Prefácio 1










Introdução


Prefácio


Ilustração


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A cultura antiga pode iluminar as nossas vidas, tal como elucidado nos Analectos de Confúcio, ou Lunyu: “O Mestre disse: não sou alguém que tivesse nascido na posse de conhecimento; sou alguém que aprecia a antiguidade, e que nela o procura com diligência”. A cultura antiga é incorporada em objectos tangíveis, produzidos ou usados pelos homens no quotidiano, que dão testemunho da história e das técnicas que os engendram. O povo chinês dedica-se à colecção de antiguidades desde há muito. Como afirmou o grande escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, “Os
coleccionadores são almas felizes”. De facto, possuir uma colecção rara e preciosa
proporciona um deleite incomparável. Contudo, o Tao (arte) de coleccionar é, essencialmente, uma tarefa longa e dura, destinada a beneficiar os outros. Os coleccionadores não passam de passageiros dos milénios, curadores temporários de relíquias culturais e obras de arte antes de as legarem à geração seguinte.

O prazer dos coleccionadores nasce sobretudo do próprio processo de coleccionar e da posse pessoal dos artigos que coleccionam – exemplos máximos dos traços da história e dos infatigáveis esforços dos nossos antepassados –, apreciando-os, analisando a história, cultura e espírito histórico que lhes subjaz, até conhecerem profundamente as suas características artísticas e a sua origem, até os legarem juntamente com o concomitante conhecimento cultural e lições históricas. É este processo que proporciona aos coleccionadores a maior satisfação e prazer.

Na verdade, cada relíquia e obra de arte é uma manifestação da história, cultura e técnica de um período; o seu valor é múltiplo, estando associado ao mérito histórico, cultural e artístico. Por outro lado, o valor económico é também um indicador, ainda que não o único, para ajuizar da relevância histórica e cultural de uma peça. Para além disso, um enfoque excessivo no valor económico das peças pode conduzir à negligência do verdadeiro significado da arte de coleccionar. Do mesmo modo, os investidores que adquirem relíquias e obras de arte com objectivos puramente especulativos podem conduzir à inflação dos mercados de arte e à proliferação de peças falsas, criando assim um impacto negativo sobre a actividade de coleccionar. Coleccionar não deve ser um instrumento do puro lucro, outrossim um instrumento fundamental para transmitir factos históricos e propagar a civilização.

Neste sentido, inúmeros mestres coleccionadores constituem exemplos históricos. Veja-se o exemplo de Zhang Boqu (1898-1982), que arriscou a ruína para adquirir, com a sua imensa fortuna, a peça Ping Fu Tie (Decalque de Ping Fu) pelo calígrafo da Dinastia Jin, Lu Ji, o exemplo mais antigo de uma caligrafia chinesa criada por uma celebridade, ou a pintura Saída de Primavera pelo artista da Dinastia Sui, Zhan Ziqian, o mais antigo rolo horizontal representando uma paisagem existente na China, ou ainda duas caligrafias por notáveis poetas da Dinastia Tang, Poema sobre Zhang Hao Hão, por Du Mu, e Shangyang Tai Tie, por Li Bai. O seu propósito não foi o do benefício privado, mas o de voluntária e responsavelmente preservar a essência da cultura chinesa. Zhang desbaratou a sua fortuna na aquisição destas relíquias preciosas, que acabariam todas por ser doadas a instituições públicas. Com grande esforço, conseguiu salvaguardar estas icónicas obras primas da turbulência política da China, contribuindo enormemente para a nação e povo chineses. O exemplo de Zhang ilustra precisamente o tipo de significativa contribuição que um coleccionador pode dar.

Assim, é evidente que as colecções privadas contribuem de modo crucial para a salvaguarda da cultura tradicional. Mesmo uma nação desenvolvida e rica será incapaz de reunir todas as suas relíquias mais preciosas em colecções públicas, que necessitam de ser complementadas por colecções privadas, assegurando tanto a conservação das peças como as expectativas nacionais. Numa palavra, as colecções privadas facilitam a circulação de relíquias e obras de arte no mercado, permitem a sua apreciação através de recursos financeiros próprios, inspiramnos a conservar a civilização e a proteger, legar e promover a cultura. Enquanto que as colecções públicas e privadas se complementam, podemos dizer que os coleccionadores privados se dedicam financeira e fisicamente a um verdadeiro trabalho de amor que ultrapassa o mero investimento, amando verdadeiramente as suas peças e fazendo tudo para as conservar intactas.

Xing Wen Ya Hui, uma associação de coleccionadores presente em Macau, foi fundada em Outubro de 2014, sendo que a 4ª Conferência Mundial de Coleccionadores Chineses será realizada em Novembro de 2014 em Xangai. Ao mesmo tempo, o Museu de Arte de Macau (MAM) organiza a exposição Delícias do Espírito: Obras de Arte de Colecções Privadas de Hong Kong e Macau. Com o apoio desta associação, o MAM pode agora apresentar extraordinárias obras de arte emprestadas por coleccionadores, proporcionando uma plataforma de intercâmbio de experiências neste campo, promovendo a conservação da cultura na comunidade e reforçando as trocas entre coleccionadores de Hong Kong e Macau. Esta exposição reflecte também a conferência de Xangai. As peças foram seleccionadas com base em critérios de autenticidade, valor histórico e artístico, raridade e características locais específicas.

Estamos profundamente gratos à associação Xing Wen Ya Hui pelo seu múltiplo apoio, incluindo a contribuição de ideias para a organização desta mostra. O MAM espera que o público possa apreciar esta exposição, cujas peças ajudarão os visitantes a compreender a cultura tradicional chinesa e a missão histórica de transmitir a nossa civilização. Desta perspectiva, os museus, coleccionadores e visitantes são todos parceiros na divulgação da cultura.

Apesar da mudança dos tempos e da ascensão e queda das dinastias e nações, as obras de arte perduram, transcendendo o tempo e as fronteiras geográficas para chegarem às mãos dos coleccionadores de hoje após muitas dificuldades e peripécias. Os méritos civilizacionais e o significado histórico destas peças não se manifesta apenas do ponto de vista do seu valor comercial, daí o grande fascínio de coleccionar arte. As obras de arte sempre proporcionaram aos seus coleccionadores verdadeiras delícias do espírito; há sempre uma alegria inefável que os leva a prosseguir a causa imortal de transmitir a cultura ao longo das gerações.

Chan Ho u Seng
Director
Museu de Arte de Macau