Literatura

LITERATURA FEMININA CHINESA DE MACAU

Lio Chi Heng*

I — DEFINIÇÃO

Muito próspera, a década de 1980 pode ser consi-derada a primavera da literatura chinesa de Macau, com relevo para a criação poética. As escritoras que foram a pouco e pouco surgindo despertaram a atenção do públi-co através de obras cuja temática e cuja técnica artística se salientaram, e se mostraram até superiores às dos contem-porâneos masculinos; delinearam, assim, as características originais e singulares da literatura feminina.

Ainda não houve nos meios académicos uma de-finição categórica do conceito e significado essencial des--sa literatura. Em sentido lato, há quem a considere produ-ção exclusivamente das mulheres; porém, há quem advo-gue incluirem-se nela as obras, dos escritores em geral, onde esteja patente uma "consciência feminina". Em senti-do restrito, os eruditos também divergem e seguem três correntes: 1) a que classifica dada obra como literatura fe-minina por nela encontrar a observação do mundo sob um ponto de vista feminino, obra onde prevalece a sensibili-dade, o estado de alma, o sentimento, o espírito, a expe-riência de vida, a descrição da existência e anseios femi-ninos;1 2) a que assim a classifica por nela encontrar os princípios do feminismo; 3) e a que sustenta uma classificação não restritiva, que busca integrar a visão particular na visão universal do mundo,2 entendendo-se aqui como visão particular as questões sensíveis às mulheres e como visão universal todas as outras questões sociais. Tal defi-nição de literatura feminina é, a nosso ver, a mais exacta e a mais abrangente.

Julgamos que o assunto que ora apresentamos seja inédito, pois ainda não houve críticos que se propusessem es-tudar, concreta e profundamente, a produção literária das mulheres de Macau, embora ela tenha crescido passo a pas—so, desde o movimento do "Quatro de Maio" e, sobretudo, como já dissemos, na década de 80. São obras que se carac-terizam por um marcado estilo feminino, que abordam o amor, o casamento, a família, bem como os demais proble-mas humanos associados à sensibilidade exclusivamente feminina.

II — CONTEXTUALIZAÇÃO

Antes de aprofundarmos o tema específico deste trabalho, julgamos necessária uma ligeira pincelada pelo seu berço de raiz.

Macau foi o primeiro ponto de contacto dos chi-neses com a cultura ocidental e há mais de quatrocentos anos que aí vivem lado a lado com os portugueses. São estes os responsáveis pela introdução da imprensa e de vários outros ofícios, bem como de géneros alimentícios e produtos de muito diversas origens. São inversamente responsáveis pela difusão das contrapartidas. Aos pátios, becos e templos chineses juntaram-se as igrejas, os con-ventos e as habitações portuguesas.

A paisagem arquitectónica é o testemunho mais evidente do entrecruzar de culturas em Macau, mas não podemos esquecer-nos de outros sectores, como por exem-plo o linguístico, onde encontramos influências mútuas a ponto de existir o "Patuá", como dialecto de Macau.

Macau serviu de ponte para a difusão do cristia-nismo na China e de base desta fé no Extremo Oriente. Com o apoio papal, os portugueses empenharam-se em difundir a doutrina cristã pelos diversos países da região, e muitos colégios dos jesuítas foram implantados nestes territórios. Macau não fugiu à regra e, tal era a influên-cia da Igreja, cedo chegou a contar com mais de trinta dessas escolas; muito embora isto não signifique que, entre os chineses, o panorama religioso macaense se tenha modificado profundamente.

Os chineses de Macau eram adeptos de vários cultos, sendo os mais importantes o confucionismo, o tauismo e o budismo, e apenas um número reduzido se converteu ao cristianismo. As principais divindades re-verenciadas são Guan Yin e Tian Hou e a tolerância, não só religiosa, é uma característica marcante do Território, tanto por parte dos chineses quanto dos portugueses.

O padre Benjamim Videira Pires,3 na sua obra intitulada Portugueses e Chineses,4 ao analisar os primeiros, sob o ponto de vista psicológico, afirma que, por serem menos metafísicos e mais líricos, se mostram próximos do carácter dos chineses. A sua devoção à natureza, o seu interesse pela história, o seu ideal de levar uma vida idílica, a sua indiferença à política e a sua autonomia na busca de uma boa conduta moral são traços idênticos aos dos chineses. Sublinha que, em se tratando da natureza humana, não há diferença entre chi-neses e portugueses. Mas muitos eruditos negligenciam a diferença entre os portugueses metropolitanos e os de Macau, quando se referem à nação portuguesa.

A maior parte dos portugueses de Macau, conhe-cidos como macaenses, é produto da miscigenação entre portugueses e chineses. Os macaenses alimentam duas angústias: são inferiorizados aos olhos dos metropoli-tanos e são vistos como dominantes pelos chineses. Por isto, há neles dois sentimentos contraditórios — humil-dade e arrogância. Apesar de estarem integrados na vida local e, em certo grau, na cultura chinesa, revela-se neles algo transitório, uma cultura sem raiz.

Contrariamente ao cunho conservador pressupos-to na dominação, os colonizadores lusos, partindo das necessidades impostas pelas estratégias políticas ou reli-giosas, desempenharam frequentemente um papel "sal-vador" em países onde as mulheres eram cruelmente oprimidas. Por exemplo, durante a ocupação da Índia, Portugal promulgou leis para defender o direito das mu-lheres indígenas que se encontravam numa posição ex-tremamente inferior. Esta melhoria de tratamento das mulheres nas regiões colonizadas poderia ser considera-da uma espécie de "compensação" pela agressão maior.

Sendo a primeira região chinesa a ser colonizada, Macau foi pioneira também na introdução das ideias oci-dentais. Em 1903, o educador Chen Zi Bao fundou uma escola que admitia simultaneamente alunos de ambos os sexos, facto que precedeu de dezanove anos o Decreto—Lei da Nova Escolaridade, promulgado na China e que reconhecia o direito à igualdade na educação.

Podemos afirmar que as mulheres chinesas de Macau sentiam-se, afortunadamente, menos oprimidas do que na China e que obtiveram maiores liberdades muito antes de suas irmãs do continente, sem esquecer que sofreram directamente os impactos das transforma-ções do pensamento ocidental. Na Sociedade da Neve, organização de poetas chineses fundada em Macau nos princípios do Século XX, inúmeros foram os seus mem-bros a escreverem poesias para saudar a bravura de duas associadas que romperam com o tradicional toucado chinês. Liang Yan Ming, o seu presidente, dedicou-lhes os seguintes versos:

Usa o penteado ocidental de tal maneira,

Que ao jovem Tan Lang **custa muito a identificá-la;

O velho tempo já passou para sempre,

Quem sabe que a Jin Fen*** é a mais bonita ao Sul

do rio Yangtsé!...

Porém, a educação das mulheres em Macau não obteve êxito imediato, pois apenas as filhas das famílias abastadas tinham acesso ao ensino. Somente a partir da década de 30 é que algumas meninas oriundas das clas--ses menos privilegiadas começam a frequentar as esco-las, femininas, mantidas pela Igreja.

Não obstante a posição de vanguarda em relação às suas contemporâneas da China Continental, raros são os casos de mulheres que tiveram oportunidade de de-senvolver actividades fora do domínio do lar e as duas poetisas acima citadas, que também se dedicaram ao en-sino, podem ser consideradas casos excepcionais. A es-magadora maioria cumpria os princípios das "três obe-diências e quatro virtudes", a que as mulheres chinesas estavam obrigadas.

Nos últimos anos da década de 50 e primeiros de 60, regista-se finalmente a entrada efectiva das mulheres nas actividades das diversas associações do Território e, a coincidir com o desenvolvimento económico alcança-do por Macau na década de 80, o leque de oportunidades expande-se aos demais sectores da vida social.

Devido às condicionantes acima referidas, como não podia deixar de ser, a criação literária feminina era inexpressiva. A criatividade só pôde romper quando a li-bertação espiritual e material tornou a relação menos de-sigual. Outro factor importante foi o aumento substan-cial de publicações periódicas: a constante procura de novos colaboradores permitiu que as mulheres quebras--sem o monopólio dos homens.

III — RETROSPECTIVA

1 — Literatura de Macau

Apesar dos factores históricos e humanos, Macau esteve sempre estreitamente ligado à China Continental e influenciado pela cultura confucionista tradicional. Durante o Século XX, em particular, acompanhou de perto as agitações sociais por que passou a China. O "Movimento da Nova Cultura", do "Quatro de Maio", a guerra de resistência à agressão japonesa, a fundação da República Popular, os dez anos da Revolução Cultural e a abertura e reforma iniciadas a partir de finais da déca-da de 70 exerceram grande influência na vida do Ter -ritório. A criação literária chinesa de Macau pode sub--dividir-se nas seguintes fases: influência da "Nova Lite-ratura", do movimento do "Quatro de Maio", nomeada-mente com poesias de características clássicas; Nova Arte, durante a Resistência, com a introdução da bai hua ou linguagem popular; literatura de esquerda a imitar os modelos da China Continental, entre as décadas de 50 e 70; as Cem flores desabrocham, a partir da década de 80.

Desde os finais da dinastia Ming, Macau já havia servido de retiro ou refúgio a inúmeras personalidades do continente. O monge Da Shan, grande nome das le-tras e artes, e combatente contra a dominação manchu, veio para Macau e aqui desenvolveu actividades de resis-tência. Depois do fracasso da revolução de 1911, Sun Yat Sen elegeu Macau como base das acções que empreen-deu contra Yuan Shi Kai. Nos primeiros anos da repúbli-ca nacionalista, muitos intelectuais refugiaram-se em Macau para escapar à guerra civil. Na década de 30, du-rante a guerra contra os japoneses, muitos escritores, tais como Mao Dun, Zhang Tian Yi, Xia Yan, Duanmu Hong-liang, Du Ai, Qin Mu, Zi Feng, Yu Feng e Hua Jiao, pas-saram ou permaneceram em Macau. Toda esta movi-mentação em muito contribuiu para o aprimoramento lo-cal não só da literatura chinesa, mas também das demais áreas do conhecimento. O "Movimento do 25 de Abril", em Portugal, veio alterar significativamente o estatuto sócio-político da população chinesa do Território, pro-movendo a sua participação gradual em todos os secto-res da sociedade.

