças (17 braças/dia). Tinham sido projectadas 271 braças (596,2m) do lado de terra e 129 braças (283,8m) do lado do mar, onde existiam cais às portas de casa de cada morador, sendo Tristão Vaz ainda de opinião que esses deveriam ser construídos de forma a servirem também de muralha.

No entanto, só em 1622 ela seria substituída por uma muralha mais resistente, 58 de alvenaria de pedra, apoiada em alguns fortes estrategicamente colocados e que foram igualmente construídos por essa altura (Fortaleza do Monte, Forte de S. João e Forte de S. Francisco, a Norte, e a Sul, por outro tramo de muralha, o forte apoiado na ermida da Penha, o Forte do Bom Parto e mais tarde o de S. Tiago da Barra). No seu conjunto seguia ainda um sistema medieval de construção militar, igualmente com as suas torres tradicionais como já víramos em Goa e Malaca, cuja tipologia de desenho aqui se manteria.

Esta era no fundo a concepção-base da cidade medieval, estruturada intramuros. "Estas cidades perfeitamente definidas pela sua cercadura de muralhas, que desempenha o mesmo papel que a moldura na obra de arte, com os seus volumes sabiamente proporcionados e presididos pela dominante da catedral ou do castelo, provocam sempre um efeito encantador, quando não foram espoliadas, modificadas ou arrasadas pelo crescimento maciço dos últimos tempos.// A cidade medieval é um meio homogéneo, e ao mesmo tempo plenamente identificável em todas as suas partes. Não há nela nada de dissonante nem que rompa a sua textura subtil; e, não obstante, nenhuma rua se confunde com outra, nenhuma praça ou praceta deixa de ter a sua própria identidade, nenhum edifício deixa de falar a sua própria linguagem, perfeitamente hierarquizadas e submetidas, pela sua significação e valor simbólico, aos grandes monumentos representativos que dominam em volume, escala e excelência. " 59 Esta leitura de Goitia ajuda-nos a pensar a cidade de Macau, sem dúvida uma representação tardia no Oriente das velhas urbes ocidentais. E se compararmos este tipo de cidade medieval com a sua congénere chinesa, encontramos uma similitude de intenções: desenvolvimento intramuros com o sentido de protecção, defesa, definição de limite urbano, separação da zona agrícola. De algum modo, poderemos dizer que a cidade chinesa possui a filosofia da cidade medieval europeia.

As residências de portugueses eram, por volta de 1568, ainda em número reduzido, como atestava D. Melchior Carneiro em 1575 quando referia: "Quando cheguei, havia pouquíssimas casas de portugueses e alguns cristãos da terra... "60 Mas é a partir desta data que o crescimento populacional acompanhará em paralelo o da cidade, que é fomentado precisamente desde a chegada daquele eclesiástico, 61 Bispo de Niceia, e a quem se ficaria a dever também a criação do Senado (1583). 62 Sendo homem de grande iniciativa, logo após a sua chegada à península (no ano seguinte) abriu um hospital, que mais tarde se viria a chamar de S. Rafael, 63 e pouco depois uma confraria, a da Misericórdia; 64 ao mesmo tempo levantava uma leprosaria em S. Lázaro. Passados sete anos da sua chegada, escrevia que o povo tinha aumentado e que a cidade podia já considerar-se como medíocre e daí justificar-se que, em 1576, a 23 de Janeiro, o Papa Gregório XIII tivesse criado a Diocese de Macau. Em 1578, segundo informação do Pe. Matteo Lopez de 29 de Novembro desse ano, 65 a cidade contava já com dez mil habitantes e "cinco igrejas em que dizem todos os dias Missa. "66 Estas igrejas eram então a de Sto. António, a da Madre de Deus, a da Sé, 67 a de S. Lourenço68 e, fora da tranqueira, a ermida de Nḁ Srḁ da Esperança (depois conhecida por S. Lázaro, dado que se encontrava próximo da leprosaria). 69 Como tudo o que concerne aos primórdios da cidade, pouco se sabe das primeiras expressões arquitectónicas destas igrejas, dada a sua ruína devida às intempéries e à fraqueza dos primeiros materiais utilizados, dada a destruição pelo fogo, ou simplesmente pela intenção de glorificação que levou à construção de templos de outra majestade no local dos anteriores. Sabemos que a Sé possuía orientação diferente da que a actual igreja apresenta (então Nordeste-Sudoeste, precisamente perpendicular à actual) e ainda que, todas elas, a partir das representações que existem de Macau, desenvolviam grandes adros à sua frente, e que com eles estruturaram diferentes núcleos urbanos, que equivaliam às paróquias e freguesias respectivas (ver fig.18). A organização da cidade foi-se fazendo, portanto, em função dos edifícios religiosos que se haviam distribuído, por sua vez, ao longo da rua principal. Ia-se concretizando assim a expressão, de cunho bem medieval, que caracterizava a morfologia e desenvolvimento das cidades portuguesas e das que referimos anteriormente que, de forma espontânea, interligavam através da Rua Direita as igrejas — e seus adros como marcos referenciais — e os edifícios civis mais importantes.

Rua da Felicidade, uma rua-corredor da cidade china. In "Um Marinheiro em Macau,1903 — Álbum de viagem", de Filipe Emílio de Paiva. Ed. do Museu Marítimo de Macau. (fig.24)

Como a cidade crescia para Sul, deixava livre e desocupada a zona nascente. Esse era o local ideal para os franciscanos — que haviam chegado à península em 1579 — erguerem a sua casa. Acolhidos por D. Melchior, Pedro de Alfaro e João Baptista Lucarelli, espanhóis, inaugurariam o Convento de Nḁ Srḁ dos Anjos (depois nomeado de S. Francisco) a 2 de Fevereiro de 1580. As pretensões franciscanas para a construção do seu templo e convento eram as mesmas que os acompanhavam na Europa: afastados do centro das urbes, situados em local relativamente elevado e perto de água, num verdadeiro sentimento de compromisso de vivência com a natureza e de relação entre ela e o Céu, seguindo os ensinamentos do seu mestre e fundador S. Francisco de Assis. 70

