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N. Rimsky-Korsakov: Scheherazade, op. 35
A suíte sinfónica Scheherazade é talvez a obra mais conhecida do compositor russo Rimsky-Korsakov (1844-1908). Inspirada nos populares contos árabes As Mil e Uma Noites, esta suíte foi concluída em 1888 e estreada em S. Petersburgo no mesmo ano, sob a batuta do próprio compositor. Rimsky-Korsakov concebeu motivos temáticos com uma personalidade própria para os dois protagonistas: a bela e inteligente Scheherazade e o implacável e majestoso Sultão. Estes motivos temáticos manifestam-se primeiramente na introdução e percorrem, depois, toda a suíte, estabelecendo um elo entre os andamentos e revestindo a obra de um sentido de coesão.
O primeiro de quatro andamentos desta suíte é uma sonata sem secção de desenvolvimento, realçando as viragens surpreendentes e imprevisíveis do oceano e da experiência da navegação. Com o arpejo dos violoncelos como acompanhamento, os violinos e os sopros conduzem ao primeiro tema, o qual representa o mar e evolui a partir do tema do Sultão, seguindo-se o segundo tema, que evoca navios a sulcar os mares para simbolizar Sinbad e inclui elementos do tema de Scheherazade.
Adoptando uma forma ternária, o segundo andamento relata a aventura de príncipes que se converteram em monges errantes. Cada secção desenvolve o tema através do uso de variações, proporcionando um acentuado toque oriental através de uma harmonia e orquestração fulgurantes.
Assumindo igualmente a forma-sonata sem a secção de desenvolvimento, o terceiro andamento apresenta um primeiro tema em cordas em Sol maior, retratando o belo e apaixonado príncipe árabe e um segundo tema com características de uma dança, retratando a graciosa princesa através da alternância entre os sopros e as cordas em Si bemol maior e os ritmos ornamentais das tarolas e dos triângulos. A alternância e a complementaridade dos dois temas manifestam o belo sentimento de amor que une a dupla.
O quarto andamento final é uma combinação de todos os temas anteriores, que transporta a suíte ao seu clímax com as suas múltiplas e complexas conotações musicais. Esta suíte exemplifica na perfeição a soberba técnica de orquestração do compositor, retratando minuciosamente a atmosfera exótica e esplêndida do Oriente.
S. Rachmaninoff: Sinfonia N.º 2 em Mi Menor, op. 27
Escrita entre 1906 e 1907, a Sinfonia N.º 2 em Mi Menor (op. 27) foi dedicada ao compositor russo Sergei Taneyev (1856-1915) e estreada em S. Petersburgo em 1908 sob a batuta do próprio compositor. Após o fracasso da sua Sinfonia N.º 1 em Ré Menor em 1897, Rachmaninoff só voltaria a compor neste género dez anos mais tarde, tendo então o imenso êxito desta peça permitido ao criador recuperar a confiança como compositor sinfónico.
Esta obra titânica abrange quatro andamentos. O primeiro assume a forma-sonata com uma introdução longa, lenta e magnífica, transmitindo uma impressão geral opressiva e sombria. O segundo andamento em Lá menor caracteriza-se pela sua comicidade, revelando a mestria do compositor a nível da direcção de orquestra. Se nos dois primeiros andamentos só brevemente conseguimos percepcionar o toque sentimental emblemático de Rachmaninoff, o terceiro andamento em Lá maior evidencia plenamente o talento lírico do compositor. Por entre amplas e longas linhas melódicas, a textura espessa e variada do agrupamento, as significativas reviravoltas dos semitons e a aplicação engenhosa da harmonia, é-nos possível entrever o entrelaçamento da amargura e da doçura, da melancolia e da tristeza, transcendendo a palavra e comovendo-nos profundamente, numa representação perfeita do singular carácter romântico de Rachmaninoff. No quarto andamento em Mi maior, as ideias temáticas dos andamentos anteriores vão reaparecendo uma vez por outra, realçando, em certa medida, a coerência da sinfonia e encaminhando a mesma para a sua coda magnífica e triunfal.
