F. Chopin: Prelúdio em Dó Sustenido Menor, op. 45
“Chapéus ao alto, senhores! Um génio!” exclamou o prestigiado compositor e pianista alemão Robert Schumann após assistir em Viena à interpretação de Frédéric Chopin das suas próprias composições. Chopin tinha, à data, 19 anos. Nascido perto de Varsóvia, na Polónia, em 1810, Chopin deu o seu primeiro recital de piano em público apenas um mês antes do seu oitavo aniversário. O seu talento composicional inato também já despontava, a par do seu dom e da sua crescente facilidade técnica no teclado. Aos 12 anos, o prodígio começou a estudar composição formal, evidenciando uma natureza poética na escrita para piano – subtil e íntima, plena de belos temas e melodias fluidas concebidas numa variedade de qualidades tonais – que o distinguia dos seus pares e antecessores. Chopin é amplamente reconhecido por desenvolver a técnica de piano moderna e por expandir o potencial de um pianista para criar harmonias e tons complexos.
Do grande número de obras a solo para piano compostas ao longo dos seus 39 anos, Chopin compôs nada menos que 27 prelúdios. Embora um “prelúdio” seja frequentemente utilizado como obra introdutória de uma composição maior e com vários andamentos, Chopin viu estas peças como composições independentes, cada uma constituída por uma profundidade emocional ou intelectual específica, de natureza aparentemente improvisada. Quando o manuscrito do seu Prelúdio em Dó Sustenido Menor, composto em 1841, foi entregue ao seu editor, o compositor escrevia orgulhosamente: “Bem modulado!” numa carta que o acompanhava, assinalando o seu distinto prazer na amálgama perfeita de diferentes harmonias.
Dedicado à princesa Elisabeth Czernicheff, uma das alunas de Chopin, o Prelúdio começa plangentemente com um movimento escalar descendente e constante. Segue-se uma sequência onírica e arrebatadora, que conduz à melodia e às harmonias acompanhantes, fundindo-se todas numa textura sobrenatural. Tirando o máximo partido dos contornos fluidos que esculpiu elegantemente, Chopin inclina-se para as harmonias mutáveis, criando uma névoa musical indefinida que se vai transformando numa felicidade exaltada. Com o retorno do tema de abertura, o Prelúdio vai-se discretamente dissipando no éter do desconhecido.
R. Schumann: Estudos Sinfónicos, op. 13 e posth.
Nascido em 1810, o compositor alemão Robert Schumann, embora célebre pelas suas composições sinfónicas e de câmara, é sobretudo recordado pelo seu contributo significativo e estimulante para o piano e também para a canção. Para além da proeminência e influência como compositor, o seu entusiasmo e o estudo apaixonado da literatura foram também responsáveis por um estilo marcante de crítica musical e investigação bem informada a nível histórico. Pináculo do romantismo, a música de Schumann é imbuída de um lirismo e autoexpressão muito próprios.
Schumann começou a compor os seus Études Symphoniques, ou “Estudos Sinfónicos”, em 1834, com a intenção de escrever um conjunto composto por um tema e dezasseis variações. Schumann penou até encontrar a versão perfeita destas obras-primas, tendo inúmeras formações e combinações destes Études existido durante a sua vida, uma das quais chegou mesmo a assumir o título rebuscado de “Estudos de um Carácter Orquestral de Florestan e Eusébio”. Não foi senão na versão de 1852, editada pela sua esposa Clara e por Johannes Brahms, que esta obra vastamente reconhecida passou a existir, incluindo cinco variações póstumas que muitos interpõem ao longo do conjunto de variações.
O tema que impulsiona este ciclo complexo foi escrito pelo barão von Fricken, um compositor amador que era também o pai da noiva de Schumann na altura. Arrastado e simples à primeira vista, Schumann trata-o com grande páthos e emotividade.
A Variação Póstuma I apresenta uma série de arpejos intermináveis na mão direita, apoiados no compasso constante da linha do baixo. Na sua segunda secção, as funções invertem-se brevemente, proporcionando às figurações ininterruptas uma oportunidade na linha do baixo, antes de voltar a inverter-se. A segunda Variação deste conjunto de apêndices propõe uma aura onírica, com gestos tremulantes e nebulosos por baixo, ascendendo e caindo até culminar num final aparentemente abrupto. A Variação Póstuma III, com os seus motivos rítmicos, é aparentemente descomplicada e abertamente honesta, com um espírito geral de optimismo e determinação.