Em 1581 já Macau possuía cerca de dois mil íncolas71 e na cidade cristã distribuiam-se quinhentas casas, agora de uma forma mais regular. No entanto, o controlo constante dos mandarins ainda se fazia sentir, e é assim que em 1583 um decreto do Capitão Geral de Mar e Guerra da Província de Cantão, criou as "Cinco ordenanças prohibitivas" prescritas aos habitantes de Macau, que no seu ponto 5 refere: "Se prohibe fazer obras novas. Os Moradores de Macáo tém fabricado Casas suficientes para sua habitação: Pelo q. se algumas se destruirem, se lhes permite reedificalas, segundo antes estavão: Mas se algum p. r seo mero capricho se atrever a erigir obras, acrescentando mais hum pedaço de parede, ou põdo mais hum páo, se destruirá o edifício, se queimará a madeira, e será o tal gravemente castigado. " 72 Estas ordens seriam repetidas e alargadas às igrejas e aumentadas ainda com outros parágrafos73 em 1749 (nesta altura com "chapa" erigida em Mong-Há, no Tribunal do Mandarim, e com tradução para português colocada no Senado), o que demonstra bem que, no séc. XVII, a cidade obteve uma força económica tal que lhe permitiu negligenciar aquelas primeiras regras impostas pelos chineses e expandir-se grandemente nessa época áurea de mercantilismo no Oriente. Mesmo com alguns anos negros, como foram os da proibição da Carreira das Filipinas em 1634, da proibição do comércio em Cantão em 1639, do fim do trato com b Japão nesse mesmo ano (e sua reconfirmação trágica com a embaixada mártir de 1640) e da queda de Malaca em favor dos holandeses em 1641, as alternativas comerciais que os portugueses perseverantemente souberam então encontrar na Indochina, em Macassar e Timor, proporcionaram--lhes a manutenção de um elevado padrão de vida em Macau e do seu ajustado crescimento.

Em 1586 Macau atingiria o estatuto definitivo de Cidade, passando a intitular-se Cidade do Santo Nome de Deus de Macau na China, com uma forma democrática de Administração Municipal, cujos governantes eram eleitos pelos cidadãos. Aqueles passaram então a poder controlar também a outro nível a forma da construção, inclusive definindo o tipo de materiais a utilizar nas edificações e respectivo controlo de qualidade, neste implicando--se também a garantia de resistência ao fogo, causa principal das grandes tragédias que se abatiam sobre Macau. No entanto, só nos finais do primeiro quarto do século seguinte se viria a conseguir uma verdadeira fiscalização sobre os materiais de construção.

Também os dominicanos fundariam uma casa em Macau. Em 1587 chegavam à península três padres, António de Arcediano, Alonso Delgado e Bartolomeu Lopes, após uma viagem atribulada desde o México, aproveitando a carreira de Acapulco (Rota da Prata). Instalaram-se, com a benesse do provisor do Bispado, numas casas de madeira situadas bem no centro da cidade, perfeitamente adaptadas à sua missão de pregação e às suas necessidades de sobrevivência, como Ordem Mendicante; o seu estatuto era o de pregar pelas ruas, elevando sempre os seus mosteiros em zona central das povoações, de forma a poderem gozar da beneficência dos habitantes que, aqui em Macau, lhes garantiam elevados donativos. Daí que rapidamente as suas casas de madeira se tenham transformado em belo templo de taipa, com o nome de Santa Maria do Rosário.

Até 1590 a cidade foi-se espraiando para Sul, ao longo do eixo natural que várias vezes tivemos oportunidade de referir, e desenvolvendo-se virada à Praia Grande, o novo porto que os portugueses haviam privilegiado. Nessa sua expansão para Sul encontrava agora a colina da Penha, que barrava o caminho no ponto final da península. Dado que o principal era agora uma instalação perto daquele porto e que este ficava também limitado pelo sopé da Penha, naturalmente foi em redor da igreja de S. Lourenço que, a partir daquela data, se veio a verificar um grande desenvolvimento urbano, orientado, claro está, para sudeste, às águas da baía que aquela praia formava (ver fig.19). Os terrenos começaram então a atingir preços elevados, dada a cada vez maior ocupação da península por gente que vinha do exterior para tentar a sorte nesta cidade de riqueza. Isso nos comenta o Pe. Álvaro Semedo quando escreve: "Começaram (os portugueses em Macau), imediatamente, a construir, ocupando cada um o local e o campo que quisesse mas aquilo que agora tomavam sem preço algum veio depois a valer muito dinheiro e tanto que não se pode acreditar, facilmente, quanto custa qualquer pedaço de terreno na cidade, para edificar, porque faltando a Índia em todas as partes, esta vai sempre aumentando e enriquecendo-se,... "74

Rua-corredor acentuadora das correntes de ar (turbilhão de ar recuperado pelas formas arquitectónicas). (fig.16)

Pormenor de beiral em edifício da vila de Coloane. (fig.16A)

Olhava-se também já para a ilha da Lapa, que em anos seguintes viria a ser ocupada pelos portugueses, que construiriam casas na "Ribeira Grande", zona situada na margem oposta do porto interior, sobre o Rio do Oeste. Nessa ilha, os jesuítas e os agostinhos ergueram também várias capelas, com os seus cruzeiros de granito (de que não restam vestígios), de forma que ganhou mesmo o nome de "Ilha dos Padres". 75 Mas tal como S. Lourenço, também as outras igrejas sempre tinham procurado os locais mais elevados para se implantarem, de forma a que, ajudadas pelas suas torres sineiras, se demarcassem da arquitectura secular e fossem bem avistadas de qualquer parte, atraindo facilmente o fiel à casa de Deus. A sua implantação fazia-se tendo em conta, preferencialmente, a direcção do vento, dado que num clima como este interessava que as correntes de ar pudessem ser aceleradas, no Verão, de modo a refrescar os interiores. Como é de Sul e de Sudoeste que provém o ar tropical, a orientação privilegiada era então a Norte-Sul ou a Nordeste-Sudoeste, para onde se abriam as fachadas (ver fig.20), sendo a primeira disposição a que permitia oferecer menor resistência do volume construído às tempestades tropicais que, desde o Arquipélago das Filipinas, tomam a direcção de Sueste para Noroeste, especialmente entre os meses de Julho e Setembro.