O jornal "Ou Mun Yat Pou" abriu em 1983 um espaço semanal sob o título Jing Hai, Mar de Macau, primeiro suplemento literário chinês na história de Ma-cau. Han Mu, no "Encontro de Escritores de Hong Kong e Macau", realizado em 1984, foi o primeiro a colocar a questão de impulsionar a divulgação da produção lite-rária chinesa do Território, o que foi bem acolhido, e Macau conheceu nova dinâmica principalmente no asso-ciativismo. Em 1986, no "Fórum sobre a Literatura de Macau" organizado pelo Instituto de Estudos Chineses da Universidade de Macau (então Universidade da Ásia Oriental) e com o apoio do "Ou Mun Yat Pou", discutiu--se pela primeira vez a literatura chinesa de Macau a ní-vel académico, o que serviu de base para a obra Sobre a literatura de Macau, compilação dos ensaios apresenta-dos naquele fórum, editada conjuntamente pelo Instituto Cultural e "Ou Mun Yat Pou". Em 1987 e 1989, fun-daram-se, respectivamente, a Associação de Escritores de Macau e a Associação Poesia de Maio. Ainda, em fins de 1989, foi lançado o número 1 da "Ou Mun Pat Wai" (Pincéis de Macau), em edição semestral, primeira revis-ta literária chinesa.

2 — Literatura Feminina

Há três momentos importantes a serem destaca dos:

1) Princípios do Século XX, com o movimento de libertação das mulheres, conhecido como "Movimen-to da Nova Cultura" ou "Quatro de Maio", que inspirou a criação da Sociedade da Neve. Contava esta associa-ção, entre os membros do sexo feminino, com duas escritoras da primeira geração: Zhao Lian Cheng (co-nhecida por Bing Xue) e Zhou Pei Xian (sob pseudóni-mo de Yu Xue). Zhao Lian Cheng foi militante da União de Macau durante a Revolução de 1911 e, juntamente com Zhou Pei Xian, lutou pela igualdade de direitos.

A Sociedade da Neve foi responsável pela publi-cação de várias colecções de poesia e, desde 1916, pela edição mensal do "Shi Sheng" (Som da Poesia), que só teve a periodicidade alterada muitos anos mais tarde, de-vido a problemas financeiros. A temática era geralmente voltada para a observação da Natureza, embora uma vez por outra houvesse alguma incursão nos problemas que a China enfrentava. De qualquer forma, pode-se afirmar que, devido as escritoras terem origem nas classes abas-tadas chinesas, a sua produção literária carece de sentido social profundo.

Liang Yan Ming, fundador da referida associa-ção, em nota a uma poesia laudatória das duas escritoras, na colectânea Liu Chu Ji, Poemas escolhidos de Liu Chu (edição de 1934), diz: "Bing Xue eYu Xue são modelos de coragem e luta contra a velha tradição e servem bem de exemplo aos outros membros da Sociedade da Neve na reforma dos costumes." Liu Chu Ji foi de facto a suaúltima publicação, embora seja conhecido que a associa-ção estendeu a sua actividade até à década de 40.

2) Ainda que em número reduzido surge, nas dé-cadas de 50 e 60, a segunda geração, composta por escri-toras geralmente ligadas ao sector educacional. Podemos citar Liu Hua Qing, chefe de redacção dos periódicos "Estudantes de Macau" e "Jornal da Associação dos Es-tudantes", e Liu Xiang Bing (cujo pseudónimo é Bao Qing). Liu Hua Qing dedicava-se principalmente ao ensino de adolescentes, e isto reflecte-se na sua obra lite-rária, enquanto Liu Xiang Bing optou pelo tema do amor nos seus romances. Embora, na generalidade, apareça o social em forma embrionária, prevalece ainda a Natureza como principal elemento inspirador.

3) Um contingente muito maior de escritoras iria aparecer já em fins de 70, atingindo a maturidade em ter-mos de técnica literária e de consciência de grupo nos princípios dos anos 80. Se à primeira e segunda gerações faltava conteúdo e um claro entendimento do-fazer lite-rário, o mesmo não pode ser dito em relação ao terceiro grupo, que buscou inclusivamente estudar e promover a posição da mulher perante a família, o amor e o casa-mento, ainda que em alguns casos o produto daí advin-do ficasse restrito ao próprio mundo interior. Vamos analisar esta fase a seguir.

IV — CARACTERÍSTICAS DAS AUTORAS DA GERAÇÃO DE 80

Profissionais de várias áreas, praticamente todas as autoras têm as lides literárias como segunda activida-de. São elas, entre outras, Lin Hui, Lin Zhong Ying, Shen Shang Qing, Yu Wen, Ling Chu Feng, Si Juan, Yi Ling, Sha Meng, Ding Lu e Meng Zi. Subdividem-se em duas faixas etárias a que chamaremos aqui de primeira e segunda subgerações, tendo as que compõem a segunda subgeração passado invariavelmente pelos bancos das universidades.

1 — Primeira Subgeração

Apresentaremos concisamente três escritoras principais: Lin Hui, Lin Zhong Ying e Shen Shang Qing, muito conhecidas dos leitores das colunas especiais da imprensa periódica de língua chinesa do Território (des-de 1987), pelas vivas pinceladas, rica experiência e pro-fundo conhecimento da realidade humana.

Lin Hui, que usou, entre outros, o pseudónimo de Ling Ling, nascida em 1939, iniciou a carreira por volta de 1963, quando ela e vários jovens escritores fundaram o órgão mensal "Hong Dou". Na década de 70 largou o ensino para dedicar-se à comunicação social, o que lhe proporcionou um contacto mais directo com as diversas camadas e problemas sociais, deixando perpassar nos seus escritos o quotidiano dos estratos inferiores. Apesar da técnica simples e estrutura narrativa um tanto monó-tona, Após a entrevista e Conversa interessada são colu-nas representativas dessa fase da autora.

Entretanto, na década seguinte, com a prosa co-mo principal meio de criação, o que lhe possibilitou uma vi-ragem nos temas, passou a abordar quase exclusivamen-te o mundo psicológico da mulher — e as obras seleccio-nadas para Sete Estrelas e Mundo Afectivo são disso exem-plo. Ao observarmos toda a trajectória de Lin Hui, se por um lado houve uma "redução" do objecto de criação, em contrapartida houve um grande salto qualitativo.

Lin Zhong Ying, nascida em 1949, excelente prosadora, começou a sua actividade literária nos anos 70, em coluna exclusiva dos jornais. Durante este perío-do, publicava textos de trezentos caracteres, todos inti-mistas, onde afloravam a sensibilidade e a visão do mun-do muito próprias, em linguagem clara e simples. Simul-taneamente, porém, em colunas especiais, tais como Vis-ta para o mar e Coração amarfanhado, publicou textos áridos, resultantes da tendência ideológica maoísta pró-pria da época.

Estreou-se individualmente com Árvore de amor, em 1985, seguida de mais duas obras de literatura infan-til. O romance só veio a público dois anos mais tarde, com Nuvem e Lua, onde explorou temas da família, ca-samento e relações extraconjungais, com linguagem ela-borada e certo humor. Nuvem e Lua foi seguido de um conjunto de prosas publicado na colectânea Sete Estre-las, em 1991. Em 1994, publicou uma nova recolha indi-vidual sob o título A vida humana sorri.

Shen Shang Qing, pseudónimo de Zhou Tong, também nascida em 1949, é a mais prolífica das três es-critoras citadas, e a que apresenta maior diversificação no tratamento de temas da actualidade mundial, aprovei-tando-se de exercer a sua função principal na área das telecomunicações.

Iniciou a sua trajectória literária nas colunas Meu Semanário, Da Janela Ocidental e Anedotas de Ba Mei, servindo esta última de base para a estruturação dos pri-meiros romances. Publicou em folhetim dez romances antes de editar, em 1989, Amor iludido.5 Boa parte dos seus artigos pode também ser encontrada na colectânea Sete Estrelas.6

2 — Segunda Subgeração

Si Juan, nascida em 1966, demonstrou possuir ta-lento precoce ao escrever para a página Juventude do jor-nal "Va Kio", como jovem estudante ainda do ensino se-cundário, o que lhe valeu uma coluna especial, no mes-mo jornal, a partir de 1984. Nos seus textos, o que mais atraía a atenção do público leitor era a forte sensibilidade no trato dos fenómenos sociais que afligiam a população local e a lúcida análise do conflito de gerações.

Participou, com êxito, em vários concursos lite-rários, obtendo, entre outros, o primeiro lugar do "Gran-de Prémio de Literatura Juvenil", organizado pelo Leal Senado de Macau, em duas modalidades: prosa e poesia. Um dos textos premiados, Sombra, relata-nos a vida de duas irmãs que se refugiaram em Macau, após o marido de uma delas, um pianista famoso, ter sido vítima mor-tal da Revolução Cultural. Zhong Huai, forçada pela mãe e a tia a seguir as pegadas do pai, e sufocada pelos mes-mos fantasmas que as atormentavam, resolve livrar-se dessa sombra do passado e do enorme peso da tradição; sua autonomia e firmes propósitos provocam, por fim, total transformação das atitudes no núcleo familiar. O texto reflecte, com acurado pormenor, as contradições por que passa a juventude chinesa do Território e sua procura constante de ultrapassá-las. Tanto foi o seu êxito que mereceu reprodução a nível nacional na República Popular da China.

Na colectânea Sete Estrelas, Yi Ling (nascida em 1965, com o nome verdadeiro de Zheng Miao Shan) e Sha Meng (nascida em 1967, e cujo nome é Wei Ling Xin), são exímias na utilização de símbolos para a des-crição de imagens da vida moderna. Yi Ling mostrou principalmente as suas técnicas modernas na criação de poesias (Ilhas em fluxo, edição em 1989) e também em artigos. O texto Amor das Letras e consciência de suicí-dio explica por que gosta da literatura, mais parecendo uma canção com belos versos mas acompanhados da vontade de suicídio: "Após a sensação de intoxicação e embriaguês, passei a apaixonar-me por todas as coisas milagrosas, inclusive as poesias, aliás, poesias de suicí-dio." No final do texto, vê-se um poema irónico, descre-vendo sentir-se sem "espírito desportivo" ao tomar o ele-vador eléctrico, pois "abandonou uma corrida na luta hu-mana". Yi Ling considerou que "a sensação da morte sur-ge frequentemente no coração da gente que vive nos gran-des centros urbanos, constituindo um símbolo da perda". Embora ela sentisse, no último instante, "que quem se atrevia a morrer não tinha esta ilusão de morrer". Por isso, "sei que não poderei matar-me sem razão. O cami-nho em frente está à minha espera!" Ela é fiel à ilusão da morte e procura esta sensação fantástica. Porém, não tem coragem de morrer e não quer enfrentar a verdadeira "sensação", ou seja, tem medo ante a verdadeira morte.

