Johann Sebastian Bach, nascido em 1685 em Eisenach, na Alemanha, é há muito reconhecido como o mestre da composição, tanto pela técnica irrepreensível como pela substância e profundidade da sua música. Será difícil encontrar hoje um músico que não aprecie o contributo de Bach para a música, para o desenvolvimento da técnica instrumental e da expressividade. A linguagem musical de Bach, ao mesmo tempo original e maravilhosamente experimental, combina estilos, técnicas e formas dos seus antecessores com o seu próprio ponto de vista inovador, influenciando e moldando a música e a sua trajectória metamórfica para as gerações vindouras.
Conhecido pelo virtuosismo e domínio do teclado, incluindo cravo e órgão, Bach concebeu uma vasta gama de obras a solo, música de câmara e concertos para instrumentos solo e orquestra. Em 1717, o compositor foi nomeado Kapellmeister (ou “Director de Música”) em Köthen pelo Príncipe Leopoldo, que também era músico. Uma vez que era calvinista, o Príncipe não exigia música litúrgica demasiado sofisticada para os seus serviços, pelo que Bach pôde dar-se ao luxo de compor não só obras litúrgicas, mas também uma vasta gama de obras instrumentais para a orquestra da corte.
Em 1723, tornou-se chantre da Igreja de São Tomás em Leipzig, na Alemanha, ocupando uma posição que o reconhecia como a verdadeira coqueluche musical da cidade. Bach não só foi comissário dos programas musicais da Igreja de São Tomás, como também de quatro outras igrejas em redor da cidade, incluindo a igreja da Universidade de Leipzig, tendo cada instituição solicitado a Bach que levasse em consideração as respectivas histórias e tradições musicais específicas.
Tal como as gerações de chantres, compositores e músicos anteriores, Bach reciclou livremente materiais musicais do seu extenso cânone de composições, conforme as necessidades dos vários cargos e patronos. A adaptação e transcrição de obras originais para uma nova obra “original” (e, por vezes, até mesmo a reconstituição de uma obra inacabada para outro agrupamento de instrumentos) manifestam uma tentativa de vislumbrar a criatividade e habilidade de um compositor, resultando num cativante e envolvente diálogo entre investigadores e intérpretes sobre a tradição histórica da interpretação e a autenticidade de transcrições recentemente reconstituídas.
J. S. Bach: Concerto para Violino em Lá Menor, BWV 1041
As origens do Concerto para Violino em Lá Menor de Bach permanecem um mistério para os investigadores, uma vez que o manuscrito original autografado se perdeu. Muitos defendem que o terá escrito por volta de 1714, período em que estudava intensamente a música do compositor italiano Antonio Vivaldi. O concerto – uma composição com um instrumento solo ou instrumentos acompanhados por uma orquestra – e a sua forma tiveram origem em Itália, e Bach chegou mesmo a transcrever muitos dos concertos de Vivaldi no início da sua carreira. Outros acreditam que foi durante a sua estadia em Köthen, por volta de 1720, que teve tempo para compor muitas das suas obras seculares. Independentemente do manuscrito perdido, apenas um conjunto de partes com a sua caligrafia data dos tempos em que o compositor viveu em Leipzig.
Adoptando um esquema de concerto de dois andamentos exteriores rápidos enquadrando um andamento interior lento, o primeiro andamento, Allegro, começa com um tema assertivo que o solista de violino nunca executa inteiramente ou isoladamente. Este tema regressa nas secções tutti de várias formas, como fragmentos ao longo do andamento, realçando a agilidade de Bach na manipulação de motivos e na alteração de harmonias. O solo de violino entra com um apelo ansioso que se desenvolve, reforma e transforma de uma forma aparentemente oralizada e extemporânea, sendo a continuidade deste andamento enquadrada pelas pontuações tutti do motivo de abertura frequentemente reelaborado.
No Andante, Bach utiliza as repetidas vozes do baixo – violoncelo, contrabaixo e, tipicamente, também cravo e alaúde – para criar um plano quente e ondulante que se repete ao longo do andamento e que desaparece durante os episódios de solo, deixando as violas, ou a voz interior, assumir o papel de base harmónica. O solo de violino é taciturno e capta uma qualidade oral e cantada, assumindo, frequente e inesperadamente, um rumo contemplativo e melancólico.
O Allegro assai apresenta uma jiga robusta, ou uma forma enérgica de dança barroca, e é descrito como sendo “talvez o andamento mais animado e desenvolto de Bach no modo menor”. A técnica altamente eficaz da bariolagem – a execução rápida de cordas alternadas no violino – implementada neste andamento, utiliza as cordas soltas nas cordas vizinhas para produzir um efeito imensamente acústico e virtuosístico.