Mais uma leitura da Igreja da Madre de Deus

Estava naquelas condições o primeiro templo da Madre de Deus, construído em novo local (o actual) por volta de 1582. Até aí tinha sido reconstruído várias vezes perto da ermida de Sto. António, onde inicialmente se elevara aquando da instalação dos primeiros jesuítas na península. Haviam começado com o hospício, como já referimos, elevado em Dezembro de 1565, que rapidamente se transformou em Escola. Esta viria a ser a primeira Universidade da Ásia, grau que obteve em 1 de Dezembro de 1594. Em 1573 construía-se também aí, executada em "chunambo", a primeira igreja da Companhia na península, por iniciativa de D. António de Vilhena, em substituição da pequena ermida que ali tinham, elevada em bambu e palha logo desde a chegada, e que ardera facilmente por gesto criminoso. Em 1574 é fundado o Seminário de S. Paulo, que seria transferido para a colina do mesmo nome em 1578. A igreja seguir-lhe-ia os passos, dado que em 1581 seria vítima de novo incêndio provocado, que a destruiu por completo. Assim, foi ordenada a sua reconstrução em 1582 na actual localização, por iniciativa do superior do Colégio, padre Pedro Gomes, que exigia agora uma cobertura em telha para a nova igreja, o que quer dizer que as anteriores mantinham certamente a simples cobertura de colmo ou de casca de árvore. Nesta altura construía-se também em Malaca o Colégio e a linda igreja que Valignano referia em 1579 ainda não ter pronto o coro alto e metade da sacristia. Aquele Colégio, terminado nesse ano, era considerado um dos melhores de toda a Índia, e a referência para o de Macau seria logicamente tomada. A disposição em local onde se pudesse conjugar a pureza de espírito com a beleza do lugar era essencial para a definição do carácter jesuítico e, se em Malaca aquela "fábrica" podia disfrutar de um bonito cenário sobre toda a cidade, o mar, as ilhas (mesmo Sumatra era dali avistada), o rio e os jardins, conforme referia Fulvio Gregorio em carta dirigida a Ludovico Masseli em 29 de Junho de 1585, 76 em Macau o sítio proporcionava exactamente as mesmas condições, com uma visão global de toda a península, e disposição preferencial para as montanhas da Lapa, que extravasam de encanto e especial beleza. A igreja seguia de perto o risco da sua congénere malaia, inserindo-se num volume paralelepipédico único, apenas se destacando a capela-mor. As recentes escavações na zona das ruínas de S. Paulo, levam a deduzir a existência das fundações dessa primeira igreja ali implantada, o que nos reporta para uma estrutura como a referida, de dimensões similares às das ruínas da igreja de S. Paulo de Malaca, que possibilitava a utilização de uma tipologia de nave única.

Mas em 1601 novo fogo seria ateado, o que provocou a completa destruição dos vigamentos e correspondente derrocada. Salvou-se o Santíssimo Sacramento e algumas relíquias, que foram trans- portadas temporariamente para a igreja de Sto. António enquanto se faziam as obras de construção da última igreja da Madre de Deus de Macau, sob risco de Carlos Spínola, 77 que, resultaria "muito capaz e airosa". Efectivamente, viria esta igreja a ser considerada uma das mais bonitas e majestosas do Oriente católico, sendo mesmo comparada por alguns observadores, num acto de exagero, à de S. Pedro de Roma. A primeira pedra foi logo lançada no ano seguinte,1602, e para esta obra foi essencial o esforço conjunto da população macaense, que reuniu avultadas dádivas para possibilitar a execução do mais belo templo da cidade. E assim se fez, inaugurando-se no Natal de 1603, com procissão solene, missa cantada e todos os festejos que uma celebração destas requeria. A fachada não estava, no entanto, ainda completa, só tendo sido terminada em 1644. Ficaria conhecida em chinês por Sám-Pá (S. Paulo).

Variadíssimas são as obras que já se debruçaram sobre esta igreja, mas na sua base estão sempre os testemunhos coevos do Pe. José Montanha que, nos seus Apparatos para a História do Bispado de Macau, descreveu aquela peça arquitectónica. 78 Restam hoje as famosas ruínas de S. Paulo, fachada do espectacular templo que ali permaneceu durante duzentos e trinta anos, após o que um violento incêndio a destruiria quase por completo, apenas mantendo as grossas paredes de "chunambo". O fogo começou na cozinha do edifício colegial, propagando-se posteriormente, incontrolável, à igreja. Era o dia 26 de Janeiro de 1835 e, três anos depois, iniciar-se-ia a demolição das paredes, por ordem municipal, dado aquelas apresentarem perigo de derrocada.

Não é nossa intenção proceder a mais um estudo e descrição do velho templo, principalmente pela sua inserção tipológica e estilística num período que se apresenta para além dos limites temporais a que nos limitámos, mas acusar determinados factores que nitidamente se integram em características medievais que Macau insistia em preservar mesmo em idade já seiscentista.

Com efeito, sendo preocupação da Companhia de Jesus a transmissão das novas correntes artísticas, que em Portugal se definiria nas suas primeiras igrejas como marca do Estilo Chão, ela implementaria em Macau uma linha Maneirista a que as outras ordens monásticas se aliariam. As suas criações arquitectónicas procuravam basear-se na casa-mãe, Il Gesu, em Roma, mas não copiá-la. Assim surgiram dois modelos em Portugal, um a partir do Espírito Santo de Évora, outro a partir de S. Roque (1564), em Lisboa. Para os jesuítas não era, no entanto, tão importante o estilo, mas antes as bases do programa. Uma delas era a necessidade de defender a igreja de nave única, que permitia uma pregação mais eficaz, marcando dois factores essenciais: visualização e audição. Ora, em S. Paulo de Macau foi recriado o sistema medieval das três naves, quarenta anos após Afonso Álvares (arquitecto régio do Cardeal D. Henrique e depois de D. Sebastião) ter executado o quarto e conclusivo projecto para S. Roque, de nave única.

Implantação das igrejas em função das correntes de ar tropical. (fig.20)

Porquê o retomar daquele sistema?