Daí, podemos entender a motivação criativa di-ferente entre as escritoras jovens e as de meia-idade. Segundo a obra Diário incorpóreo, a autora não queria escrever o diário porque o "eu" do presente minuto não será absolutamente o "eu" do minuto anterior; assim, como poderia obrigar o "eu" a fazer a mesma coisa dia a dia, ano a ano? Esta atitude indeterminada, de quem não consegue obrigar-se a si mesmo, não é nada adaptável aos jovens modernos, que exaltam o próprio valor. É uma angústia no fundo do seu coração.

Se dizemos que os artigos de Yi Ling mostraram a intranquilidade da juventude actual, mas com a tradi-cional descrição realista, Sha Meng, por sua vez, apro-veitou totalmente os meios modernos para expressar o sentimento moderno, com as suas obras de tipo experi-mental. O espírito moderno revelado por Sha Meng está plenamente dominado pela opressão e a irrealidade, sen-do um "entendimento" fechado em si próprio, mas cheio de aspirações à plena vida humana. Trata-se de uma doen-ça mental surgida na moderna vida social, efeito da debi-lidade psicológica do homem. Com meios abstractos, Sha Meng expressou o vazio mundo espiritual dos seres humanos actuais, e obteve um efeito literário através du-ma sensibilidade triste e pesada.

A Mulher morreu é um conto típico que descreve, nessa linguagem triste e pesada, a insensibilidade do ho-mem moderno ao ambiente à sua volta, às outras pessoas e a si próprio, e diz que o seu coração já está morto. "Le-vantei-me como uma máquina, e fui tomar banho. Quan-do chamei a mulher, como de costume, ela não se mexeu nem respondeu. Peguei-lhe na mão, estava muito fria. Ve-rifiquei-lhe os olhos, oh, ela morreu!" Por isso, "eu sin-to certa satisfação. Depois de pentear o cabelo da mulher morta, pôr-lhe alguns cosméticos no rosto, e cobrir-lhe o corpo com um lençol, saí para o trabalho, deixando o ca-dáver sozinho no quarto." É terrível tal grau de frieza en-tre os cônjuges. Ao mesmo tempo, a irmã mais nova da morta "piscou forçadamente os olhos para cair uma lá-grima, depois recolheu-a com a maior cautela num fras-co e guardou-o no saco de mão". Além de não ter since-ridade, a gente moderna é muito avarenta, mesmo quan-do expressa o sentimento contrário. Afinal, "eu" fui leva-do a juízo, acusado de matar a própria mulher. Mas "eu" não me lembro se foi morta por "mim" ou descoberta por "mim" após a morte. Então, acusado do crime de ho-micídio, "eu" fui condenado à prisão por dois dias. Com esta sentença, "eu estou muito contente e entrei na prisão com toda a alegria. Oh, hoje é muito bonito!, pensei. Es-tou contente porque não preciso de sofrer a vida monó-tona de todos os dias, nem seguir a rotina de sair de casa, ir ao escritório e voltar para casa. De facto, quer morta quer viva, a mulher não tem nada a ver comigo!"

A maior parte dos textos de Sha Meng, seleccio-nados para Sete Estrelas, pertencem a esta forma moder-na, descrevendo a frieza psicológica moderna, ou o em-baraço e sonho pessoal. Se houvesse um ou dois artigos irónicos sobre os assuntos políticos, ela adoptaria os mes-mos traços relativamente abstractos para combinar ima-gens simbólicas. Em comparação com a linguagem fluen-te e linda das escritoras de meia-idade, os textos de Sha Meng são mais escuros e pesados. Mas, para a tradicio-nal literatura feminina de Macau, predominantemente de-dicada à realidade, as obras de Yi Ling e Sha Meng de-sempenharam certo papel na reforma das técnicas de escrever.

Apesar da maior diferença entre as duas gerações na criação literária de Macau, são visíveis as semelhan-ças no apoio à consciência de independência e de auto-nomia. Esta consciência constitui não apenas a compre—ensão das escritoras de meia-idade, mas também um dos princípios de convivência humana seguido pela ge-ração jovem. Na novela A menina A Ling, Yi Ling mos-trou a sua intenção de divulgar a independência femini-na. O pai de A Ling é tão teimoso que, continuamente não a apoia nos estudos. Mas as mulheres da década de 80 mudaram a antiga concepção, considerando que "se uma mulher for competente, obterá a boa virtude, se a competência for superior, obterá o desgosto". As mulhe-res modernas não poderão ser totalmente incapazes, pois precisam de sustentar a família, juntamente com o mari-do. Mas também não poderão ser capazes demais, por-que ficarão atoladas na dificuldade de encontrar o ho-mem ideal. Afinal, a antiga concepção domina constan-temente as populações: A mulher não deverá ser mais competente do que o homem, pois poderá feri-lo na sua dignidade. Porém, A Ling persistiu em completar os estudos universitários e fazer o estágio no estrangeiro, tornando-se um exemplo positivo do êxito. Diz a escrito-ra que "é gloriosa a luta pelo próprio destino. Em vez de se fechar, a mulher deverá ver a perspectiva mais ampla, e romper os obstáculos da família."

No romance Quinze anos de idade, Shen Shang Qing estimulou a filha, que está disposta a ir estudar para o estrangeiro, dizendo-lhe que "o destino é incalculável, deverás estudar com afinco e pensar independentemente. É muito importante ser exigente consigo própria. Deve-rás ler mais, pensar mais, experimentar mais toda a vida, e comparar todos os caminhos, a fim de estabeleceres a própria concepção do mundo e de valor." Obviamente, a mãe espera que a filha possa ser independente e viva com autonomia, não dependente nem acessório do homem.

Na colectânea Sete Estrelas, a prosa de oito escri-toras, inclusive o Mundo afectivo de Lin Hui e A vida humana sorri de Lin Zhong Ying, bem como o romance de amor de Zhou Tong, demonstraram o espírito de inde-pendência da mulher. Em Homens e mulheres, Meng Zi salientou também a importância de independência e au-to-respeito da mulher, considerando que será sem dúvi-da uma situação triste da sociedade se a vida da mulher moderna continuar a ser dependente da do homem.

V—AS INFLUÊNCIAS DA LITERATURA FEMI-NINA DA CHINA CONTINENTAL EM MACAU

A literatura feminina chinesa de Macau não man-teve sempre a atitude de repudiar influências, mas rece-beu-as constantemente das regiões vizinhas, tais como a China Continental, a Formosa e Hong Kong. A literatura fe-minina destas várias origens tem semelhanças e diferen-ças, mas todas desempenharam, nas diversas fases histó-ricas, um papel de promoção da literatura feminina do Ter--ritório. A seguir, vamos fazer uma comparação entre elas.

1 — A Influência da "Filosofia do Amor", de Bing

Xin, na Criação Literária de Lin Hui

Percorrendo um caminho semelhante ao do inte-rior da China, a literatura chinesa de Macau, nomeada-mente a feminina, revelou naturalmente o mesmo pendor técnico e literário. Já falámos, na parte do desenvolvi-mento, em geral, da literatura feminina de Macau, nas influências do movimento do "Quatro de Maio" na cul-tura local, assim como o significado histórico da emi-gração de escritores progressistas para o sul, via Macau, durante a guerra. Mas as mais directas influências da li-teratura feminina da China sobre Macau viriam a ser exercidas nas décadas de 60 e 70, tendo Bing Xin e Ding Ling como principais modelos.

Para as escritoras de Macau, a maior influência veio de Lu Xun, pioneiro da nova literatura da China, cu-jas obras haviam sido lidas pela maior parte dos escri-tores mais antigos. Porém, a "filosofia do amor" de Bing Xin e o Diário da Senhora Sha Fei de Ding Ling foram as mais marcantes influências para a estética das escri-toras de Macau, e levaram-nas para o caminho da criação literária.

A "filosofia do amor" vê-se em quase toda a obra de Bing Xin, como poção mágica para a sua libertação e a dos seus protagonistas. Bing Xin fez as personagens buscarem o mundo através do sentimento do amor da "Mãe", simpático e natural. Para ela, o mais importante é o amor do fundo do coração. Toda a gente tem no co-ração o amor escondido e deseja o amor, que provavel-mente é por longo tempo encoberto ou destruído pela maldade, a solidão, a angústia ou a decepção. Para Bing Xin, toda a gente deverá libertar o amor da opressão, e a única solução e saída consiste no "amor", no chamamen-to, na criação e na reciprocidade do amor.

Sem dúvida, o sentimento cordial vazado das obras de Bing Xin demonstrava a bela natureza, branda e feminina, muito cara ao coração das escritoras, e muito mais acessível à expressão do seu sentimento e à criação de obras que as revelam. As escritoras de Macau encon-traram nesta expressão do sentimento, a forma literária que corresponde à descrição da própria emoção, senti-mental e psicológica. Bing Xin exerceu a maior influên-cia estilística nas obras típicas da escritora Lin Hui, de Macau, que apresentaram por longo tempo a emoção do amor profundo, de maneira que as obras estavam mer-gulhadas num caudal cálido, amigável e amoroso.

Uma colecção de textos publicada em fins de 1991 sob o título de Mundo afectivo reuniu 56 artigos de Lin Hui, publicados nos meados da década de 80 sob o tópico de "Dentro e fora da janela norte" (jornal "Va Kio"), que se referiam só a três temas: recordação, amizade e gente. Quanto à "amizade", o sentimento amo-roso, amistoso e familiar caracteriza-se por uma veemen-te tonalização do amor. Trata-se de uma concepção hu-mana de Lin Hui, ao preocupar-se com as pessoas e os assuntos em seu redor, a partir dum espírito de fraterni-dade universal.

Encontram-se no Mundo afectivo muitos textos que exprimem forte sensibilidade. Sob o título de Bor-boleta e sonho, descreveu a autora que não conseguiu dormir durante toda a noite, por um motivo melancólico. De manhã, levantou-se e regou as flores. Então viu uma borboleta que voava por entre as flores. Queria pergun-tar-lhe onde passara a noite, "mas tinha medo de que a borboleta lhe lançasse a mesma pergunta. Como poderia deixar uma borboleta apaixonada por flores perceber a sua melancolia, devido à secura das flores no fundo do seu coração?" Apesar dessas flores murchas no coração, pegou de novo no regador, porque "posso cultivar as flo-res que desabrocham permanentemente na varanda, e fé nas sementes que colocar no viveiro do coração". Além disso, sonhou converter-se numa borboleta, a fim de voar no mundo das flores frescas, para se encontrar com "muitos seres do mesmo género também transformados em borboletas, pois não quero dançar sozinha entre as flores".

