O nosso objectivo é reler alguns temas marcantes do pensamento poético de Fernando Pessoa, como a experiência da insubstancialidade, do vazio, do vago e da indeterminação, à luz da corrente do pensamento chinês onde são mais relevantes: o taoísmo. Sem pretendermos que Fernando Pessoa haja sido directamente influenciado pelo pensamento taoista, cremos que neste se encontra uma fecunda chave hermenêutica para compreender vários aspectos da experiência pessoana que contrastam claramente com a cultura ocidental dominante. Continuamos aqui a nossa tentativa de ler e repensar Pessoa a partir de perspectivas heterotópicas, nomeadamente orientais, que permitam iluminar aspectos da experiência e do pensamento pessoanos menos visíveis sem este expatriamento dos contornos da sua tradição e horizonte culturais mais imediatos. Inspirados pelo trabalho de François Jullien, que mediante o “dépaysement” busca na língua-pensamento chineses a “alteridade” e o contraste que lhe permitam melhor compreender o impensado da cultura europeia-ocidental a partir da sua matriz grega, intuímos a fecundidade de interpretar o pensamento pessoano a partir dessa "heterotopia" por excelência que, como Foucault notou, é a China, neste caso na sua vertente taoista, pelas afinidades temáticas que mostraremos. Note-se que olhar Pessoa a partir de uma radical alteridade cultural não deixa de corresponder ao ímpeto de evasão de si e de outração que é a essência da sua experiência heteronímica