Como já vimos, o material de construção por excelência desta obra foi a taipa ou, como referido, o "chunambo", dada a inexistência de quantidade suficiente de pedra para a sua execução. Embora extremamente resistente à compressão, tornava-se mais frágil no que diz respeito à resistência ao empuxo da cobertura, considerando grandes vãos, como era o caso. Se houvera dificuldade na decisão pela opção técnica a tomar para a execução da nave única de S. Roque de Lisboa, cuja estrutura base era a pedra, aqui a dúvida nem se colocava, pois era unânime que as condições do local não permitiam o conceber de um grande vão apenas com descargas laterais, sem reforço estrutural a meio vão. Em função disto apenas duas opções se podiam tomar: ou a manutenção do sistema de nave única, como já havia sido executada a anterior igreja, mas que implicava a elevação de uma igreja de pequenas dimensões, ou o assumir da pretensão da edificação de um templo verdadeiramente grandioso e de vincada majestade, mas que acarretava a abolição do programa de nave única. A opção não se fez esperar, pois a experiência na execução das três naves provinha de épocas ancestrais e constituía a técnica capaz em função dos materiais existentes e também como resistência contra as implacáveis condições atmosféricas, com tufões constantes.

Por outro lado, é abandonada a utilização de uma capela-mor pouco profunda, como acontecia em S. Roque e mesmo no Espírito Santo de Évora, sendo apresentada uma de grande comprimento e largura, quase do tipo da igreja mendicante.

O volume então resultante mostrar-se-ia pesado, especialmente se se considerasse também no exterior a austeridade e singeleza que a época geralmente requeria, conforme ao Estilo Chão, apenas desenvolvendo o fausto no interior. Era portanto necessário imprimir verticalidade ao conjunto, recorrendo para isso aos ensinamentos de um Gótico já ultrapassado, mas de experiências e conquistas que se mostraram perenes. Assim o notamos na fachada existente, com a utilização exagerada de colunas, que representam quase todos os tipos das ordens clássicas (jónica, coríntia, compósita), mas que equilibradamente vão diminuindo de proporções à medida que sobem nos andares, rematando-se em pináculos coroados com globos. Embora a apresentação geral da fachada demonstre um projecto que reúne conhecimentos clássicos, com o seu frontão, as ordens, a racionalidade espacial e geométrica (com as proporções áureas), existem sem dúvida características que nos permitem também referir a persistência do medievo no tratamento da obra global, o reaver da marca da catedral gótica.

Se passarmos à observação atenta da iconografia da fachada persistente, podemos ler toda uma gramática proveniente ainda do fantástico medieval. A aposição de figuras escultóricas no plano da fachada era um dado adquirido da estética medieval, onde o mundo simbólico tinha de ser representado, especialmente na antítese Deus-Diabo, bem-mal, vida-morte, no fundo a antítese do Yin-Yang também do medieval sínico. As tendências expressionistas foram ali readquiridas, contrapondo os temas bíblicos aos historiográficos, retomando a utilização de animais ferozes (ver fig.21) e de motivos vegetalistas, estes tratados com rudeza, mas também com exuberância. De certa maneira, parece que se voltavam a assumir certos valores de um Românico monacal europeu, de que a arquitectura portuguesa possuía larga tradição. Era natural, portanto, que nestas longínquas paragens se pretendesse da mesma forma transmitir a leitura religiosa por apontamentos da fachada, glorificando antes do mais a memória da mãe de Deus, a "Mater Dei". 79 "A simbologia impressiva dos altos-relevos que adornam a base e o frontão é típica do toque de mestre com o qual os jesuítas sabiam impressionar os espíritos pagãos e despertar uma curiosidade que geralmente resultava em conversão. " 80 Assim temos, esculpidas na frontaria de granito, imagens do mito celestial, que por tal se inscrevem nas zonas mais elevadas e que, não procurando por isso o pormenor, possibilitavam, no entanto, a rápida assimilação pelo espectador.

A "cidade" chinesa dentro da cidade cristã.

Regendo-se com todo o significado que a Lua pode fazer derivar, especialmente na sua conotação com a água, os chineses que afluíram a Macau rapidamente consolidaram a sua estrutura de agrupamento na própria natureza, com íntima ligação a ela. Fertilidade (como a água propicia), equilíbrio e vivência colectiva marcavam a sua expressão, o que lhes permitia, no contacto directo com as formas naturais, regerem-se intuitivamente com os segredos que elas encerram.

Assim, e ao contrário da escolha dos portugueses, para os fuquinenses aqui residentes, a localização em pontos altos atraía mau "fông-sói", dado que "para quem viva no topo da rua (...) a inclinação sugere que a água (e portanto o dinheiro) escorre ininterruptamente devido à força da gravidade. É um prenúncio de perdas, não só materiais, mas também da preciosa energia universal 'ch'i': a própria saúde dos ocupantes da casa ficará enfraquecida; e para quem viva na parte mais baixa da rua íngreme, (...) será agredido pela energia que desce, como se fosse uma torrente de água devido à força da gravidade: e a saúde será a primeira a sofrer com isso";81 por tal, a implantação das suas casas só poderia ser feita em zonas mais baixas e perto de água. Por outro lado, também a zona que os portugueses agora iam ocupando, a sudeste, em nada atraía a população chinesa, dado que estava ameçada pelo bico da galinha que o extremo da ilha da Taipa ("Kâi-Kéang", cuja tradução é "pescoço de galinha") representava, e que, por con- seguinte, debicaria a riqueza de qualquer indivíduo que para ali fosse, nunca lhe permitindo criá-la. Muito mau presságio, portanto, mas que afinal em nada interferiu na expansão económica da cidade portuguesa.

A comunidade chinesa ia então reforçando a sua presença intramuros na zona mais ocidental, perto do porto original, onde cada vez mais embarcações de juncos se juntavam como casas flutuantes. Aí comerciavam, aí viviam, aí ocupavam as suas horas de lazer. E era assim também em várias outras partes da China: "Os Chinas que vivem nas Cidades movediças, as quaes para a vista são galantes, parece que tem maior recreio. Entendo que talvez por ser a gente tanta, que parece não caber em a terra, inventarão os Chinas industriozamente fazerCidade no Mar, ou em espaçozos rios; constão estas de muytas mil embarcaçoens, que cada huma he huma morada de cazas ou mais pequena conforme a graduação de quem as habita, e as comuas segundo a possibilidade do dono que nellas mora. Nas embarcaçoens ha a distinção de varias salas ornadas, com suas janellas, em que tem vidraças de ostras como neste Paiz se estilla e estão todas com boa ordem arruadas, havendo embarcaçoens pequenas e ligeiras que andam continuamente por aquelas ruas a comprar e vender, a negociar e vigiar. " 82 Ainda tal hoje acontece, numa comprovação de que as tradições chinesas são algo perene, em qualquer circunstância do quotidiano.