Obviamente, Lin Hui acreditava que já deixara sementes de amor e poderia construir um jardim de amor, e esperava que toda a gente difundisse o amor, cul-tivasse o amor e gozasse do mundo cordial do amor. Esta filosofia de "atrair amor com amor", promovida por Bing Xin, foi bem revelada em Ilha do coração — Ponte do coração. O coração é uma ilha, é necessário ter uma ponte para ligar um coração a outro. Quando "eu con-templo a sua ilha a partir da minha, descubro que é bela como o paraíso, e também uma montanha gelada de neve. Eu sei que há magma a ferver debaixo daquela montanha gelada. Então, vou construir uma ponte para a sua ilha." Finalmente, este amor voluntariamente dado é retribuído: "Quando lanço a primeira pedra na costa da minha ilha, você lança também a sua primeira." Trata-se de um poema muito emocional.

É necessário salientar que um capítulo (com o total de 9 artigos) sob o título de Gente, da referida colecção, descreve exclusivamente a vida de mulheres sino-portuguesas envolvidas na prostituição durante a década de 60, focando uma situação típica local, tema raramente descrito por outros escritores até hoje. Neste capítulo, Lin Hui despertou fortes emoções e explicou em nota que a sua obra visava revelar os problemas e os entendimentos das profissionais casadas, das famílias e da sociedade. De facto, a obra de Lin Hui pertence à lite ratura sentimental, cuja nota sensível é mais forte que a racional. Prevalece nela a esperança numa vida humana bela. Com traços simples e naturais, o encontro senti-mental plasmou os tipos humanos. O "sentimento" por ela demonstrado é puro e santificado, e assim permanece na totalidade do próprio sentido. Apesar de ter penetra-do, de vez em quando, no espírito do adversário para captar o sentimento alheio, este "sentimento" será final-mente o dela, uma auto-experiência psicológica.

2 — Lin Zhong Ying Tornou-se Mais Competente ao

Imitar o Estilo de Ding Ling e Zhang Ling

A protagonista do Diário da Senhora Sha Fei, de Ding Ling, é uma mulher intelectual que chama a aten-ção de toda a gente, e marcou uma fase, pelas suas pro-fundas influências na literatura feminina de Macau. Sha Fei representa o moral perdido e a busca da nova vida. Sendo uma mulher daquela época, Sha Fei sonhava e procurava uma qualidade humana independente e ideal. Esta procura estava cheia de encanto. Por isso, ela pode despertar o moral de muitas mulheres que estavam ato-ladas na hesitação e no bloqueio espiritual. Para as mu-lheres que se estavam a conhecer a si mesmas e procu-rando um caminho de saída, Sha Fei é, sem dúvida, uma típica imagem orientadora e um estímulo para as mu-lheres progressistas de Macau. A par da "revolução lite-rária", Ding Ling não podia fugir dos caminhos literários da "mulher e revolução" e da "revolução e amor". Estas formas influiram também na literatura de Macau das dé-cadas de 60 e 70.

Em 1966, ocorreu em Macau o "Incidente 3 de Dezembro", uma luta frontal dos comunistas chineses residentes no Território contra os colonialistas; aqueles acabaram por vencer com o apoio do Governo da Repú-blica Popular da China. Desde então, os residentes chi-neses passaram a manter um laço mais estreito com o Continente e, influenciados pelos mesmos, participaram conscienciosamente na agitação da chamada "Revolução Cultural" da China, com o que a tendência "de esquer-da" abalou toda a pequena península. A consciência fe-minina das obras de Ding Ling, o seu auto-conhecimen-to feminino, o seu valor orientador de que as mulheres devem procurar a independência individual, a sua inter-venção nas actividades e no desenvolvimento sociais suscitaram uma influência transcendental nas escritoras de Macau da época. Além disso, o sector cultural dos primeiros tempos aceitou as obras de Lu Xun, Mao Dun e Guo Mo Ro que assentaram as bases do desenvolvi-mento literário de Macau. Porém, mesmo assim, não surgiram naqueles tempos as obras chamadas de "repre-sentativas" ou "significantes". Provada pela história e consagrada pelo decorrer do tempo, a imagem de Sha Fei na descrição de Ding Ling continuava a ser brilhante, como modelo literário das escritoras da nova era, medi-ante o desabafo das agonias no coração das mulheres e o desembaraço na procura da independência feminina.

A carreira literária da escritora Lin Zhong Ying, de Macau, iniciou-se pelo seu apreço pelas obras de Bing Xin e Ding Ling, e, a sua própria qualidade pessoal e estética determinaram que ela aceitasse somente as in-formações das obras de Ding Ling. Como, nos primeiros tempos, a autora não tinha assimilado o sentimento ideo-lógico e estava sob a transformação da época, esta influ-ência não chega a ser uma formalização externa das obras, mas uma pura imitação; o que caracteriza os tex-tos intitulados Contemplando o mar e Agitação no fundo do coração. Porém, quando escreveu a novela Nuvem e Lua, nos meados da década de 80, Lin Zhong Ying aban-donou já a forma de Ding Ling e seguiu-lhe somente as técnicas de descrição do delicado moral feminino, derivadas do mundo criativo daquela escritora chinesa da velha geração, enquanto sondava a vida e o valor da mu-lher. Mas ela não aceitou cegamente a metodologia de Ding Ling, que procurava incansavelmente as respostas da libertação feminina, tanto externa como interna. Por isso, foi optativa a sua aceitação.

A novela Nuvem e Lua (1985) descreveu uma hi-stória sem resultado, ou seja, um caso extra-matrimoni-al: É uma família com problemas, a aflição dum homem e o coração bondoso duma mulher. Havia um sentimen-to amoroso silenciosamente surgido entre o protagonista masculino (Zhan Cai) e a governanta da casa (Yue Mei). Este amor é saudável e natural. Mas adona da casa, que nunca se preocupava com assuntos da família, percebeu que é preferível perder a garantia do dinheiro e tomou a iniciativa de lançar o ataque.

Na sociedade chinesa, o "terceiro" será sempre criticado em qualquer tempo e em qualquer circunstân-cia. Se Zhan Cai viver junto com Yue Mei, eles poderão formar uma família muito feliz e alegre. Mas, Yue Mei considerou que "sem mim, vocês vão divorciar-se por causa dela. Mas, agora, o caso será por minha causa." Por isso, em vez de fazer o mesmo que a personagem criada por Ding Ling, que ousará romper o bloqueio do velho costume, Yue Mei vai esconder o seu amor, supor-tar o sofrimento no fundo do coração e decidir não man-ter mais contactos com Zhan Cai. Mas, conforme a actu-al realidade de Macau, a personagem de Lin Zhong Ying terá mais significado do que a mulher que ousava romper a tradição.

Claro, é natural que um escritor imitasse alguns célebres homens de letras antigos no decorrer da sua for-mação literária. Abandonando a forma de Ding Ling, Lin Zhong Ying passou a procurar o novo exemplo de imi-tação segundo o seu próprio ponto de vista estético. A Nuvem e Lua foi um trabalho imitando a escritora Zhan Ai Ling que expressou a natureza do mundo psicológico feminino mediante a conversa a respeito das caligrafias e pinturas. Além disso, ela produziu a técnica de "inte-grar a cena em cena", tal como se vê no seguinte trecho:"Levantada a cabeça, ele viu, através do vidro da janela, que uma Lua Cheia e prateada estava pendurada no imenso espaço, enquanto uma réstia de nuvens pairava lentamente e cobria a Lua clara. Subitamente, as nuvens sumiram-se para longe sem sequer dizer adeus. Fitando os olhos nas nuvens e na Lua, Zhan Cai lembrou-se de Yue Mei e de si mesmo (...)." Esta descrição corresponde sumamente ao "gosto" de Zhan Ai Ling, e a protagonista Yue Mei também parece a sombra feminina sob as suas pinceladas.

Porém, Zhang Ai Ling descreveu mulheres com traços agudos e ásperos, e, por sua vez, Lin Zhong Ying gostava dum estilo amável e sincero. Zhang destinou a tinta principalmente às mulheres das décadas de 30 e 40 em Xangai, então ocupada pelos japoneses, e Lin dese-nhou as mulheres das décadas de 70 e 80 do território co-lonial de Portugal. Obviamente, não é igual o valor psi-cológico das mulheres sobre diferentes fundos de época. Isto também pode explicar por que Lin Zhong Ying acei-tou a influência de Ding Ling — mas divergiu dela, no seu mundo artístico feminino, ao revelar um espaço psi-cológico diferente.

As mulheres intelectuais geralmente revelam forte consciência da liberdade, da resistência à sociedade e da independência de personalidade. E tudo isto acom-panha a vida e a luta pessoal ou social, provocando um efeito literário comovente. Mas, no território de Macau de 80, o ambiente de vida das escritoras determinou que elas não precisam de conduzir a renhida luta pela liber-tação das mulheres. Mesmo na sondagem da opinião das mulheres no âmbito do amor, da família e do matri-mónio, elas também seguiam um caminho de espírito amável e pacífico, sem suscitar a eventual luta veemente, renhida e comovente. Tal como Yue Mei, da novela Nu-vem e Lua, que tinha a independência e o direito à liber-dade de amor e de casamento, mas retirou-se do confli-to sob a pressão ética. Isto não significa que ela não tinha a consciência da libertação feminina, mas sim que é uma mulher moderna e poderá dominar o próprio destino. Desistiu de Zhan Cai porque, além da pressão da con-cepção social, ela queria, e isto é muito importante, um matrimónio perfeito. Este desejo revela já a diferença en-tre a mulher moderna e a antiga. Mas, afinal, este foi um assunto pessoal, dela sozinha, sem necessidade de pro-vocar a "explosão da bomba", como no caso de Sha Fei.

Lin Zhong Ying gosta de usar traços lindos e li-geiros para descrever o reino das mulheres, exprimindo a sua angústia e a sua alegria, além de sua escolha e ago-nia entre a profissão e a família, bem como a pressão que elas suportavam e o seu sacrifício por esta. Se as obras de Lin Zhong Ying escritas durante a década de 80 reve-lava principalmente as questões do afecto no mundo feminino, o conto Renascença seleccionado para a col-ectânea Encontro Literário de Macau (edição n° 2 de 1990) passou a descrever com grande ousadia o proble-ma sexual.

