Desde o seu advento no início do século XVIII, que a ópera cómica italiana se tornou popular pelo estilo refrescante, natural, tom animado e bem-humorado, espelhando temas próximos da vida quotidiana. Vários compositores, desde Pergolesi e Paisiello, de Mozart e Donizetti a Verdi, contribuíram para a tradição da ópera cómica italiana, e Gioachino Rossini (1792-1868) é, sem dúvida, o representante mais autêntico desta linhagem. Começando com O Contrato de Casamento e ganhando reconhecimento internacional com a Italiana em Argel, Rossini escreveu cerca de 40 óperas ao longo da sua vida, metade das quais são óperas cómicas, incluindo O Barbeiro de Sevilha, que é a mais interpretada e conhecida das suas obras
O Barbeiro de Sevilha é a 17.ª ópera de Rossini, tendo sido concluída em apenas três semanas, em 1816, e estreada em Roma a 20 de Fevereiro do mesmo ano. Esta ópera em dois actos foi inspirada na primeira peça da trilogia de Figaro, da autoria do dramaturgo francês Pierre Beaumarchais (a partir da qual Mozart adaptou a segunda peça, As Bodas de Figaro, igualmente uma ópera cómica italiana clássica), sendo o libreto da lavra de Cesare Sterbini. Embora os compositores italianos Giovanni Paisiello e Francesco Morlacchi já tivessem composto duas óperas dedicadas ao mesmo tema em 1782 e 1815, respectivamente, apenas a versão de Rossini foi incluída no repertório.
Caracterizada pela ausência de grandes acontecimentos históricos, heróis trágicos e da interferência dos deuses no destino humano, a ópera cómica italiana revela a humanidade e satiriza a sociedade através de gestos e comentários provocatórios de pessoas comuns. O enredo de O Barbeiro de Sevilha contém vários elementos típicos da tradição cómica: disfarce e fraude, mal-entendidos e reconciliações, conspiração complexa e múltiplas reviravoltas, permitindo ao público identificar-se e sorrir pelo comportamento de Figaro ao “aceitar dinheiro de terceiros para ajudar a resolver problemas” e pela genial interpretação de Basilio sobre a natureza dos rumores.
No que diz respeito à música vocal, esta obra evidencia sobretudo o estilo convencional da ópera cómica e o fascínio do bel canto italiano. O excepcional talento melódico de Rossini deu a cada personagem árias memoráveis que realçam os respectivos traços de personalidade: a esplêndida coloratura de Rosina, os cómicos resmungos de Bartolo, o árduo desempenho do Conde Almaviva, que interpreta três personagens diferentes, e as recorrentes patter songs (canções com letra cantada muito rapidamente) destinadas a cada personagem – todos constituem árias distintas que se complementam na perfeição.
Em O Barbeiro de Sevilha, não há bem e mal absolutos, nem heróis ou vilões aparentes, pois cada uma das personagens tem os seus próprios motivos e age em benefício do seu próprio interesse. A melhor forma de transmitir as relações e o conflito dramático, é através de ensembles, combinações de músicos e instrumentos cuja rica textura torna possível a introdução de diálogos entre personagens ao mesmo tempo que revela a sua psique. Até a mesma linha e o mesmo motivo musical podem revestir-se de múltiplos significados quando interpretados por personagens diferentes. As cenas mais complicadas e impressionantes ao longo dos dois actos desta obra-prima são apresentadas na forma de ensembles, levando a peça a sucessivos clímax.
A abertura de O Barbeiro de Sevilha é um clássico bem conhecido dos melómanos, frequentemente interpretada separadamente em concertos. No entanto, a abertura não foi escrita para esta peça, sendo retirada da opera-séria Aureliano em Palmira, de Rossini, levada à cena em 1813 e reutilizada numa outra sua ópera, Elisabete, rainha de Inglaterra (1815). O tema da abertura não tem, por conseguinte, relação com o da música da secção principal de O Barbeiro de Sevilha, mas a própria abertura acabou, no entanto, por estabelecer um tom alegre e sardónico apropriado para toda a ópera. Além disso, ao longo desta obra pode ainda perceber-se a utilização do Rossini Crescendo, técnica emblemática do compositor que consiste no aumento gradual do volume da mesma passagem repetida durante um longo período de tempo. Apesar da sua aparente simplicidade, esta técnica tem demonstrado grande eficácia nas obras de Rossini.
Por Danni Liu
Texto escrito originalmente em chinês