A Península de Macau à chegada dos Portugueses e o seu primeiro estabelecimento. (fig.10)

Mas junto à praia o assoreamento mostrava-se constante, o que obrigava a um distanciamento cada vez maior das embarcações em relação à costa. Os grandes carregamentos originavam dificuldades nas cargas e descargas, o que implicava o consequente avanço da zona portuária em direcção ao canal do Rio do Oeste. No espaço que daí foi resultando iam-se acumulando barcos-casa em seco (ver fig.22) e logo se foi definindo um tipo de ocupação urbana que se mostrava directamente ligada às suas tradições sínicas e às suas crenças, no fundo seguindo a mesma estrutura da tipologia medieval da cidade chinesa, onde ordem e simetria eram valores primordiais (a ortogonalidade que a cidade mostrava pretendia identificar-se com o próprio Cosmos chinês, a doutrina da regra e da hierarquia): os arruamentos que a pouco e pouco cresciam eram paralelos entre si (não sendo nunca possível a existência de uma ma curva, dado que esta seria como que a lâmina de um machado na direcção das casas que se implantassem no lado convexo), sem que alguma casa fosse colocada de forma a apresentar esquinas de uma outra para ela apontada (pois tal representa uma forma pontiaguda ou cortante e, portanto, más influências); nenhuma casa se apresentava no enfiamento de uma longa rua, especialmente a fachada (dado que assim seria atingida directamente no seu interior, como que apunhalada, pelos elementos desfavoráveis à boa vivência). A zona onde se iniciou esta área urbana chinesa possuía também bom "fông-sói", já que se situava na parte côncava que o porto formava (limite definido pela actual Rua dos Mercadores), o que só poderia influenciar em termos positivos.

Embora não existindo regras urbanísticas concretamente definidas, a colectividade orientava-se por um sentido comum, no respeito pelos seus templos e na funcionalidade do seu Bazar, mostrando-se assim a organização espacial bastante racional (ver fig.23).'Esta zona mostrava uma estrutura compacta, não apresentando os edifícios que ali se foram distribuindo qualquer separação entre si; eram regra geral constituídos por dois pisos relativamente baixos, possuindo nas janelas madre-pérola que, pela sua translucidez, permitia escoar a luz do sol e produziam, com as suas múltiplas formas, quais vitrais, efeitos surpreendentes de desenho. A rua resultava assim num espaço longitudinal quase fechado, tipo rua-corredor, mas onde os pórticos nos seus extremos, o pormenor nas paredes laterais e o detalhe nos telhados em balanço contribuíam para a criação de um efeito espacial extraordinariamente fresco e atractivo (ver fig.24).

Mas o crescimento mais notório viria a sentir-se só no final do séc. XVII e princípios do séc. XVIII, aliado a uma grande densidade habitacional, o que veio a mudar, de facto, a fisionomia da península.

CONCLUSÕES

O percurso que se fez ao longo destas páginas procurou mostrar uma linha de unidade e de continuidade na forma de conceber a cidade e as possíveis estruturas urbanas em terras do Oriente. Em todas elas a necessidade de encontrar locais que permitissem bons portos de abrigo, de preferência em algum ponto elevado para fácil controlo visual das áreas envolventes (geralmente controlado pelos jesuítas) e a rápida elevação de um primeiro sistema fortificado para defesa do local conquistado ou do novo estabelecimento, geralmente elevado em forma de paliçada de madeira, com uma segunda fase de reforço por muralhas em taipa e pedra, logo seguido pela definição de uma via principal, a partir da qual se distribuem as secundárias.

Quanto ao concreto de Macau, é notório que foram especialmente as formas sínicas que produziram efeitos marcantes na arquitectura portuguesa e não tanto a razão inversa. E se a influência europeia na arte chinesa se deu de alguma forma, não foi no entanto "o resultado dum intercâmbio artístico entre a China e os países da Europa, mas sim imposta aos artistas chineses por um motivo meramente comercial. " 83

É claro que, na estrutura urbana, o compromisso com as suas tradições, especialmente no que concerne a razões religiosas, como a situação dos templos, coloca a questão de forma diferente. E é aí que se denota a diferença principal entre as duas culturas, como por exemplo no entendimento antagónico da implantação elevada de um edifício — para uns representava a aproximação ao Céu, para outros era predestino de grandes desgraças. Assim, a análise que foi feita desde Goa e respectivo percurso por algumas das mais marcantes feitorias na Ásia, fez-nos entender que a absorção dos costumes indígenas na construção se tornava mesmo essencial para uma correcta permanência em climas tão diferentes do da terra-mãe, mas que os valores que inspiravam à prossecução de novas povoações além-mar tinham de ser os que mais se adaptavam às necessidades de defesa e também de ligação lógica ao que o espaço natural propiciava, num crescimento entendido como compatibilização com a paisagem e numa tradição de funcionalidade urbana. Por isso, eram os valores medievais que se sobrepunham a qualquer outra ideia de planificação urbana, bem como reapareciam sempre no que diz respeito à resolução de problemas estruturais.

Até que ponto poderemos considerar o medieval europeu em terras do Oriente é algo a que será sempre difícil responder. No entanto, ficamos a perceber que a sua marca é indelével até mesmo nos primórdios do séc. XVII. Se pensarmos numa forma de medievalismo sínico, esse podemos garanti-lo como ainda permanecendo hoje nas estruturas urbanas e arquitectónicas e no modo de pensar que Confúcio enraizou para todo o sempre na sociedade chinesa.

(Extractos de Dissertação para defesa de Tese de Mestrado na F. C. S. H. da U. N. L. em 1992)

NOTAS

1 Carlos de Azevedo, Arte Cristã na Índia Portuguesa, Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa,1959, pp.21-22.

2 De tal forma que comentava então um observador dominicano: "... as quais cousas nós vendo, julgavamos não aver no mundo edificadores como os chins" (Frei Gaspar da Cruz, Tratado em que se contam muito por extenso as cousas da China com suas particularidades, Évora,1569-1570, pp.66 e 67).