A quarta destas variações explora novamente um olhar sobre um introvertido sonhador, com gestos ornamentados, tão característicos da escrita de Schumann. Quase improvisada, a variação evoca a sensação de um sonhador finalmente a adormecer. A Variação V arranca na região aguda do piano, seguindo-se um movimento intrincado a descer, a brilhar e a cintilar, até um novo e reluzente punhado de notas começar a escorrer. Há uma certa simplicidade nesta variação, mas não há dúvida que a complexidade da escrita amplia a incrível fluência e atenção ao detalhe de Schumann neste género.
O Estudo I evidencia imediatamente um nítido contraste com o seu ritmo conciso, evocativo de uma marcha. Com a maioria das notas reunidas em torno das regiões central e baixa do piano, o Estudo conclui com um toque leve e uma dissipação gratificante da tensão que atravessa toda a peça.
O Estudo II, com as suas notas insistentemente repetidas e ascendentes, abre com anseio, transformando-se, posteriormente, numa proclamação desinibida. As mudanças de tom são schumanianas por excelência, aparentemente sem saber o que sentir ou expressar verdadeiramente o que está reprimido no fundo. O Estudo III volta então a desviar-se acentuadamente, com figurações brilhantes e arpejadas na mão direita, antes da filigrana ascendente e descendente cair na linha do baixo com floreios desenvoltos.
O Estudo IV, uma nova marcha, é impulsionado por acordes acentuados, com um toque de ritmo marcial disperso ao longo da peça. O Estudo V oferece um ímpeto rítmico, quase alegre e bem-humorado, mas pontuado por acentuações pesadas que parecem desestabilizar a cadência principal. Com a indicação de “Agitado”, o Estudo VI propõe uma exibição virtuosista de transições vertiginosas entre a mão direita e a mão esquerda, uma autêntica proeza de coordenação virtuosa e integridade rítmica.
O Estudo VII, mais uma exibição criativa de ritmo, incansável na sua perseguição febril – em perseguição de quê, só Schumann saberia dizer. O Estudo VIII regressa ao estoicismo da solidão, sendo o motivo embelezado várias vezes repetido. Os episódios de proclamações estrondosas são prontamente interceptados pelo silêncio e pela solidão, terminando com uma pontuação resoluta. O subsequente Estudo IX, um scherzo fugaz, tão ágil quanto firme, conclui com um contorno arrebatador que ascende e cai, recuperando novamente a sua base sólida com três acordes impressionantes.
O Estudo X, com mais uma série de aglomerados de notas fugazes, surpreende com paragens súbitas no ritmo antes de retomar a sua frenética demanda. O Estudo XI abre com uma troada baixa, que dá então lugar à melodia expressiva. Plangente e melancólica, a melodia eleva-se em emotividade desinibida tão rapidamente como quando recua de volta à sua fragilidade, resistindo e hesitando em chegar à última nota. O final, o Estudo XII, de longe o mais longo de qualquer uma destas variações, começa com um brilho luminoso e impulso rítmico. Os episódios mudam subtilmente de carácter, sem nunca deixar de ser impulsionados pelo ritmo acentuadamente distinto. Independentemente da forma como Schumann acaba por manipulá-lo, este motivo encontra, por fim, a sua conclusão com efervescência e ousadia.
J. Sibelius: “Valse Triste” de Kuolema, op. 44, n.º 1
Nascido em 1865 em Hämeenlinna, na Finlândia, Jean Sibelius é considerado a figura central que moldou significativamente a paisagem sonora finlandesa durante os séculos XIX e XX. Adaptando e incorporando paletas únicas de tom, estrutura e harmonia, Sibelius criou obras que encapsulam uma vasta gama de fontes de inspiração e propósito: desde o nacionalismo e retratos de agitação política aos ecos introspectivos do temperamento e da paisagem da sua terra natal.
Composta em 1903, Valse Triste, que significa literalmente “Valsa Triste”, foi originalmente criada para orquestra, destinando-se a ser utilizada como música incidental na peça de teatro Kuolema (Morte), da autoria do cunhado de Sibelius. Posteriormente reescrita para piano solo e, embora Sibelius não apreciasse propriamente este título, a obra tornou-se instantaneamente popular, seguindo-se inúmeros arranjos para várias instrumentações. Tal como o grande modelo vienense da valsa, Valse Triste compreende várias secções contínuas, e a sua abertura pensativa alude certamente aos temas de Kuolema. A secção subsequente é impelida por ritmos repetidos que quase a fazem parecer esperançosa, ou até nostálgica, apesar das explosões súbitas. A valsa oscila entre uma quietude suave e o estrépito, apresentando um gesto final de vigor desinibido antes de concluir com resignação.