Tomou como fundo o "Incidente de 29 de Mar-ço", ocorrido em 1990, por causa de imigrantes ilegais terem realizado uma manifestação contra as autoridades para obterem o documento de identificação, a fim de po-derem permanecer legalmente em Macau. Nesta agita-ção, milhares e milhares de manifestantes conseguiram o "título de residência temporária", e Yin Cai foi uma de-las. Ela teve, afinal, a sua oportunidade de "renascença", e podia ser tranquilamente uma "habitante de Macau". Porém, a autora inspirou-se em outro significado de "re-nascença": livrou-se da antiga opressão sexual. Ela "sen-tiu o corpo ficar enrijecido num calor inexplicável, e acariciou perplexa aquele lugar virgem onde lhe queima-va". Para chegar à libertação, a empregada Yin Cai não podia conter o próprio apetite sexual e, numa noite de interrupção do fornecimento de luz em que a Dona saiu de casa, ela, "inteiramente nua, foi, com uma vela de cera na mão, bater à porta do quarto do Dono (...)". Esta descrição tão franca de sexualidade, nenhum escritor masculino deste Território teve coragem para exprimi-la. Mais uma vez, Ling Zhong Ying adoptou uma atitude neutra, sem elogiar nem criticar a actividade psicológica de Yin Cai, descrevendo o desejo da protagonista da cena a partir das necessidades de um ser humano natural, o que mostrou o espírito moderno e a perfeição da cons-ciência feminina.

Além de contos e novelas, ela criou também um ambiente feminino nos seus artigos, sendo uma impor-tante prosadora do território de Macau.

As obras de Lin Zhong Ying possuíram sempre um forte sabor feminino. Apesar de aproveitar delibera-damente, de vez em quando, de um espírito viril para a sua criação, ela não conseguiu encobrir o espírito femi-nino da sua bela linguagem, porque as palavras demons-traram instintivamente o pensamento feminino e cons-truíram um mundo puramente pertencente ao moral feminino. As duas novelas Máscara de mulher (1988) e Seio artificial (1990) revelaram a "visão feminina" e demonstraram também o amadurecimento de sua cons-ciência feminina. Desde a mulher usar cosméticos para pintar a "máscara" no rosto, até "querer os seios gran-des" para despertar a atenção da sociedade comerciali-zada, tudo isto revelou que valores a mulher moderna procura incansavelmente. As obras Máscara e Seio arti-ficial revelaram os problemas da beleza feminina, e as diferenças entre a concepção primitiva e a ciência e tec-nologia moderna. A escritora fez uma análise profunda destes dois aspectos, descrevendo a conjuntura da vida da mulher moderna.

Lin Zhong Ying não se cansou de sair do âmbito do gosto feminino, e com todo o empenho, observar o mundo de um ângulo neutro. Mas a sua consciência femi-nina rompeu instintivamente. Isto confirma que a sensi-bilidade feminina brotará inevitavelmente da sua caneta. E, as escritoras poderão aproveitá-la e expandi-la para a sociedade mais amplamente, e mais aprofundar a sua moral.

3 — Aceitar as Características Tradicionais de

Criação Literária Integrando a Sensatez e a Beleza

Além de influências de escritoras contempo-râneas chinesas como Bing Xin, Ding Ling e Zhang Ai Ling, as escritoras de meia-idade de Macau aceitaram também as da literatura tradicional. O espírito de criação demonstrado nas obras de Lin Hui e Ling Zhong Ying durante a sua fase precoce foi original e nítido, visando integrar a "sensatez" e a "beleza", duas características tradicionais dos textos chineses. A "sensatez" observa os problemas da vida humana e da sociedade e a "beleza" exprime-se em linguagem graciosa que se acha em quase todas as obras de Lin Hui e Ling Zhong Ying. Como a "sensatez" mostrava várias formas, são diferentes as obras daquelas escritoras que integram os dois factores.

Ao continuar a tradicional prosa chinesa, Lin Hui buscou um estilo original, geralmente relacionado com paisagens naturais como montanhas, rios e aldeias. A autora assentou o seu entendimento da vida humana na descrição e na aprecição dessa paisagem natural. Na colectânea Mundo afectuoso de Lin Hui, não poucos tex-tos mostraram a sua atitude extraordinária quanto à vida humana.

Baía verde tratava um caso humano mediante os mangues silvestres espalhados nos pantânos junto dum parque litorâneo. Os mangues naturais têm grande vitali-dade e poderão cobrir toda a praia com o decorrer dos anos. Daí, a autora entendeu tacitamente o grande poder de um simples grão. Os mangues atraiam gansos e ou-tros pássaros que formavam uma paisagem encantadora. Mas, os mangues cobriram toda a praia e prejudicaram em certo grau a ecologia ambiental; por isso, a autora compreendeu que "no mundo não há coisa perfeita, mesmo na transformação natural".

Se Baía verde não tinha grande originalidade, já o Hino fúnebre revelava plenamente um entendimento incomum da vida. "Eu" e "tu", banhados pelas brisas primaveris, lançaram-se juntos ao precipício das mon-tanhas e vales verdes, ante uma paisagem de folhas ver-melhas e violetas. "Tu" quis deixar o cadáver neste lugar para contemplar o Sol que nasce do Oriente e se põe no Oeste, escutar a melodia expressiva das cordas com pon-teio de vento vindo das montanhas e o coro de pássaros e bichos, e ainda o murmúrio de riachos e cataratas... Mas, "eu" quis uma "chama viva" para queimar o corpo e os ossos, pois não terá significado que um corpo sem moral ocupe um sítio na montanha verde. Para Lin Hui, "eu" não passa de ser um passageiro do mundo humano. Uma vez que partisse deste mundo, deveria sumir-se completamente, sem deixar sinal.

Embora aspiração romântica de "tu" exprimisse um amor pela Grande Natureza, a opção de "eu" corres-ponderá mais ao espírito harmonioso de regressar à natureza e ainda mostrará mais a característica tranquili-dade da cultura chinesa. Sem dúvida, o Hino fúnebre revelou o entendimento original de Lin Hui acerca da própria vida. Além disso, o Hino fúnebre deu-nos uma bela linguagem, com sílabas e comparativas artística-mente tratadas.

Os textos de Lin Zhong Ying mostraram também um estilo tranquilo e incomum, pontuado pelo pensa-mento de Zhuang Zi. As obras exemplares são Silêncio, Coração livre e Chá em silêncio.

O homem que vive nos grandes centros urbanos modernos fica cada vez mais longe da natureza sem poder escutar o correr de riachos e fontes. E tornou-se-lhe cada vez mais desconhecido o ambiente sossegado em que "estava sentado sozinho dentro duma barraca e tocava o instrumento de cordas cantando". Se quiser a natureza, e integrar-se no Céu e na Terra, o meio mais directo será conduzir o carro para as regiões de conser-vação natural, a fim de sentir o cantar dos pássaros e o perfume das flores. Claro, mesmo que nela vivessem, nem todos poderiam alimentar os sentimentos naturais e entender as relações entre o homem e a natureza. Por isso, o ambiente tranquilo que Zhuang Zi queria, estará cada vez mais longe para o homem moderno que vive e trabalha na cidade.

Lin Zhong Ying gostava do silêncio da noite, pois podia descansar de todo o barulho e cansaço do dia e livrar-se da agitação da existência, e, muito mais impor-tante, fugir da amarração psicológica, a fim de reorgani-zar tudo: O que foi importante, e o que foi insignificante graças ao moral que se torna mais nítido e mais claro, depois de filtrar a poeira do dia. Ela diz em Silêncio: "Manter-me em toda a tranquilidade — e a tranquilidade externa e o pensamento interno facilitam o entendimen-to da vida." Lin Zhong Ying sonhou a vida humana em ambiente tranquilo, como o adequado à nossa sociedade confusa. Em Chá em silêncio, Lin Zhong Ying limpou mais uma vez o espírito com o Chá ritual.

Porém, entre as obras de Lin Zhong Ying, são ra-ros os textos que patentearam o pensamento de Zhuang Zi. Na antiga tradição literária integrando a "sensatez" com a "beleza", a sua sensatez possui mais a sabedoria do confucionismo, ou seja, manter a atitude de integrar--se na sociedade e uma experiência de viver, a fim de preocupar-se com a sociedade, sendo uma literatura com simplicidade racional.

A colectânea Levar a vida a sorrir reuniu vários textos sobre a atitude feminina quanto à vida humana, tais como Meia-idade nova, A esposa famosa, Mãe só no nome, Segredo da idade, que apresentam a verdade hu-mana numa linguagem bonita e sorridente. Foram dadas nestes textos as seguintes informações: No ritmo acele-rado moderno, a vida das mulheres de meia-idade é cada vez mais difícil; elas devem suportar simultaneamente as duas cargas — pressão da vida e pressão espiritual.

Lin Zhong Ying identifica-se a si mesma como pertencente à segunda subgeração. A mulher da segunda subgeração deverá cuidar da família, sustentar os pais e educar os filhos, além de dedicar-se ao seu próprio tra-balho profissional. O filho e o trabalho são igualmente importantes. Não pode abandonar nenhum deles. Devido às várias pressões, a mulher desta geração "é mãe mas não igual à mãe", pois a "mãe" já parece o "pai". Ela de-verá fazer as contas da família, perguntar pelo estudo dos filhos, comparecer à "reunião dos pais", e deslocar-se para o serviço. Em comparação com a antiga "dona da casa", ela tornou-se mais séria, mais ocupada e mais es-forçada, parecendo um homem em luta renhida. Nestas circunstâncias, ela nem sabe rir, ou só saberá ter um sor-riso forçado.

De qualquer modo, as mulheres modernas não conseguem desempenhar facilmente os seus encargos. Se as escritoras estivessem mergulhadas neste pequeno mundo, em que só se "exprimem queixas" ou "denún-cias", as suas obras não poderiam chegar ao nível da "sensatez". Lin ZhongYing não se limitava às descrições superficiais dos factos, mas, escavava tanto quanto pos--sível a razão humana escondida, com sua observação racional feminina: "[A segunda subgeração] poderá, co-mo se fosse um búfalo resistente, ter a sensação da satis-fação e, ao mesmo tempo, respirar pesadamente, encos-tada à parede, pois esta satisfação será um gozo nobre, e a segunda subgeração entenderá e experimentará toda a sua vida." Apesar de ter sofrido mais, a segunda subger-ação constitui uma camada feminina que muito con-tribuiu para a sociedade e para a família. Compreen-dendo a satisfação no sofrimento e o seu valor cheio de significado, a segunda subgeração poderá dar sempre mais contribuições até ao último fôlego.

A transformação da vida e da psicologia dificul-tou à mulher de meia-idade o rir às gargalhadas, mas co-mo entendeu Lin Zhong Ying este facto? Ela não atendeu se o riso é ligeiro ou não, pois os seres humanos não po-derão deter o decorrer do tempo, nem perder os anos da juventude ingénua sem tristeza. Em vez de lamentar a perda do rir às gargalhadas, ela entendeu acompanhar a evolução do seu empenhamento na sociedade e assegurar a oportunidade de mostrar o seu valor humano — "a fim de ter mais sorrisos de compreensão e de sabedoria, que serão leves mas pérpetuos". Estas observações directas sobre a vida humana são plenamente válidas e racionais.