3 Alexandre Alves da Costa, in Architécti, n°3, p.13.

4 Histoire de la navigation de Jean Hugues de Linscot Hollandois et de son voyage es Indes Orientales, Amsterdão,1610, p.70 (citado por Carlos de Azevedo, Arte Cristã na Índia Portuguesa, Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa,1959, p.22).

5 Essa paliçada de madeira representou um primeiro recurso para a defesa instintiva dos portugueses, dado que pela boca dos cativos, que nunca haviam chegado a conhecer a terra, não haveria pedra na região. Perante esse facto Albuquerque ficara mesmo na indecisão de conservar a cidade conquistada, pois a fortaleza "pera se fazer de madeira dandolhe deos a cidáde, auiase toda de cortar no máto ás lançádas & frechádas. Tambem em as náos nam auia tantas munições,& sómente com hua fórja q todo dia estáva ocupádo em repairar as ármas dos hómees nam se podia fazer tanta óbra como auia mister hua fortaléza de madeira: & mais a térra era tam pestifera que nam poderiam os hómees aturar hum trabálho tã apressádo como conuinha no fazer daquella fortaleza,& adoecedolhe no meyo da óbra ficáua sem gente & semfortaleza. " (João de Barros, Ásia - Segunda Década, ed. fac-similada, I. N. C. M., reed.1988, pp.276-277).

6 Embora inicialmente proveniente doutras zonas, seria depois descoberta a sua existência também no interior de Malaca.

7 João de Barros, op. cit., p.283.

8 Embora este título proviesse já da fortaleza velha, dado por Albuquerque, "á qual pos nome de a famósa por que o merecia ella por a vista & lugar tam remóto éra fundáda" (João de Barros, ibid.).

9 Inicialmente sob a forma de uma capela com o nome de Nḁ Srḁ da Graça, foi mandada construir por Duarte Coelho, mercador português, em agradecimento à Virgem pela milagrosa fuga a um ataque de uma frota chinesa na costa da China. A implantação desta capela foi feita onde outrora se elevava o palácio do sultão.

Sobre esta igreja e colégio adjacente referia o Pe. Alexandre Valignano em 1579: "... En lo mas alto deaquella Ciudad tenemos un pequeno Colegio q se hizo el Ano pasado de un corredor c 'o diez aposentos c'o las mas necessḁ officinas en que vivem ordinariamete seis hasta ocho delos nros y una escuela deniños y su Iglesia muy hermosa y capaz de pedra y cal aunqe no del todo acabada porquele falta ala capilla torre y sancrystia como lamitad no tiene este colegio masdequiñetos pardaos que son cada pardao ocho reales... " ("Sumario de las cosas de la India Orientale", in Ordens Religiosas na Índia - Jesuítas, Biblioteca Pública de Évora, cod. CXV/2-7, fl.123).

10 Que incluía, além das comunidades referidas, muitos muçulmanos provenientes de Java, outros vindos de Luzon, a comunidade de Bengalis e a de judeus (uns provenientes do Médio Oriente e outros da Índia).

11 José Manoel de Carvalho e Sousa, «História de Macao... »,in Boletim do Instituto Luís de Camões, vol. VII, n°4, Macau,1973, p.340.

12 Ou franges, outro nome por que eram conhecidos os portugueses. Acerca desta terminologia refere-nos o Pe. Manuel Teixeira: "Os cristãos eram conhecidos no Próximo Oriente por 'Franchi', devido à parte preponderante desempenhada pela França nas Cruzadas. Este vocábulo passou à Índia e à China. Ora, como os portugueses eram os únicos a navegar por estas paragens, receberam na Índia os nomes de Paranghi, Ferenghi, Ferangui, Firingi, etc. Estes nomes passaram a designar os cristãos, isto é, os portugueses. " (Pe. Manuel Teixeira, Primórdios de Macau, I. C. M.,1990, p.7). Ainda segundo o mesmo autor, estes franges eram considerados pelos chineses como "corações sujos", "ladrões" e "alevantados", e por tal foram-lhes fechados os portos e atacados os navios, desde 1519 a 1554.

13 A localização de Liampó, correspondente à actual Ningpó, é geralmente referida como sendo no estuário do rio Yan Tse, que banha a cidade de Xangai, mas pensamos que tal é devido a uma confusão nas embocaduras dos dois rios, que estão ligadas entre si.

14 Fernão Mendes Pinto, Peregrinação & Cartas, Ed. Comemorativa dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa,1989, p.228.

15 Fernão Mendes Pinto, ibid.

16 C. A. Montalto de Jesus, Macau Histórico, 1 ed. em português, Livros do Oriente, Macau,1990, p.34.

17 Femão Mendes Pinto, op. cit., p.234.

18 F. M. Pinto, op. cit., p.236.

19 F. M. Pinto, ibid.

20 José de Jesus Maria, Ásia Sínica e Japónica, Vol. I, reed. fac-similada da obra com o mesmo título, ICM/ CEMM,1988, p.63.

21 Gregório José Ribeiro, De Macau a Fuchau, recordações de viagem, Lisboa,1866, p.56.

22 G. J. Ribeiro, ibid.

23 Embora sendo um material ali existente em quantidade, a dificuldade e morosidade da sua exploração e trabalho levava a preferir um outro meio mais expedito, especialmente dadas as circunstâncias em que ali nos encontrávamos.

24 Embora existindo em pequena quantidade na ilha, era transportado do continente pelos patrões dos juncos chineses quando faziam o comércio clandestino com os portugueses durante a permanência destes na ilha.

25 Manuel de Faria y Sousa, Ásia Portuguesa, tomo III, Lisboa,1675, p.9.

26 Conjunto de velas sobresselentes, pois muitas eram as vezes em que as originais se rasgavam ou estragavam.

27 Com efeito, rapidamente os chineses sentiram os lucros que estavam perdendo por não efectuarem transacções comerciais com os "bárbaros da raça do oceano ocidental". Assim, "Não tinha decorrido muito tempo sobre a proibição da entrada dos barcos estrangeiros, quando o 'tch'ân-fu' (Governador Provincial), Lâm-Fu, oficiou, demonstrando que o intercâmbio com os estrangeiros tinha quatro vantagens:

A primeira é que, durante as dinastias precedentes, além de todos os estados vassalos terem de apresentar os seus tributos, existia, primitivamente, um processo de tributação, sendo uma pequena parte da sua obra destinada aos gastos imperiais.

