W. A. Mozart: Abertura de Idomeneo, rè di Creta, K. 366
Nascido em 1756, o compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart permanece como um dos compositores mais estimados e reconhecidos na história da música clássica ocidental. Fluente em todas as formas composicionais – desde óperas e sinfonias à música de câmara – Mozart definiu essencialmente o Classicismo através do seu estilo elegante, da genialidade melódica e das suas harmonias visionárias.
Estreada a 29 de Janeiro de 1781, no Teatro Cuvilliés, na Alemanha, Idomeneo centra-se no rei grego de Creta e no seu regresso à ilha, após a Guerra de Tróia. Baseada num libreto francês de Antoine Dachet e adaptada em italiano por Giambattista Varesco, a ópera teve o seu ensaio geral dois dias antes da estreia – por coincidência, no 25.º aniversário de Mozart. A obra aborda temas como a vida dos combatentes depois da guerra e a história de uma refugiada fugida de casa depois do matricídio cometido pelo seu irmão, encenado como sacrifício humano. O texto original de Dachet também aflora a fidelidade de uma geração à superstição e a um novo conjunto de crenças guiadas pelo amor. A ópera em três actos examina igualmente a escravatura dos prisioneiros de guerra, a contraposição entre gregos cósmicos e mortais, bem como as emoções humanas que a todos unem a nível empático. Originalmente, o texto de Dachet apresentava um final sombrio, com Idomeneo enlouquecido a sacrificar o seu filho; no entanto, Mozart opta por concluir a ópera triunfalmente, defendendo e exaltando o amor e a razão.
A correspondência entre Mozart e o seu pai durante este período revela a hiperatenção de Mozart ao detalhe, expondo grande interesse em fazer com que os cantores não só cantassem, mas também representassem os seus papéis. O jovem compositor chegou até a reescrever passagens do texto, por vezes errante, de Varesco com brevidade e concisão: “Quanto mais tempo [a voz] continuar, mais o público tomará consciência de que nada nela é real. Se o discurso do Fantasma em Hamlet não fosse tão longo, seria muito mais eficaz”, escreve o compositor.
Na abertura da ópera, tanto a escrita ordenada e eficaz de Mozart (descrita como “arrojadamente truncada”) como os conflitos da ópera – sempre enquadrados num tom de moralidade e integridade – começam com gestos nobres e solenes. Seguida por uma série de linhas assombrosas e exploratórias, a fanfarra de metais regressa rapidamente, oferecendo uma série de figuras florescentes nos violinos, ao mesmo tempo graciosas e delicadas. Uma mudança instantânea para a sensualidade voluptuosa capta imediatamente a evocação do amor e do optimismo. Após novas oferendas de esperança, conflito e tristeza, a abertura termina placidamente com dignidade e satisfação serena.
W. A. Mozart: Sinfonia n.º 40 em Sol Menor, K. 550
Mozart compôs as sinfonias n.º 39, 40 e 41 com apenas alguns meses (talvez algumas semanas) de intervalo, no Verão de 1788. Dado não existirem registos de encomendas, presume-se que escreveu estas três sinfonias simplesmente por prazer e curiosidade intelectual. No entanto, dada a complexidade e o alcance destas obras-primas impressionantes, é quase inimaginável supor que Mozart, limitado pelas terríveis dificuldades financeiras que o assombravam na altura, as compusesse sem qualquer recompensa financeira.
O andamento inicial da Sinfonia n.º 40, Molto allegro, começa com urgência e um acompanhamento suave e estrondoso sob uma melodia apaixonada nos violinos. Robert Schumann, compositor romântico, chegou mesmo a descrever a obra como “plena de graciosidade helénica”, apesar da brilhante capacidade de Mozart para sincopar tal delicadeza e elegância com pontuações estrepitosas e agitadas.
Gestos fugazes e delicados ao longo das secções instrumentais permanecem tipicamente mozartianos. Uma mudança súbita para uma modalidade violenta e muito mais sombria no centro do andamento, enquadrada ainda por variações da melodia de abertura, ao mesmo tempo fragmentada e transformada, revela a capacidade de Mozart para criar tensão dramática do princípio ao fim, muitas vezes sem qualquer prenúncio. O compositor consegue captar ao mesmo tempo a exaltação e a angústia, de alguma forma usando apenas a melodia de abertura como material de referência, concluindo com angústia e tensão dramática de cortar a respiração.
O Andante procura um mundo sonoro mais sombrio, mais plácido e lírico, com uma melodia de abertura quase frágil, senão mesmo idílica, e reforçada pelas notas oscilantes e repetidas das violas que se mantêm quase constantes ao longo deste andamento. A entrada suave dos sopros define ainda mais uma delicadeza na sua afável interacção com as cordas. Não sem a sua taciturnidade, Mozart consegue novamente captar uma coesão inteligente entre luz e brilho em contraposição com uma sensação de tormento sombrio, terminando o andamento com naturalidade e uma elegância ágil.