Lin Zhong Ying exprimiu a sua sensatez não somente no que interessa à mulher, como também na resposta ou na meditação dos problemas sociais e reais. Geralmente, os jovens plenos de ideais que iniciam a sua carreira na sociedade são rebeldes e frequentemente con- testatários, além de insistentes na própria opinião. Mas Lin Zhong Ying considerou, em Adolescentes itine-rantes, que "maior idealismo trará maior hipocrisia; por isso, cortar os dedos do pé para ajustar os sapatos de cer-to modo ajudar-nos-á a encarar os assuntos concretos e a levar uma vida realista". O homem consciente de si su-bestima esta atitude que considera passiva. De facto, Lin Zhong Ying foi jovem. Esta foi uma conclusão por ela tirada como experiência de vida, depois de ter percorri-do um caminho nada curto. Ela percebeu a eficácia dum coração tranquilo e não radical. Obviamente, "cortar os dedos para ajustar os sapatos" é um provérbio negativo, mas Lin Zhong Ying descobriu-lhe a verdade humana.

Plena de verdade humana, a prosa de Lin Zhong Ying não apresenta uma linguagem seca nem monótona. Ela observou a vida humana mediante a expressão de uns versos lindos e graciosos, naturais e fluentes. O nível das obras literárias é determinado pela competência do autor em dominar o ambiente de vida. Os textos de Lin Zhong Ying caracterizam-se pela mistura da sensatez com a beleza, o que demonstra o seu elevado espírito pelo entendimento da vida.

VI—AS INFLUÊNCIAS DA LITERATURA FEMININA DA FORMOSA NA DE MACAU

Tendo o ano de 1920 como linha divisória, a lite-ratura feminina da Formosa passou por duas fases. O presente texto foca apenas a literatura moderna, sem referência à antiga. A literatura da Formosa deu os seus primeiros passos durante a década de 50, que seguiu principalmente as seguintes fases: continuação da litera-tura tradicional oriunda do Continente; nostalgia e adap-tação à realidade; introdução do modernismo ocidental; exaltação do neo-feminismo.7

1 — Semelhanças e Diferenças entre

Macau e a Formosa na Literatura Feminina

Em geral, a literatura feminina da Formosa não se livrou, entre os anos de 50 e 70, da influência cultu-ral e psicológica tradicional, o que foi idêntico ao caso coevo de Macau. As obras exprimiam sempre a amizade e o amor materno, além de exaltar uma perfeita vida familiar, ou seja, cultivavam a um sentimento do género "filha" e "mãe".

Uma flor branca, de Nie Huo Ling, descreve o reencontro de duas amigas dos tempos de escola secundária depois de terem estado separadas 16 anos. A obra louva a sinceridade da amizade e descreve com tra-ços muito ternos as paisagens naturais e as personagens, facto muito comum difundido entre as escritoras de Ma-cau. Por exemplo, podemos encontrar a mesma descri-ção nos artigos e novelas de Lin Hui e Lin Zhong Ying.

Durante a década de 50, a maior parte das escri-toras residentes na Formosa e oriundas do Continente alimentavam uma psicologia de "passageiras"; por isso, as suas obras exprimiam um sentimento triste, visto que elas "estavam fechadas na própria casa" por desconhecer o lugar onde habitavam. Na década de 80, também em Macau existia este caso. Nos anos 70, milhares e mi-lhares de chineses residentes no Sueste Asiático emi-graram para o Território para se livrarem da crise e opressão política das autoridades daqueles países, a fim de encontrarem uma vida pacífica e tranquila. Depois, muito mais habitantes do interior da China também entraram em Macau e, uma parte deles, junto com o pri-meiro fluxo, participaram no trabalho cultural de Macau, convertendo-se em escritores "não nativos". A escritora Yu Wen (pseudónimo de Wu Zhen Ni) que despertou a atenção do público por editar prosas breves e novas poe-sias, era uma chinesa residente na Indonésia. Ela regres-sou à pátria e depois emigrou para Macau. Desconhe-cendo este Território, ela mantinha também um senti-mento de "passageiro", inspirado por longo tempo nas suas obras. Na colectânea Sete Estrelas, ela descreveu no texto intitulado Despedida: "Estou diante do papel há trinta e seis semanas, desde a Primavera verde até ao Ou-tono dourado. Agora, tenho vontade de desistir de escre-ver e abrir o livro para acolher o Outono (...) Desenhei agora sete estrelas para as despedidas, como recordação de um passageiro (...)." A autora gostava de manter a sua identidade de "passageiro".

Justamente por causa dessa psicologia de "pas—sageiro", Yu Wen trancou o sentimento nos próprios versos. As suas obras criaram um ambiente de beleza para a vida humana, ao mesmo tempo que buscaram um humor ligeiro, imitando o estilo das prosas curtas das dinastias Ming e Qing. Nos finais da dinastia Ming, essas prosas surgiram nas frestas entre a política tene-brosa e a vida quotidiana. Para livrar-se daquele ambi-ente social, as obras foram marcadas pela "relaxação e subtileza". Yu Wen tinha uma vida mais complicada do que os escritores locais. Depois de escapar da sociedade agitada, ela esperava levar uma vida tranquila e escolheu Macau como lugar de seu retiro. Tal como as escritoras da Formosa da década de 50, ela escreveu textos só para atender às necessidades de exprimir a própria opinião e seguiu o caminho da "relaxação e subtileza", criando um mundo próprio, puro e encantador.

A Chuva, da colectânea Sete Estrelas, descreveu que ela passeava num jardim num dia de chuva na Pri-mavera. Yu Wen caminhava por entre as flores: brancas, violetas e vermelhas. Houve vento e chuva, mas não houve interferência de ninguém nem barulho. "Os ban-cos verdes estão na solidão", mas para ela, "o jardim em solidão é tranquilo e bonito".

Recordando o passado, Yu Wen não exprimiu a saudade triste nem o sentimento nostálgico de outros via-jantes fora da terra natal, pois, para ela, o passado não foi agradável. Pela janela norte descreveu a sua impressão sobre uma cidade do norte (no Interior do país): "O sangue é derramado, do ferimento da pancada com um tijolo, do ferimento da punhalada com uma faca, do feri-mento com uma bala certeira, que tingiu toda a neve, com cor tão vermelha, como se fosse a braçadeira do guarda vermelho." Esta recordação horrorosa foi resultante da sombra da Revolução Cultural. "Pela janela norte sopra também o vento norte, como se fosse uma canção do norte"; por isso, "mesmo num dia radiante e de sol, sem-pre misturado com um frio de gelo". Pela janela norte, Yu Wen viu "uma terra onde os seres humanos habitam".

Apesar de serem idênticos os temas escolhidos sob o lema da "relaxação e subtileza", pelas escritoras da Formosa, nas suas obras assinala-se ainda uma diferença natural ao exprimirem a "tristeza nostálgica", pois Yu Wen passou a Revolução Cultural, e outras não. Yu Wen não gostava de exprimir o "próprio mundo psicológico", mas sim descrever as flores, as árvores e o humor da vi-da, levando o leitor para um ambiente de "euforia". O texto é breve, a linguagem é simples, formando um esti-lo original. Mas, ela gostava de aproveitar "desenhos obscuros". Por exemplo, o texto Discreto descreve o tra-balho e a vida dos funcionários de um escritório, mas nem todos entenderam o seu significado.

2 — Estudo Comparativo entre a Criação Literária

Moderna de Macau e da Formosa

Devido ao impacto das tendências literárias do modernismo ocidental, surgiu na Formosa, durante a dé-cada de 60, uma consciência de "ocidentalização total", facto que teve estreita relação com a transformação po-lítica, económica e social daqueles anos. Na década de 50, o governo nacionalista da Formosa dependia dos Es-tados Unidos, e, a par da presença norte-americana nos âmbitos político, económico e militar, a cultura ociden-tal entrou naturalmente naquela ilha. Nos anos 60, a For-mosa sofreu a passagem da "pequena economia cam-ponesa" para a estrutura industrial e comercial, o que des-truiu o tradicional equilíbrio e a estabilidade cultural. E, neste momento, a cultura introduzida pôde desempe-nhar temporariamente uma função compensadora peran-te o fenómeno da expansão do estilo ocidental expandi-do para Oriente, ocorrendo um auge de criação de poesias e romances modernistas, com os esforços de escritoras como Nie Hua Ling, Chen Ruo Yi e Ou Yang Yu. Mas, como esta "ocidentalização" foi resultado da influência política e económica ocidentais, a literatura não poderia senão aceitar completamente a "imitação dogmática", mantendo, por isso, grandes diferenças em comparação com as obras modernistas da literatura feminina da For-mosa. Durante as décadas de 30 e 40, Macau foi uma re-gião produtora de incensos, fumos e fogos de artífício.

Nos anos 60, as mudanças políticas e económicas verificadas no mundo inteiro, nomeadamente nas regiões vizinhas, também se fizeram sentir em Macau, sobretu-do no que diz respeito ao desenvolvimento industrial, e a promoção dos casinos estimulou sua actividade turísti-ca. Nos anos 70, foram construídos muitos edifícios in-dustriais por causa do desenvolvimento têxtil, seguido de outros ramos da indústria ligeira como empresas de cons-trução e fábricas de ouro que precisavam de muita mão--de-obra. Na década de 80, graças à abertura da China Continental e ao rápido desenvolvimento económico de Hong Kong, o território de Macau tornou-se numa socie- dade de estrutura comercial, tendo o turismo e o jogo co-mo pilares económicos. Antes, o governo colonial portu-guês não tivera a preocupação de introduzir o moder-nismo ocidental, que só entrou em Macau nos últimos anos da década de 70, paralelamente ao desenvolvimen-to económico e às mudanças da estrutura social.

