Atrium

APRESENTAÇÃO

Luís Sá Cunha

Depois de uma edição integralmente dedicada à Poesia, esta seguinte convocada pela Música. À de Calíope, sucede a tutela de Apolo.

Pequeno território, historicamente polarizado na sobrevivência e no comércio, Macau não terá sido fértil na geração de grandes valores distintos na arte de Orfeu. O gosto, a educação e o cultivo de Música foram, porém, um distintivo aristocrático das grandes famílias macaenses, sobretudo dos meados do Século passado aos anos 50 deste Século. Está ainda para ser escrita a crónica elegante deste modo de estar macaense, sempre entrevisto em tantas notícias e avisos de cartaz omnipresentes na imprensa territorial daquele período.

As pequenas histórias do Teatro D. Pedro V, da Academia de Amadores de Teatro e Música e do Círculo de Cultura Musical de Macau, assistido pela melomania apaixonada de Luís Gonzaga Gomes, acrescentadas pela da Academia de Música S. Pio X, chegam para ilustrar a riqueza de uma tradição musical viva em Macau. Sem dúvida, porém, que, com o Festival Internacional de Música, a notável expansão da Academia e do Conservatório, o Festival de Artes de Macau e os Concursos para Jovens Músicos, Macau subiu em notas de oiro na escala da arte musical.

Toda a primeira parte deste Sumário trata do encontro da música portuguesa com as artes musicais das geografias asiáticas contactadas pelos portugueses. Emolduramos, neste enquadramento, apenas um episódio emblemático: o fascínio derramado nos salões europeus pelos quatro jovens dáimios japoneses, iniciados na arte orfaica nas escolas jesuítas do Sul do Japão.

De rememorar, também, o prodigioso prestígio de músicos, instrumentistas, fabricadores de instrumentos e órgãos — quase todos jesuítas, — na roda cortesã imperial de Pequim, nos séculos XVII e XVIII. E a surpresa causada pelo método ocidental de notação musical e pelos efeitos das portentosas fábricas musicais mecânicas entre a população pequinense.

Não sendo aqui e agora a melhor oportunidade para aprofundar origens e precedências e para enquadrar justamente as razões daqueles êxitos ocidentais, diremos apenas que, se se conhecem tratados musicais chineses (vide Crónica de Sima Qian) mais ou menos contemporâneos da escola Pitagórica (séc. III a V a. C.), reporta-se a tradição da origem da Música ao último dos Três Ausgustos, o Imperador Huang Di, c. de 2697 antes da Era Cristã.

Teria sido um dos seus ministros, Ling Lun, quem estabeleceu a oitava em doze semitons, a que chamou os doze lus.

Citando confiantemente Marcel Granet (La Penseé Chinoise, pág. 178), se a arte musical chinesa dispensou fundamentar a sua técnica num princípio aritmético rigoroso foi porque, no espírito da sua cultura, se tratava de "um jogo realizado por símbolos numéricos (considerados não como signos abstractos mas como emblemas eficientes) e que a finalidade deste jogo não era formular uma teoria exacta que justificasse rigorosamente uma técnica, mas ilustrar esta técnica religando-a a uma Imagem prestigiosa do Mundo".

O maestro e musicólogo Veiga Jardim introduz o leitor ocidental nos meandros da arte musical chinesa.

Ainda neste número, lugar selecto à criação musical — com as partituras inéditas de três grandes maestros/compositores portugueses, inspirados em poemas da Clepsidra de Camilo Pessanha: Fernando Lopes-Graça, Filipe de Sousa e Simão Barreto. Com Camões, será talvez o poeta exilado em Macau o mais "musicado" de todo o panorama poético português. Ou não tivesse ele sido o mais alto cultor da norma verlainiana "de la musique avant toute chose", e, no dizer de Couto Viana (RC, n° 3,1987) o compositor de belíssimas "partituras" — "que são toda a sua obra, ricas e variadas de melodias, ritmos, harmonias".

Orgulha-se Macau de poder associar ao seu o nome de dois grandes compositores: Xian Xing Hai e Áureo Castro, cujas notas artístico-biográficas se divulgam também neste número.

E a fechar, em majestoso, um andamento para aquelas sensibilidades que afloram na música a plenitude sensível do Ser, a "harmonia das esferas" ou o magnificente concerto cósmico.

Para um olhar de românticos do fim, a melodia que perpassa e ondula na sequência das nostálgicas paisagens de Macau intemporal.

O Director da Revista de Cultura

Luís Sá Cunha

desde a p. 3
até a p.