A segunda vantagem é que, anualmente, quando se encontrar para as despesas militares das duas províncias de Kuóng-Tông e Kuóng-Sâi, ela poder ser destinada às rações dos soldados, precavendo-se assim contra as emergências.

A terceira vantagem é que, como a província de Kuóng-Sâi depende, frequentemente da de Kuóng-Tông, por se encontrar algumas vezes esgotada a sua capacidade de tributação, sendo portanto necessário conseguir fundos, antecipadamente, se o trânsito dos barcos estrangeiros for livre, então uma província poderia auxiliar a outra.

A quarta vantagem é que o povo miúdo vive do comércio e, com uma sapeca de mercadoria, consegue desenvolver o seu negócio deforma a arranjar com que se vestir e sustentar. " (Tcheong-U-Lâm e lan--Kuong-Iâm, Ou-Mun Kei-Leok - monografia de Macau, Lisboa,1979, p.103).

28 O trato comercial com o Japão fez-se desde 1543, quando da aportagem acidental de alguns portugueses ao porto de Tanegashima. Seria reforçado a partir de 1571, com o controlo de Nagasaki pelos jesuítas.

29 Tcheong-U-Lâm e lan-Kuong-Iâm, op. cit., p.104.

30 Um dos tipos de empena aqui utilizada, chamada comummente de "pega de frigideira", só podia ser utilizada com consentimento imperial (ver fig.5). As cumeeiras usadas nos vários pavilhões deste templo são, regra geral, de terminação em curva, expressão nitidamente cantonense (ver fig.6).

31 Segundo Ana Maria Amaro, "O Velho Templo de Kun Iâm em Macau", in Boletim do Instituto Luís de Camões, vol. I, Macau,1967, p.356, estes pertenciam todos a uma mesma família, de apelido Kái.

32 Ou "fông-soi", em cantonense; "feng-shui" é a romanização do mandarim da mesma expressão. "Feng" ou "fông" querem dizer vento e "shui" ou "soi" significam água, mas os caracteres associados referem-se ao destino, que o meio ambiente pode influenciar, de qualquer indivíduo ou grupo.

33 Luís Ortet, As mil faces da Lua, I. C. M.,1988, p.13.

34 Segundo Ana Maria Amaro, in op. cit., H'â-Mun corresponde à actual Amoy, capital da província de Fuquien.

35 Chineses originários da província de Fuquien (ou Fujian), a nordeste e adjacente da de Guang-Dong (Cantão). Os primeiros habitantes desta aldeia formavam apenas duas famílias, de apelido Hó e Sam. Mais tarde juntar-se-iam a eles os Hói, os Tcheong, os Lam e os Tchan (segundo A. M. Amaro in op. cit., p.359).

36 Um importante mestre da dinastia Song, Wang Zi, escrevia ainda que, para além dessa preferência na localização perto de um rio ou de um vale, qualquer cidade, vila ou aldeia, deveria ser rodeada de colinas suaves por três lados, para protecção do mau tempo e/ ou de inimigos que por ventura a quisessem assediar.

37 Pelos chineses considerado o mais seguro dos ninhos, conforme refere Ana Maria Amaro na op. cit., nota 3 da p.357.

38 Ana Maria Amaro, op. cit., p.357.

39 A decoração arquitectónica Ming procurou explorar a pequena escala escultórica de modo a animar e enriquecer o efeito de pormenor.

40 Confúcio, filósofo chinês que viveu entre os anos 551 e 479 a. C., e que baseou a sua doutrina no ideal do cumprimento das obrigações morais do indivíduo para com o Estado, a comunidade e a família.

41 O pátio, local de convívio e centro de actividades, é a expressão comunal da família chinesa, que sintetiza o espírito da "harmonia" da filosofia de Confúcio.

42 Um dos motivos que era também de uso quase genérico era o tema dos "Mun-Sân" (Deuses das Portas). A adopção destas figuras advém do facto da crença de que elas possuem o dom de afugentar os maus espíritos. Segundo nos conta Luís Gonzaga Gomes no seu livro Macau -factos e lendas, "... os Deuses das Portas foram, em vida, dois dedicados generais do imperador T'ai-Tchông (627-650 A. D.). Este, após o seu fiasco na expedição que empreendeu contra a Coreia, passou a ser perseguido por súcubos. Os dois generais, condoídos com o desespero em que vivia o ilustre amo, resolveram postar-se, cada um, nas portas da sua alcova, prontos a lutar com os demónios que pretendessem franqueá-las para ir perturbar o seu imperial senhor. Estes, que conheciam a indomável bravura daqueles dois guerreiros, não se atreviam a acometê-los. E assim se foi passando o tempo, até que conseguiram atinar com uma porta secreta, por onde puderam penetrar nos aposentos do imperador. Mas, Uâi-Tcheng, outro famoso general, ofereceu-se para ficar de guarda a essa porta. O imperador, vendo, porém, que não era justo que os seus fiéis generais se sacrificassem perdendo as noites em vigília, só para o seu bem-estar, lembrou-se de mandar pintar nas portas as suas efígies. A obra foi tão bem executada que os demónios, iludidos pela flagrante semelhança dos retratos, continuaram a não se atrever a penetrar nos aposentos imperiais. Ante a indiscutível eficácia de tão simples processo de afastar os espíritos malfazejos, o povo passou também a colar as imagens desses guerreiros nas portas das suas residências. " (ver fig.8)

43 Estas peles de búfalo, hoje em dia ainda utilizadas no revestimento de casas na província de Cantão (embora ultimamente já muito substituídas por uma espécie de telas asfálticas), eram fornecidas aos portugueses pelos chineses que com eles mercadejavam e que os ajudavam também na construção das casas.

44 Tcheong-U-Lâm e lan-Kuong-Iâm, op. cit., p.104.

45 Facto comummente aceite, mas que alguns historiadores vêm contestando nos últimos anos.

46 Na Monografia de Macau é-nos comentado que "Os bárbaros da raça do oceano ocidental de Macau, desde que vieram no 3° ano de Ká Tcheng (1552), pagavam, anualmente, de aforamento 515 mân (fiadas de mil sapecas). " (op. cit. p.51).