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S. Prokofiev: Concerto para Violino N.º 1 em Ré Maior, op. 19
Sergei Prokofiev (1891-1953) escreveu o seu Concerto para Violino N.º 1 em 1917, quando a Rússia estava em pleno estado de intensa turbulência política e social, mas também coincidiu ser o ano mais prolífico da vida do compositor: para além deste concerto, Prokofiev escreveu ainda a Sinfonia N.º 1, as Sonatas para Piano N.º 3, e N.º 4, a suíte para piano Visões Fugitivas e o Concerto para Piano N.º 3. O seu primeiro concerto para violino estava previsto para o mesmo ano em Petrogrado, mas, por vários motivos, o concerto foi apenas estreado no Palais Garnier, no dia 18 de Outubro de 1923, enquanto Prokofiev estava em Paris.
Apesar de abranger três andamentos, tal como nos concertos clássicos convencionais, esta obra apresenta um padrão invertido de “lento-rápido-lento” em vez do convencional “rápido-lento-rápido”. No primeiro andamento, que arranca com uma imprecisão ilusória, o violino solo entoa o primeiro tema lírico por entre o suave vibrato das violas, seguindo-se a entrada gradual das madeiras que vão estabelecendo um diálogo com o violino. O segundo tema em Dó maior apresenta um tom declamatório nítido, devendo, segundo as instruções do próprio Prokofiev, ser “interpretado como se se estivesse a tentar convencer alguém de alguma coisa”. O conciso segundo andamento (em Mi menor) caracteriza-se por um forte virtuosismo, assinalando um marcado contraste com o primeiro andamento e o último: é lúdico, combativo, desregrado, enérgico, precipitado e frívolo, representando o estilo mais emblemático do compositor. O terceiro andamento começa com uma melodia de tom ligeiramente jocoso no fagote, seguida de um solo de violino que lhe confere uma aura mais serena e comovente. O papel do solo alterna constantemente entre o assumir a liderança e o servir de acompanhamento. A música regressa gradualmente à tranquilidade e ao devaneio introduzidos no início e o violino recua com uma série de vibratos cintilantes, deixando a flauta concluir tenuemente o concerto.
S. Prokofiev: Sinfonia N.º 5 em Si Bemol Maior, op. 100
Composta por Prokofiev em 1944, em vésperas do final da guerra entre a União Soviética e a Alemanha, esta sinfonia estreou no ano seguinte no Grande Auditório do Conservatório de Moscovo sob a batuta do próprio compositor, após uma estadia nos Estados Unidos e em Paris e após o regresso ao seu país em meados da década de 1930. O seu estilo musical abandonou o carácter vanguardista da fase inicial da sua carreira para se tornar mais rústico e lírico, com maior ênfase no papel das melodias, embora mantendo ainda os traços combativos, robustos e dinâmicos da sua personalidade.
Evidenciando uma aparente contemporaneidade e um pensamento profundo, esta composição exalta o grande poder e a nobreza da humanidade e é amplamente considerada a sinfonia mais notável de Prokofiev. O primeiro andamento desencadeia um heroísmo firme e imponente, um espírito épico com um ritmo compassado, uma ampla atmosfera e uma aura épica. O segundo andamento, um scherzando, evidencia o humor, o sarcasmo, a rebeldia e o absurdo característicos de Prokofiev, o qual, por meio de variações na orquestração e no ritmo opera uma série de transformações intrigantes no peculiar tema principal, em contraste com a secção intermédia, que evoca um ambiente pastoral refrescante e também uma fascinante cena de dança. O terceiro andamento é típico do lirismo de Prokofiev, revelando todo o seu talento melódico. O quarto andamento arranca com uma introdução lenta, onde os violoncelos e os contrabaixos interpretam em conjunto o primeiro tema do primeiro andamento. O tema principal, um scherzando animado, surge então repentinamente, levando a música a transitar de um lirismo profundo e persistente para retomar a linha enérgica e estimulante, fazendo-a ascender ao seu clímax quase frenético no final.
Por Danni Liu