F. Schubert: Momentos musicais, op. 94, D. 780
Nascido em Viena em 1797 e tendo morrido demasiado jovem em 1828, o compositor austríaco Franz Schubert continua a ser uma figura seminal no cânone da música ocidental, conceituado pelo seu vasto contributo para o germânico Lied (“canção artística”), bem como pelas suas obras para piano, música de câmara e orquestra. Conhecido pelo seu sentido melódico e pelas suas harmonias ardentes, na altura em que concluiu Momentos musicais em 1827, Schubert já sofria da infecção sifilítica que contraíra cinco anos antes. O compositor doente escrevia a um amigo:
“Imagine um homem, cuja saúde nunca mais voltará a ser o que era e que por puro desespero só faz piorar as coisas, em vez de melhorá-las; imagine um homem, digo eu, cujas mais luminosas esperanças se desvaneceram, a quem a felicidade do amor e da amizade nada têm para oferecer a não ser dor…”
Os seis andamentos de Momentos musicais foram reunidos por um editor – que, na verdade, acrescentou duas obras de curta duração que Schubert havia concluído em 1823 e 1824 aos quatro andamentos escritos em 1827 (e publicado em 1828 com um título não atribuído pelo próprio compositor). Destituído e à beira da morte, o compositor não tinha certamente força para contestar quaisquer divergências. Os floreios das suas obras anteriores, plenas de bravura, ligeireza e curiosidade poética, são, em grande medida, substituídos por uma quietude outonal, talvez um aprofundamento da emotividade que apenas se adquire no final da vida.
O Moderato abre com uma cena curiosamente idílica, com um primeiro gesto que alude a chamamentos de trompa nas montanhas. A figuração suave e ondulante é interrompida apenas por algumas explosões, e Schubert limita a dinâmica deste andamento de modo ténue e abafado. O motivo pastoral prossegue, captando a sensação de quem observa o longínquo horizonte num campo.
Um Andantino oscilante dá continuação ao tom abafado previamente definido. Introspectiva e ponderada, com silêncios disseminados do princípio ao fim, a secção central torna-se melancólica com uma languidez sustentada e controlada. A simplicidade da escrita realça, de alguma forma, a tranquilidade perturbante, sendo esta secção concluída com uma nota insistente, repetida sete vezes, antes de regressar ao motivo embalador da abertura.
O subsequente Allegro moderato interrompe a quietude com uma dança pontuada, mas suave. Cordial, mas com notas de explosões emocionais, o tom volta sempre a descer para um nível baixo, embora o que foi escrito possa constituir, na realidade, um trote alegre. Na verdade, uma nota de Schubert indica que as linhas finais deste andamento devem ser ainda mais serenas do que quaisquer outras indicações nos dois andamentos que o precedem.
O segundo Moderato neste conjunto ostenta uma série de notas galopantes que, de repente, termina sem conclusão, proporcionando uma grande pausa antes de entrar na segunda secção. A contradição mantém-se, uma vez que esta série de figurações técnicas poderia ser vista como um exercício virtuosístico, mas Schubert especifica que estas notas ininterruptas devem ser executadas em legato (“suavemente e ligadas entre si”), uma indicação básica presente em muitas das suas canções apaixonadas e melodias fluidas. A segunda passagem, terna na sua simplicidade, revela uma obscuridade subtil com a utilização de ritmos sincopados na mão esquerda, uma característica musical que coloca o peso do compasso apenas um pouco afastado do ponto onde devia ser colocado.
O Allegro vivace que se segue oferece, por fim, um momento robusto e enfático. Com um motivo rítmico insistentemente repetido, o andamento incansável nunca pára para respirar, sendo pontuado por clamores acentuados. Mesmo com quedas súbitas na dinâmica, o sentido premente de tensão e urgência, talvez por alívio, faz a música avançar agilmente até ao fim.
No andamento final, Allegretto, a sensação geral dos primeiros quatro andamentos regressa. Abafado e reflexivo, o motivo descomplicado e hesitante é pronunciado vezes sem conta, com pausas curtas e silenciosas para possibilitar o pensamento e a reflexão. Os momentos de emotividade intensificada são mais insistentes do que os lânguidos andamentos anteriores e, no entanto, com este gesto repetido e truncado, quando as explosões, por fim, diminuem, Schubert parece ainda mais solitário, afastando-se cada vez mais.
Por Jules Lai