Uma parte dos escritores não estava satisfeita com a situação de o realismo tradicional dominar a lite-ratura de Macau, e usava conscientemente o modernis-mo, principalmente na poesia. E, alguns escritores radi-cais jovens ou de meia-idade escolheram como sua preferida uma das diversas técnicas de expressão moder-nista, o que resultou num ambiente semelhante ao da Formosa, na década de 60. Uma parte dos escritores pro-moveu uma campanha de "ocidentalização total" e de "respeito pelo modernismo". A transformação social de Macau não foi tão grande como a da Formosa, que saltou directamente da sociedade agrícola para a comercial, mas sim duma sociedade da indústria ligeira para a co-mercial, o que não foi grande ameaça para sua cultura. Por isso, o fénomeno da "ocidentalização" literária deste Território resultou principalmente do gosto artístico, e os seus escritores buscaram de maneira consciente uma no-va sensação e uma posição estética. Por outro lado, em Macau não houve o fenómeno de invasão estilística oci-dental porque o Território manteve uma estreita con-saguinidade com a literatura do continente. Sendo uma pequena península, Macau está ligado ao continente e, por este laço, parece um bebé ao colo da mãe continen-tal e cresce com o leite que ela dá. E, por razões espe-ciais da história, a literatura feminina chinesa de Macau seguiu o estilo de Ding Ling e Bing Xin.

Porém, como "órfão", por causa da delicada con-tradição política com a R. P. C., a Formosa deixou de se alimentar do "leite" literário do continente já há muito tempo. Assim, há dois estilos inteiramente diferentes da literatura feminina, de Macau e da Formosa, mesmo no aceitar do modernismo.

Yi Ling e Sha Meng são escritoras modernistas devido a este ambiente literário e esta tendência estran-geira. A maior parte dos versos de Yi Ling mostraram uma forma "ocidentalizada", e alguns comentários que escreveu também comprovam que ela aceitou a literatu-ra modernista da Formosa. Por sua vez, Sha Meng ex-pressou as suas ideias "ocidentalizadas" principalmente na prosa. Da prosa abstracta intitulada Um amontoado de coisas, seleccionada para a colectânea Sete Estrelas, po-demos perceber que as "pessoas modernas" estão mer-gulhadas numa solidão psicológica extremamente doída.

Sha Meng riu de si mesma por ser "uma vida sem consciência nem forma", como confundida e esmagada num esconderijo entre as paredes, até "ser parte inte-grante daquelas paredes, sem entender nada, senão ace-nar a cabeça em sinal de sim". Obviamente, a frase im-plica que os homens que vivem nesta sociedade moder-na, complicada e cansativa, perderam não somente a sua própria imagem e a sua individualidade, como também o pensamento e a consciência, tornando-se "um amontoa-do de coisas abandonadas". O mundo-é imenso, mas o homem constitui uma coisa "esmagada" num cantinho, sem valor. Porém, talvez "um escultor decadente levasse estas coisas para o atelier dele, e as plasmasse em qual-quer imagem de escultura, considerando-as um produto artístico (...)". De facto, tal conclusão foi uma ironia da autora quanto às artes, sobretudo às artes modernas. Cla-ro, a ironia foi mais cáustica quando "este produtor artís-tico voltou de novo àquele esconderijo, voltou a encos-tar-se de novo às paredes, e voltou, de novo, a amontoar lixos", significando a fraqueza incurável dos seres hu-manos: Seja qual for o esforço, e qualquer que seja a imagem plasmada, o homem sempre será igual ao dos seus primeiros tempos, como uma vida sem consciência nem configuração. Será que o homem moderno se perde-rá para sempre e levará uma vida morta, solitária e vaga?

No texto Um amontoado de coisas, a autora em-pregou um processo simbólico e abstrato para estruturar uma imagem vazia para os leitores preencherem. Esta intenção foi idêntica à da literatura modernista feminina da Formosa na década de 60. Mas Sha Meng prestou atenção à descrição da emoção do "homem moderno", e as suas obras adaptavam-se mais à época. Contudo, não tiveram resultado perfeito, por encontrar-se em toda a parte a descrição não familiar nem natural. O facto de os jovens escritores chineses procurarem formas diversas de criação literária demonstrou que a literatura de Macau seguiu um caminho distinto. Esta tendência da literatura moderna possibilitará o seu desempenho positivo, quan-do no jardim literário chinês de Macau reinar um am-biente mais vivificado em que as diversas flores desabrocharão plenamente, e desde que as escritoras do Território possam entender e dominar perfeitamente esta diversificação, integrando a realidade social. Por sua vez, as escritoras de meia-idade também tentaram integrar o realismo com o modernismo na sua criação literária.

3 — Zhou Tong e os Amores da Formosa

A partir dos anos 60 surgiu a tendência de escre-ver romances de amor, tendo a escritora Qiong Yao, como sua maior representante, exercido certa influência nas escritoras de Macau.

Qiong Yao considera o amor como fonte de cria-ção literária, que difere da "filosofia do amor" pre-conizada pela escritora continental Bing Xin. O "amor" de Qiong Yao concentra-se nomeadamente numa afeição da "filha", ou seja, num amor da menina. Por sua vez, o "amor" de Bing Xin tem um significado mais extensivo, mostrando um amor "materno" e "natural", apregoando um "amor" no coração de cada indíviduo e em todos os seres humanos, e esperando que este "amor" fosse um instrumento para libertar o moral humano e a sociedade humana. Por isso, o seu "amor" é mais amplo e mais sig-nificante. As obras de Qiong Yao têm um estilo mais atraente, com a sua rica imaginação, sua fina afeição, seu perfeito conhecimento das poesias antigas, sua bela lin-guagem e as cenas comoventes por ela desenhadas, don-de brota uma pureza de sentimento e sinceridade pela vida, além da beleza do mundo humano. O "amor doido" e a "bela vida humana" de Qiong Yao são extremamente compatíveis com o sentimento das escritoras de Macau, graças ao que a "expressão amorosa" passou a dominar o seu pensamento criativo.

Em vez de Qiong Yao, Guo Liang Hui foi a pri-meira escritora da Formosa que manteve contacto e in-fluiu na criação de Zhou Tong, escritora de Macau e muito competente autora de romances de "expressão amorosa". Guo Liang Hui, pouco antes de Qiong Yao, publicou dezenas de colecções de romances e textos, plasmando grande número de personagens de meia-ida-de, como empresários ou comerciantes, geralmente egoístas, hipócritas e cruéis.

Guo Liang Hui gostava de revelar, com tonali-dades tristes, a melancolia feminina do amor, do casa-mento e do sofrimento humano. Apesar de reconhecer a influência de Guo Liang Hui, Zhou Tong não mostrou nas suas obras a mesma tonalidade de Guo Liang Hui, mas sim um estilo semelhante às obras de Qiong Yao, com frequente esperança na "vida humana". Zhou Tong diz na Minha carreira literária: "Descobri que, bem ou mal, dramáticas ou trágicas, todas as minhas obras são marcadas por um sentido de esperança."8De facto, Zhou Tong assimilou a essência das obras de Guo Liang Hui, que sabia analisar profundamente a vida humana. Das obras de Zhou Tong, poderemos perceber a revelação da natureza humana. Mas, ela quiz preservar o "belo" e omitir deliberadamente o "feio". Na escolha do artístico, as suas obras tinham as mesmas estruturas das escritoras da Formosa, dedicadas aos romances de amor-da década de 60, mas apresentavam um gosto diferente, mediante a purificação estética própria da literatura.

A sua única edição independente, Amor iludido, foi um romance fantástico, com estrutura perfeita, nar--ração rica e descrição comovente. O protagonista mas-culino, Li Huai Min, encontrou-se casualmente numa noite com uma rapariga estrangeira. Este único encontro resultou num filho. Alguns anos depois, o aparecimento daquele bastardo incomodou a vida feliz da família. Ao mesmo tempo, a cunhada, irmã mais nova da esposa, aproveitou esta "agitação" que lançou o casal numa cri-se, afim de "apoderar-se" do amor das mãos da irmã. Nes-te romance, a protagonista feminina, You Qin, era uma excelente profissional. Devido a uma operação de cirur-gia plástica, que lhe cortou os seios por causa de um can-cro, ela tornou-se numa "meia-mulher". Então, a mulher confiante e moderna passou a duvidar da fidelidade do marido, após perder a natureza feminina. O "incidente" do bastardo e a "inserção" da cunhada tornaram a situa-ção mais complicada e mais delicada. Neste aspecto, Zhou Tong descreveu com êxito o mundo psicológico de uma mulher moderna.

Li Huai Min deverá resolver este problema que ameaça a sua feliz família. Li é cem por cento um bom marido e um bom pai, salvo aquela única noite em que caiu casualmente numa relação extra-matrimonial. Para acompanhar a esposa, que sofreu uma transformação psicológica por causa da doença, renunciou categorica-mente ao emprego de "engenheiro superior", que poderá trazer o rendimento anual de um milhão de patacas. Quando a mulher "deixou a casa", ele resistiu à "sedu- ção" da cunhada, persistindo no amor da esposa.

Li esperava a solução do problema com o amor e persistiu em crer que o seu amor pela família pudesse salvar o casal. Mas quase perdeu tudo, porque o amor de uma só pessoa não poderá resolver o problema. Tudo de-penderá do amor de toda a gente.

No romance Amor iludido, só a "cunhada" e uma outra personagem insignificante representam a "malda-de", e os restantes possuem o "verdadeiro amor", no qual, aquele bastardo desempenha um papel extraordinário. A autora descreveu aquela criança como um "anjo" amoro-so e glorioso, que amava as pessoas e despertava o amor delas. Este amor fez o pai reconhecê-lo como filho e You Qin aceitá-lo e perdoar o erro de Li.

Sem dúvida, o Amor iludido resolveu a crise dos cônjuges e salvaguardou a felicidade da família graças à potencialidade do amor, idêntico ao das obras de Qiong Yao. Li Huai Min, na história de Zhou Tong, ama a famí-lia, a esposa e os filhos e, para amá-los, dispõe-se a sacri-ficar o emprego. Mas, também para este amor, ele não queria no início reconhecer o filho "ilegal", demonstran-do um sentimento muito egoísta. Por isso, a imagem de Li foi vivida. Podemos confirmar que o amor descrito por Zhou Tong não é igual ao de Qiong Yao, mas o resul-tado foi igual: solucionar todos os problemas com o amor, e o mundo do amor exprime a esperança na vida humana. As histórias de amor de Qiong Yao e de Zhou Tong são idênticas quando observam sempre um tradi-cional princípio de amor.

VII —A DIFERENÇA ENTRE HONG KONG E MACAU NA LITERARURA FEMININA CHINESA

Uma das semelhanças da literatura feminina de Hong Kong e de Macau foi resultado da permanência de escritores progressistas do continente, em duas ocasiões na história contemporânea, que deixou nos dois lugares uma influência profunda. Em comparação com Macau, o território de Hong Kong beneficiou mais da contribuição dos autores do continente. Nos anos seguintes à explosão do movimento neo-cultural do "Quatro de Maio", mui-tíssimos trabalhadores literários foram e vieram entre a China Continental e a ilha de Hong Kong. Com a guer-ra, um número muito grande de escritores progressistas desceram para o Sul e formaram o primeiro pico de neo-literatura de Hong Kong, onde foram editadas numero-sas revistas literárias e artísticas, injectando abundantes "matérias espirituais" para aquele território.