47 Instrução para o Bispo de Pequim, I. C. M.,1988, p.29.

48 "Relação do princípio que teue a Cidade de Macao, e como se sustenta ate o prezente", in História da India - documentos e manuscritos diversos", cod.11410, p.87 verso.

49 Alguns de que passaram a necessitar, dado que foram os portugueses que aqui introduziram o milho, o amendoim e a batata-doce.

50 Essa fora a filosofia originária dos "casados", que em Goa e Malaca haviam sido inclusivamente compensados com dotes em dinheiro e herdades de terreno, pensando-se desta maneira garantir de alguma forma a possibilidade de permanência, enraizando o sangue português nestas paragens longínquas e expandindo também assim a fé cristã.

51 Manuel de Faria y Sousa, op. cit., p.363.

52 Provenientes da Cafraria, no sul de África.

53 Pelos chineses chamada de Fá-Uóng-Miu, a igreja do Jardineiro.

54 Este número era registado em 26 de Dezembro desse ano pelo Pe. João Baptista del Monte, segundo o Pe. Manuel Teixeira in Macau no séc. XVI, D. S. E. C., 1981, p.43. Mas em 1565 teria já aumentado para mais de 900 almas.

55 Estes artífices chineses eram essencialmente os fuquinenses que, extremamente engenhosos em trabalhos de carpintaria, eram também utilizados como mão de obra para a reparação dos navios portugueses, de certa forma similares às embarcações fuquinenses. Dada a grande entreajuda que se fomentou assim entre os portugueses e aqueles, passou esta comunidade a adquirir determinadas regalias que não eram alargadas aos outros chineses.

56 Tcheong-U-Lâm e lan-Kuong-Iâm, op. cit., p.108.

57 Ibid.

58 Esta muralha só seria no entanto elevada, como um pano contínuo, na zona norte da cidade, declaradamente fechando-se aos possíveis ataques que pudessem advir por terra, por parte dos chineses. Esta muralha resistiu ainda, do lado da zona de S. Lázaro, até meados deste século.

59 Fernando Chueca Goitia, Breve História do Urbanismo, Ed. Presença, Lisboa,1982, p.94.

60 Citado por Pe. Manuel Teixeira, Primórdios de Macau, I. C. M.,1980, p.15.

61 D. Melchior foi um dos primeiros bispos da Companhia de Jesus, e o primeiro em Macau, onde chegou em Junho de 1568. Viera de Malaca, onde permanecera quase três anos, após estadia em Goa, que o teve como professor no Colégio de S. Paulo. Para uma leitura sobre esta figura, consultar Pe. Manuel Teixeira, D. Melchior Carneiro, Macau,1969.

62 Denominado então Senado da Câmara, composto por três vereadores eleitos, dois juízes e um procurador da cidade. O título de Leal Senado de Macau só foi conferido a 13 de Maio de 1810, por D. João VI.

63 O I-Iân-Miu, ou Igreja da Cura de Doentes.

64 A Tchi-Léong-Miu.

65 Vide Fonti Ricciane, Tomo I, nota 4 da p.152.

66 Ibid.

67 Tái-Miu, ou Igreja Grande.

68 Fông-Sân-Miu, ou Igreja da Fé no Vento.

69 Fát-Fông-Tch'i, o Templo dos Leprosos.

70 Exactamente como mandava a regra e como a haviam seguido os monges regrantes desde o princípio desta Ordem. Nesta altura já os monges claustrais tinham sido inseridos nos regrantes, não havendo já azo às grandes diferenças que os tinham marcado nos séculos anteriores.

71 Que, aliás, era confirmado por Bocarro no ano seguinte quando descrevia Macau na sua obra Cidades e Fortalezas q a Coroa de Portugal tem nas partes da Índia.

72 Instrução para o Bispo de Pequim..., I. C. M.,1988, p.118.

73 Entre os quais a proibição de se ensinar a religião católica aos chineses de Macau.

74 Pe. Álvaro Semedo, Relação da Grande Monarquia da China, vol. II, p.9.

75 Ainda mais tarde, a ocupação dos portugueses chegaria às ilhas de D. João e da Montanha, onde elevaram escolas, polícia e mesmo uma leprosaria (em D. João). Tais construções mantinham-se no início deste século, mas a dependência das ilhas continuou em litígio, aguardando um acordo entre Portugal e a China que nunca chegou a ser feito.

76 Citado por Pe. Manuel Teixeira in The Portuguese Missions in Malacca and Singapore, vol. I, I. C. M.,1987, p.411.

77 Embora não perfeitamente comprovada esta autoria, é, no entanto, a comummente aceite. Educado em Itália e posteriormente formado em S. Antão de Lisboa viria para Macau em 1600, onde se dedicaria à matemática e à astronomia. Este seu trabalho não seria, no entanto, por si acompanhado no que diz respeito à obra de construção, dado que foi um dos missionários enviados para o Japão em 1602, que aí seriam martirizados vinte anos depois.

78 Pe. José Montanha, Apparatos para a História do Bispado de Macau, exemplar do A. H. U., pp.83-84.

79 Assim se elevavam quase todas as casas dos jesuítas, dedicadas à Virgem, mas que posteriormente adoptavam o nome de outro orago, geralmente S. Paulo, e daí ficarem os monges desta Companhia conhecidos por paulistas. Esta razão tomou mais força a partir da criação do Colégio de S. Paulo de Goa. No Oriente, as suas casas tomavam o nome de Sâm-Mun-Miu, templo das três portas, por esta ser uma constante dessas igrejas.

80 C. A. Montalto de Jesus, op. cit., pp.61-62.

81 Luís Ortet, op. cit., p.53.

82 Fr. José de Jesus Maria, op. cit., pp.93-94.

83 Luís Gonzaga Gomes, "A influência estrangeira na Arte Chinesa", in Renascimento, vol. I, n°4, Abril,1943.

* Licenciado em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa (FAL,1986). Mestre em História da Arte (F. C. S. H. —U. N. L.1993). Membro fundador de várias associações de defesa do Património em Portugal. Arquitecto no Gabinete de Planeamento Urbano da DSSOPT de Macau (1989-1993).

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até a p.