J. S. Bach: Concerto para Violino em Mi Maior, BWV 1042
Composto entre 1717 e 1723, enquanto estava ao serviço do Príncipe Leopoldo, o Concerto para Violino em Mi Maior é amplamente considerado “uma criação do mais puro esplendor bachiano”. O compositor reutilizou posteriormente o concerto, reelaborando-o e adaptando-o para o seu Concerto para Cravo em Ré Maior, BWV 1054.
O andamento inicial, Allegro, abre com um jovial motivo de três notas e o solo de violino assume imediatamente uma série de gestos insistentes e exuberantes, reafirmando, em seguida, o tema original. A criatividade de Bach apresenta uma série de conversas casuais entre solo e tutti, enquadradas de forma firme e magistral por uma métrica rítmica rigorosa. Duas mudanças repentinas para a modalidade menor proporcionam um contraste vigoroso e igualmente virtuosístico às efervescentes linhas de abertura, levando a uma cadência de violino improvisada antes do retorno do espírito vivo e positivo do tema principal.
No Adagio, Bach inicia o andamento sombrio com um estoicismo controlado em modo menor, liderado pelas cordas mais graves. O solo de violino entra com meditações elaboradas e frases livres, em que, por vezes, solo e tutti apresentam arquejos de silêncio impressionantes e questionadores. A expressividade deste andamento não pode ser subestimada e a visão progressista de Bach, o domínio incomparável da harmonia e do ritmo, evidenciam laivos de um certo Romantismo, precocemente elaborados ainda neste seu período Barroco.
O final, Allegro assai, é enquadrado em forma de rondó, no qual um tema em tutti se repete entre interjeições do virtuosístico solo de violino. Este motivo alegre e espirituoso estriba o andamento, permitindo ao solista enveredar por alturas incríveis de ideias motívicas deslumbrantes, muitas extraídas, reagrupadas e imbuídas de destreza e imaginação, mantendo-se sempre enraizadas no encanto e deleite do tema de abertura.
J. S. Bach: Concerto para Violino em Sol Menor, BWV 1056R
Tal como acontece com o Concerto em Ré Menor, os investigadores reconhecem que os 15 concertos para teclado de Bach, quase sem excepção, são arranjos ou obras recriadas com base em peças previamente compostas com poucos materiais originais sobreviventes. Parte de um conjunto de seis concertos para teclado solo, incluindo o Concerto em Ré Menor, o Concerto para Cravo em Fá Menor, BWV 1056, foi talvez composto entre 1720 e 1741, quando Bach supervisionava concertos no Collegium Musicum, onde havia um agrupamento de músicos profissionais e universitários.
Transcrita para violino em sol menor, acredita-se que esta obra também se baseia num concerto perdido para oboé ou violino, sendo que os materiais do andamento intermédio aparecem efectivamente no andamento introdutório da sua Cantata n.º 156, recorrendo ao oboé para produzir esta música hipnotizante. Estudos revelam que Bach se manteve fiel à gama dos instrumentos solo originais para os quais estava a compor e que teve o cuidado de não alterar o contorno das partes do solo (quer fossem para oboé, violino ou, até mesmo, para voz) quando as reelaborou para cravo. Deste modo, pode-se apresentar, certamente, um forte argumento para reconstituir o seu Concerto em Fá Menor como Concerto para Violino em Sol Menor.
O Allegro brilha imediatamente com energia rítmica, sendo o tema principal reintroduzido por todo o andamento, como acontece em muitos dos outros concertos de Bach. Único e quase irónico, o solo de violino surge imediatamente em pequenos solos na declaração de abertura. Implementando um outro dispositivo inteligente, Bach estabelece um contraste rítmico entre violino solo e tutti, com o violino solitário quase sempre em tercinas enquanto a orquestra avança numa métrica dupla. Apesar do modo menor e das passagens crescentes de virtuosismo implacável, o espírito geral permanece de alguma forma encantador e até bem-humorado, terminando com graciosidade e sem complicações.
O Largo que se segue abre com o violino solo sobre uma base de acompanhamento dedilhado. Uma das melhores peças de Bach, a longa linha do violino é ao mesmo tempo introspectiva e pungente, sendo a sua solidão realçada pela escassez da escrita para tutti. Tal como acontece com muitos dos andamentos lentos de Bach, as mudanças subtis e repentinas entre as harmonias podem mesmo apanhar o ouvinte desprevenido, e o seu lirismo gracioso deambula aparentemente sem uma conclusão adequada até sermos surpreendidos pelo final.
