Como é possível que a caligrafia tenha assumido uma posição tão importante dentre as Belas-Artes de certos países? Há razões contingentes e instrumentais para tanto, por exemplo o facto de que a burocracia exerce um papel central como agente cultural ou o elemento de que certas obras clássicas têm um estatuto de sacralidade (ou semi-sacralidade). O presente ensaio, ademais, preocupa-se com uma razão mais estrutural, nomeadamente a influência desproporcional da palavra escrita em relação à falada, situação mais ou menos generalizada pelas altas culturas do mundo. Nesse contexto, uma importante diferença entre o Cânone Ocidental e, por exemplo, o da China são os diferentes valores atribuídos à oralidade, isto é, ao contributo realizado pela transmissão oral de histórias, conhecimentos e sabedorias. No caso do Ocidente, considerando-se o processo de criação e recriação do Cânone, há uma constante tensão entre novos aportes linguísticos e a tradição, representada pelo “ciclo vital” dos seus idiomas clássicos. No caso da China, por outro lado, a autoridade absoluta da língua clássica, e a sua relativa estabilidade ao longo de milénios, serviu de barreira à entrada de elementos inovadores (e heterogéneos). Sob esse pano de fundo, compreende-se por que, sob a teoria de mudança linguística contemporânea, as obras do Cânone ocidental possam ser submetidas a revisão.