Encontros Feéricos

 

As estações sucedem-se, umas a seguir às outras, como tudo no universo. No início do Verão tudo floresce, sendo um momento perfeito para nos deixarmos levar pelas artes.

O 34.º Festival de Artes de Macau está pronto a arrancar com “encontros feéricos”, apresentando uma série de programas fantásticos e inovadores, convidando o público a descobrir e a abrir-se ao mundo das artes. Quando a cortina se abrir, veremos um sem-número de personagens, imagens e eventos na ribalta. Cada ocasião será um momento peculiar, seja um belo rendez-vous, um encontro apaixonado ou um singular reencontro.

O espectáculo de abertura, O Livro da Selva reimaginado, é uma reinvenção da fantasiosa obra-prima homónima, concebida pelo icónico bailarino e coreógrafo Akram Khan e pela sua companhia de topo. Adaptada a partir do clássico do Nobel da Literatura Rudyard Kipling, a estimulante produção de dança teatro explora a crise de sobrevivência da humanidade a partir da perspectiva de uma criança. O extravagante circo Laguinho dos Patos é inspirado no bailado O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky, e no conto de fadas O Patinho Feio, de Hans Christian Andersen, sendo apresentada pela companhia australiana Circa, que regressa a Macau com as suas técnicas e linguagens desarmantes, proporcionando ao público uma experiência alegre e intrigante.

A feeria permanece inseparável do universo dos sonhos. Do conto de fadas ao bailado, A Bela Adormecida continua a exercer o seu encanto. Como se verá quando Marcos Moreau, vencedor do Prémio Nacional de Dança de Espanha, apresentar a sua versão da história em colaboração com o Ballet da Ópera de Lyon, num bailado contemporâneo que promete acrescentar um ponto pós-moderno a este conto.

Macbeth, a intemporal tragédia de Shakespeare, tem sido objecto de múltiplas reposições e reinterpretações de tirar o fôlego. Este ano, o Festival de Artes apresentará uma versão nunca antes apresentada num palco local: Macbettu, uma produção de teatro físico da Sardenha, que ousadamente leva à cena um elenco exclusivamente masculino, explorando o poder inato das tragédias clássicas num ambiente primitivo e desolado. Com laivos de tragédia também nos chega Os Três Irmãos, encenado pela companhia portuguesa Nome Próprio, uma produção que retrata as relações familiares e examina as emoções humanas, levando ao palco os atritos, as lutas e a camaradagem entre irmãos.

Reflexo da existência, a arte relaciona-se frequente e intimamente com a realidade. Ao longo de milhares de anos, escritores, pintores e inúmeros outros artistas têm vindo a revelar aspectos da essência humana por meio da arte. Inspirada na breve vida da escritora Nelly Arcan, A Fúria do Que Penso, encenada por Marie Brassard, transforma os textos poderosos de Arcan em canções sobre a vida, numa eulogia à vulnerabilidade da condição humana.

As lendas perpetuam-se consoante a admiração causada. Que reacções químicas se darão quando a tradição minimalista de usar “uma mesa e duas cadeiras” na ópera tradicional chinesa convergir com uma peça absurdista de Eugène Ionesco? A ópera experimental As Cadeiras, trazida pela Companhia de Ópera Kunqu de Xangai, explora temas perenes no Oriente e no Ocidente, como o amor, a solidão e o sentido da vida. A nova ópera cantonense Sob a Árvore de Pagodes é igualmente inventiva, directamente saída da mente de Chu Chan Wa, reverenciado mestre operático que, em colaboração com o seu impecável elenco, revisitará a herança e inovação de técnicas antigas.

A infância é um período crucial para fomentar a criatividade e a imaginação. O Teatro Baj da Polónia preparou O Livrinho, uma peça para bebés direccionada aos pequeninos artistas, abrindo-lhes a porta para um mundo fantástico através de um livro sem texto. Passando suavemente para uma história acarinhada por adultos e crianças, Verónica, uma menina natural de Macau, está de volta à cidade! O artista multimédia Bernardo Amorim volta com a sua magia, apresentando um espectáculo incrível direccionado para famílias Ao Teu Lado - Para sempre aqui contigo. Desta vez, Amorim convida o público a olhar para o mundo interior de Verónica, agora já mais crescida.

Estes “feéricos encontros” apresentarão ainda várias produções inspiradas na antropologia local. Evocando um grupo de mulheres que escolheram subsistir sozinhas, Chan Meng criou Disse Ela, uma dança-teatro ambiental que integra elementos da ópera chinesa. Os Dóci Papiaçám di Macau continuarão a promover o teatro em patuá, património cultural nacional intangível. The Funny Old Tree Theatre Ensemble apresentará Impressões de Iec Long na antiga fábrica de panchões da Taipa, usando a imaginação para recriar a ascensão e queda de uma indústria outrora vibrante.

Ao longo dos anos, o Festival de Artes de Macau tem-se empenhado em promover o desenvolvimento profissional das nossas companhias, proporcionando uma plataforma para destacados artistas mostrarem os seus projectos. Anamnese n.º: XXXX é um trabalho da Associação de Arte Teatral Dirks recriado a partir de Equus, uma reconhecida peça do dramaturgo britânico Peter Shaffer, procurando estimular a reflexão do público através da integração de tecnologia de vídeo em tempo real. Frankenstein/Criaturas é uma encenação da companhia Espaço para Agir a partir do clássico de ficção científica Frankenstein, onde indivíduos com aptidões perceptivas diversas poderão assistir à peça, já que serão disponibilizados serviços de acessibilidade, incluindo audiodescrição e interpretação gestual.

Neste festim criativo, o público também terá oportunidade de interagir com os artistas divertindo-se ao som de melodias de sempre. A Orquestra Chinesa de Macau vai tocar com a “super diva” Frances Yip, brindando os melómanos com clássicos da pop. Por sua vez, a banda rock portuguesa Capitão Fausto irá partilhar o palco com o experiente cantor chinês David Huang, num concerto que junta as culturas chinesa e portuguesa.

A Mostra de Espectáculos ao Ar Livre irá, uma vez mais, despertar a vitalidade no seio da comunidade através de um variado leque de actuações folclóricas. Por seu lado, a exposição “Foco: Integração Artística entre a China e o Ocidente nos Séculos XVIII-XIX” recriará o intercâmbio que outrora se desenvolveu entre artistas chineses e estrangeiros através de uma selecção de mais de 300 obras. A abrangente secção Projecções Seleccionadas de Espectáculos Internacionais levará à tela gravações de espectáculos primorosos concebidos por companhias de topo a nível mundial, revelando-nos novas estéticas e percepções.

Entre o subir e o cair do pano, o abrir e o fechar de portas, novas luzes iluminam o caminho de uma jornada que se quer vivaz. Estão desde já todos convidados a embarcar nesta intrigante viagem pelo mundo das artes!

Leong Wai Man
Presidente do Instituto Cultural do Governo da Região Administrativa Especial de Macau