Segue-se um Presto que dispara imediatamente por meio de um motivo principal impulsionado pelo ritmo. Uma vez mais, o violino solo destaca-se da textura, respondendo repetidamente à orquestra com apenas duas notas, iniciando, em seguida, a sua própria viagem de esplendor e figurações deslumbrantes. Ao mesmo tempo espalhafatoso e exploratório, o violino solo atravessa as harmonias mutáveis de Bach e quase paralisa todos os músicos a determinada altura. As respostas de duas notas do violino à orquestra, anteriormente joviais, tornam-se cada vez maiores, mais ousadas e vigorosas, antes de conduzirem todos ao concerto com uma proclamação entusiástica.
J. S. Bach: Concerto para Violino em Ré Menor, BWV 1052R
Composto na primeira metade do século XVIII, o Concerto para Cravo N.º 1 em Ré Menor de Bach, BWV 1052, é talvez uma das obras mais populares para instrumento solo e orquestra do conceituado génio alemão. Na verdade, Felix Mendelssohn – célebre compositor e talentoso pianista – promoveu este concerto em inúmeros espectáculos seus. Johannes Brahms, um dos principais compositores do século XIX, chegou mesmo a escrever uma cadência – uma passagem a solo num concerto destinada a evidenciar o virtuosismo de um solista sem o acompanhamento da orquestra – para esta obra.
Curiosamente, os musicólogos acreditam que este concerto se baseia, na verdade, numa obra para violino e orquestra há muito perdida, a qual foi também interpretada como concerto para órgão. Outros defendem mesmo que o esqueleto e a base desta obra podem ser encontrados em duas cantatas de Bach, composições vocais para cantores solo com acompanhamentos instrumentais e corais.
Como concerto para violino, apesar da técnica incrivelmente desafiante que exige de um solista, a peça revela dispositivos temáticos matizados atribuídos à execução das cordas. Para além de ser um teclista magistral, Bach era também violinista, reconhecendo talvez intuitivamente o potencial de todas as ideias que teve para o Concerto em Ré Menor como sendo bastante adequadas para o violino. Embora não restem materiais manuscritos originais, esta reconstituição a partir de várias fontes contemporâneas (muitas vezes, com ajustes feitos pelos solistas que interpretam a obra) incorpora o espírito da transcrição e adaptação que Bach celebrou.
O Allegro de abertura arranca imediatamente com um tema ousado, quase exigente, que atinge as alturas antes de descer de volta à Terra. O violino solo inicia, desde logo, episódios vertiginosos, pontuados por resquícios do tema de abertura, lançando-se então, esbaforidamente, em mais uma série de demonstrações altamente virtuosísticas. As mudanças de harmonia cuidadosamente calculadas entre menor e maior quase proporcionam um breve alívio à escrita intensamente apaixonada de Bach. A parte do solo, como se pode imaginar, adaptada a partir da versão para teclado, permanece implacável para o violinista, conduzindo a uma brilhante e sensacional cadência de violino seguida pelo tema de abertura, que finalmente conclui este andamento brutal, embora revigorante.
O Adagio apresenta um início sombrio com as cordas tutti em uníssono, regressando sucessivamente e proporcionando ao solo de violino uma base para as suas linhas melódicas ornamentadas. Plangente e introvertido, num contraste chocante com o primeiro andamento, o violino entoa, mas enche as suas linhas lânguidas com ornamentos cada vez mais floridos. Por mais do que uma vez, as exclamações dramáticas e angustiadas do violino solo interrompem subitamente a base sólida estabelecida pelas cordas tutti, avançando então, de modo serpenteante, para novas meditações e lamentos.
O Allegro que encerra a peça retoma o seu motivo rítmico, o qual regressa de diversas formas graças à imensa criatividade composicional de Bach, como contraponto aos inúmeros e vibrantes gestos proporcionados pelo solo de violino. Mais uma vez, o virtuosismo da escrita para teclado deveria traduzir-se em algo quase impossível para o violino, mas, de certo modo, a música prevalece, e nesta reconstituição, apesar da sua incrível dificuldade, surge uma nova jóia para o repertório de violino, com tremenda força e consequência. Passando para uma outra cadência extremamente brilhante, o motivo principal regressa, por fim, para concluir esta consequente transcrição.
Por Jules Lai