O Menuetto que se segue, Allegretto, é potenciado pela irreverência, mas permanece imbuído de um sentido de urgência e de tumulto sombrio. O tema principal fortemente acentuado de Mozart, ao mesmo tempo pomposo e brusco, afasta-se da elegância desta forma particular de dança social que a precedeu durante gerações. A secção central do Trio, ao mesmo tempo soalheira e tranquila, proporciona um alívio lírico momentâneo antes do regresso do andamento ao peso impulsionador do tema de abertura.
O final, Allegro assai, arranca com uma série de notas ascendentes com insistência abafada, pontuada por explosões sonoras. Notas apressadas e fugazes são ao mesmo tempo explosivas, enérgicas e quase agressivas. Surge então um breve segundo tema, lírico e humorístico, que é imediatamente interrompido pela turbulência e pelo desenvolvimento inquieto do tema principal. A complexa série de reviravoltas de Mozart, mais uma vez brevemente interrompida pelo humorístico segundo tema, consegue, de alguma forma, invocar mais tempestuosidade e agitação estrondosa antes de concluir abruptamente com loucura e estrépito.
L. v. Beethoven: Concerto para Piano e Orquestra n.º 4 em Sol Maior, op. 58
Nascido em 1770, na Alemanha, Ludwig van Beethoven permanece uma das figuras monumentais da história da música clássica ocidental. Conceituado pelas suas composições influentes e inovadoras, como as suas sinfonias, quartetos de cordas e sonatas para piano, Beethoven nunca deixou de ir além dos limites e das normas aceites na sua arte. Em 1792, um jovem Beethoven chegou a Viena e rapidamente se afirmou como o principal pianista da cidade, seguindo os passos de Mozart, falecido um ano antes. Tal como Mozart, o talento de Beethoven no piano foi rapidamente acolhido pelo público vienense.
Composto entre 1805 e 1806, o Concerto para Piano n.º 4 de Beethoven foi estreado em Dezembro de 1808, tendo o compositor actuado como solista em Viena. O extenso e ambicioso concerto incluiu ainda as Sinfonias n.º 5 e n.º 6 de Beethoven, andamentos da sua Missa, a sua Fantasia Coral, uma obra para piano solo e ainda uma ária de concerto. Um antigo director musical do rei da Prússia escreve: “Assim, aguentámos o frio mais intenso das seis e meia às dez e meia, e descobrimos que é fácil ter demasiado de uma coisa boa – e ainda mais de uma coisa forte.”
Este concerto beneficia das inovações que o piano teve neste período, com três notas superiores acrescentadas, que são definitivamente utilizadas por Beethoven nesta obra. Uma corda adicional para cada nota e um novo sistema de pedal oferecem ao pianista uma paleta mais abrangente para uma maior exploração tonal. Desafiando as convenções, o andamento Allegro moderato começa suavemente, com o tema principal executado apenas pelo solista até este se esvanecer, deixando que a orquestra assuma o controlo da melodia. O gesto lamentoso desvia-se para um segundo motivo no modo menor, em que Beethoven consegue inserir habilmente e na perfeição mais um tema musical antes do retorno do solista. Lançando-se numa série de notas repetidas, repletas de floreados cintilantes e de uma elegância contida, o solista e a orquestra juntam-se, por fim, para explorar uma série de temas modificados e remodelados introduzidos pela primeira vez pelo compositor. Juntos ou em conversa cuidadosa entre cada instrumento, o andamento geralmente tranquilo e afável culmina numa cadência destacada para o solista, permitindo um maior desenvolvimento destes motivos musicais e exibindo proezas técnicas, antes de concluir com todos, numa curta coda, até o final.
O Andante con moto é mais um testemunho do diálogo entre solista e orquestra que Beethoven elaborou cuidadosamente. A sombria introdução orquestral é rapidamente dissipada pelo lirismo do piano, imbuído de ternura, bem como de introversão incomparável e de um espírito profundamente exploratório.
O pianista alemão Wilhelm Kempff escreve sobre este andamento – possivelmente revelando o lado mais terno de Beethoven, mas também o mais vulnerável: “Nas duas páginas da partitura completa que este andamento ocupa, há poucas notas. Em vez disso, há muitas pausas, que pousam como pássaros negros e sinistros nas linhas da música, sinais que significam um silêncio de cortar a respiração”.
O Rondo final surge, desde logo, com a sua melodia rítmica e fugaz. Após alguns curtos episódios de diálogo jubiloso entre solista e orquestra, o andamento afirma plenamente a bravura, assumindo uma exuberância quase marcial. Beethoven molda a sua escrita com episódios contrastantes de brilho e graciosidade matizada; o tema principal regressa repetidamente com resiliência militar, sendo interrompido pelo solista, que redirecciona o tom para um outro mundo, pleno de devaneios. Estas surpreendentes reviravoltas evidenciam, uma vez mais, a capacidade composicional e a imaginação desenfreada de Beethoven. Concluindo com graciosidade e elegante dignidade, esta é sem dúvida uma peça em que Beethoven mostra ao mundo a sua visão de contenção inventiva e o seu próprio sentido de fantasia e encanto.
Por Jules Lai