Nos primeiros anos da década de 40, Hong Kong foi ocupado pelos japoneses e o sector literário ficou em silêncio. Em 1946, eclodiu a guerra civil entre o Partido Comunista e o Partido Nacionalista da China, com o que muitas personalidades progressistas culturais foram, mais uma vez, obrigadas a deslocar-se para o sul do país, formando o segundo pico de emigração. Após a liber-tação, uma parte dos escritores de origem continental continuou em Hong Kong, desempenhando um relevante papel no prosperar da literatura chinesa da ilha. Em com-paração com a permanência temporária deles em Macau, Hong Kong foi muito mais influenciado pelos escritores progressistas oriundos do Norte.

Tendo as mesmas relações estreitas com os escri-tores do interior da China, os sectores literários de Hong Kong e de Macau seguiram o mesmo caminho de desen-volvimento nos primeiros tempos. Porém, a par com o distinto desenvolvimento político e económico, surgiu a diferença entre os dois territórios no campo das letras. Como a influência literária de Hong Kong sobre Macau não tenha sido tão visível e tão concreta como a do con-tinente e a da Formosa, a comparação entre a literatura feminina de Macau e a de Hong Kong será feita somente ao nível da psicologia social e cultural.

1 — A Diferença dos Factores Internos

e Externos entre as Escritoras

de Hong Kong e de Macau

O desenvolvimento da neo-literatura de Hong Kong e de Macau manteve estreitas relações com as pá-ginas "suplementares" dos jornais. Durante a década de 20, desenvolveu-se muito a comunicação social de Hong Kong, contando com mais de trinta jornais, que publi-cavam principalmente textos da antiga literatura ou nar-rações de amor. Até à década de 30, os jornais passaram a inserir obras da nova-literatura, o que formou um qua-dro favorável sem precedentes no sector literário, abrin-do novos caminhos.

Para comparar os dois lugares no âmbito lite-rário, é indispensável uma apresentação das páginas "suplementares" para saber quais foram mais "abertas" e quais as mais "conservadoras". A imprensa de Hong Kong possuía, na década de 20, mais de trinta jornais, mas em Macau foi outro o caso. Segundo lembrou o se-nhor Huang Wen Yu, dedicado à comunicação social de Macau na década de 40 (e depois emigrante para Hong Kong onde morreu nos primeiros anos de 90), o terri-tório de Macau tinha naqueles anos sete jornais: "Tempo de Macau", "Cidadão", "Vida Popular", "Novo Som", "Jornal Popular" e "Jornal Sol Nascente", entre os quais os suplementos do "Jornal do Sol Nascente" e do "Jornal Popular" destinaram todos os espaços para reproduzir os textos de Hong Kong e de Cantão, e só o "Novo Som" imprimiu pequenos textos literários, nomeadamente ver-sos poéticos mas com uma linguagem clássica. Foram raros os textos escritos em linguagem moderna e popu-lar. Naquela altura, Hong Kong já tinha dezenas de perió-dicos, publicando principalmente textos de escritores pro-gressistas oriundos do Norte do país, que davam os pri-meiros passos na nova literatura naquele território. Mes-mo nos anos 40, quando os japoneses ocuparam Hong Kong, um grupo de personalidades culturais refugiou-se em Macau e muitas escolas foram também transferidas pa-ra este Território, o que trouxe novo incremento às acti-vidades neo-literárias e artísticas. Porém, terminada a guer—ra, aquelas forças culturais regressaram a Hong Kong.

Por outro lado, existia há muito tempo em Hong Kong uma polémica entre a literatura clássica e a litera-tura popular, mas esta última teve um vigoroso desen-volvimento com base principal no romance de amor. A partir da década de 60, surgiu uma série de romances de amor representativos de Yi Da, Meng Jun, Yi Shu e Yan Qin. Tendo a vida moderna como fundo, estas obras descreveram exclusivamente o amor angustiado entre jo-vens, um veemente sabor romântico. Entre estes roman-ces, os de Yi Da e Meng Jun (representante feminina) foram muito conhecidos no território de Macau e gran-gearam o aplauso de muitos leitores. Na década de 80, Yi Shu conquistou os leitores de Macau com as suas obras que sustentaram a independência e autonomia feminina, não só económica, mas também espiritual. As obras dela não tinham as falhas frequentemente atribuídas aos ro-mances de amor, que prestavam atenção à afeição amo rosa mas negligenciavam a realidade social. Por isso, os romances de Yi Shu pertenciam à "literatura popular", mas não eram "populares". Existem realmente a nobreza e a oportunidade, mas a distinção entre ambas não é absoluta. Além disso, a chamada "literatura popular", se-gundo Huang Wei Liang, constitui também literatura. Trata-se de uma atitude justa ante as literaturas "clássi-ca" e "popular" de Hong Kong e Macau.

As décadas de 70 e 80 foram épocas em que a li-teratura de Hong Kong exerceu influência sobre a de Macau. É o caso de Zhou Tong, cujas obras foram influ-enciadas tanto por Guo Liang Hui, da Formosa, como também por Yi Da e Meng Jun, de Hong Kong. Além de romances de amor, as prosas líricas e os comentários também preenchiam os suplementos dos jornais do ter—ritório de Macau. Porém, substancialmente, a literatura feminina dos dois lugares mostrava notáveis diferenças que se caracterizavam por dois aspectos: um deles, o contéudo; o outro, a forma de "colunas exclusivas" das páginas suplementares. A criação de romance do ter--ritório de Hong Kong foi mais vivificante, mais comer-cializada e mais política; Macau, mais literária.

Após o vigoroso desenvolvimento económico dos últimos anos da década de 70, a sociedade de Macau tornou-se também mais comercializada, a par do surgi-mento da consciência social, mas tendo o valor comer-cial como forma de avaliação de tudo. Porém, a literatu-ra do Território continuava a seguir o seu caminho "orto-doxo", com menos consciência comercial, como se fosse uma flor de ameixeira no Inverno com frio rigoroso. A literatura de Macau manteve sempre, desde o contéudo até a forma, um tom ortodoxo. Trata-se, talvez, de uma das razões do desenvolvimento difícil da literatura de Macau, porque será naturalmente difícil, numa socie-dade comercializada, abandonar a consciência comercial e salvar a "pureza literária".

Por sua vez, em Hong Kong, o caso é completa-mente diferente. Na década de 80, Hong Kong já se tor-nara uma sociedade comercializada altamente desen-volvida. Além da literatura "séria", muitos escritores lançaram os seus produtos com características mais co-merciais e foram postas no mercado muitas obras sem qualquer valor literário. Ao mesmo tempo, nas mudan-ças da época, uma parte dos homens de letras dedicava--se aos problemas políticos e sociais, que também apare- ceram nas suas obras. Os dois tipos de obras diversi-ficaram o sector cultural daquele território.

A literatura feminina de Macau exprime um pro-fundo gosto literário, porque os escritores necessitavam ansiosamente de um intercâmbio sentimental e obser-vavam estritamente o significado da criação literária. Em Hong Kong, porém, algumas escritoras aproveitaram a criação literária como trampolim para ganhar fama so-cial, para facilitar o seu próprio progresso comercial.

Por outro lado, a diferença reside também na qualidade da própria escritora. As escritoras de meia-idade de Macau são figuras principais, mas a maior parte delas não recebeu a educação superior, por isso a própria qualidade foi "auto-formada". Por seu turno, em Hong Kong, além de escritoras do tipo "erudito", muitas au-toras de "colunas exclusivas" de jornal receberam educa-ção superior e, algumas delas, estudaram no estrangeiro, bebendo mais directamente da cultura ocidental. Claro, ter ou não educação superior não poderá determinar o nível de criação literária, mas este influenciará sem dúvi-da a amplitude de visão e a profundidade de compreen-são. Por isso, a literatura feminina de Hong Kong foi diversificada, tanto no conteúdo como na forma. O facto estava relacionado também com o número de escritoras nos dois lugares. As escritoras da nova geração de Ma-cau receberam geralmente a educação superior, mas fal-tam-lhes a experiência diversificada, e não foram perfei-tas as suas técnicas de criação literária.

As escritoras de Hong Kong e Macau são nota-velmente diferentes, tanto no ambiente do seu desenvol-vimento literário, como na qualidade artística individual-mente formada. Por isso, a criação literária dos dois lu-gares também mostra diferenças.

Traduzido do original chinês por James Lee.

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ELAS NO SEU MELHOR - Dissipação

Anabela Canas

Aguarela

** Pseudónimo de Pan Yue (também chamado Tan Nu): con-siderado o mais belo entre os homens de seu tempo (dinastia Jin), posteriormente passou a ser usado pelos poetas como símbolo de beleza e pelas mulheres para se referirem ao homem amado. — N. T.

*** Coméstico usado pelas mulheres da China antiga, suben-tendido aqui como mulher bela. — N. T.

NOTAS

1 ZHANG Ao Lie, A opção da literatura, p. 277.

2 Zhang Kang Kang, célebre escritora chinesa, escreveu para a "Conferência Internacional de Escritoras", realizada em 1985 em Berlim, um artigo sob o título Precisamos de dois mundos, apelando às escritoras para ampliar o estrato de criação da literatu-ra feminina. Em seguida, alguns eruditos aproveitaram esta tese para definir a literatura feminina.

3 O Pe. Benjamim António Videira Pires formou-se no Departamento de Filosofia e no Departamento de Literatura Portuguesa da Universidade de Lisboa, célebre erudito e mestre sobre no estudo da História da Companhia de Jesus na Ásia e da Presença dos Portugueses na China, membro da Associação Internacional de História Asiática, e residente em Macau há dezenas de anos.

4 Selecionada para Literatura de Macau, edição chinesa, n° 1 de 1987.

5 Versão chinesa publicada em Abril de 1992 pela editora Cidade de Flores de Guangzhou (Cantão), com tiragem de 20000 exemplares.

6 Versão do continente chinês, publicada pela editora Étni-ca Yun Nan.

7 Quanto ao desenvolvimento da literatura feminina da Formosa, o material de consulta foi principalmente citado da obra Sobre a literatura da Formosa, compilada por Pan Ya Dun.

8 Ver Ensaios sobre a literatura de Macau.

*Mestre em Literatura Chinesa pela Universidade de Jinan, China; responsável pelo Suplemento Cultural do jornal "Macao Daily News".

desde a p. 111
até a p.