Beleza e vida
Através dos nossos sentidos da visão, audição, paladar, cheiro e tacto, podemos absorver a todo o momento a beleza que nos rodeia. Estas experiências sensoriais são armazenadas no seio do nosso corpo, o qual denomino “armazém da beleza”.
Estas experiências são diferentes dos conhecimentos analisados pelo cérebro.
A educação moderna tende para a análise de conhecimentos, transformando-os no conteúdo de exames e forçando, assim, os estudantes a decorá-los. Ao longo do percurso escolar, desde o ensino secundário até ao superior, incluindo a nível de mestrado e doutoramento, a acumulação de conhecimentos torna-se num peso. Um académico com altas habilitações literárias acaba por ter uma sensibilidade emocional quase nula.
Já várias pessoas descobriram que os conhecimentos não equivalem à beleza. É provável que aqueles com altas qualificações académicas não sintam a brisa da Primavera nem a suavidade da areia da praia, nem percebam a necessidade do conforto da mãe idosa. Os conhecimentos deixam as pessoas indiferentes; os conhecimentos tornam as pessoas arrogantes; os conhecimentos endurecem a vida tornando-a rígida como uma carapaça e eventualmente empedernida e insípida. Mas acredito que o que está dentro dessa carapaça é frágil e teme ser ferido, daí que as pessoas se defendam construindo uma protecção exterior. É isso que sucede com inúmeros académicos e professores universitários. Por isso mesmo, nos últimos anos, os países avançados têm dado importância tanto ao “QI” (quociente de inteligência) como à “IE” (inteligência emocional). Só o equilíbrio entre o quociente de inteligência e a inteligência emocional constitui a personalidade perfeita.
Segundo Confúcio, “os conhecimentos devem-se enriquecer e aperfeiçoar todos os dias; mas quem quiser atingir o tao, o caminho ou a essência primordial, deve controlar os seus desejos e comportamentos indesejáveis.”
Quando os conhecimentos se convertem num peso ou numa barreira, apenas podemos voltar a sentir o colorido da vida se nos libertarmos deles.
Não é difícil para as crianças encontrar a “beleza”. Estas, dada a pureza da sua alma, vêem a beleza no desabrochar de uma flor, no canto das cigarras no Verão, bem como no calor das mãos das suas mães. “A beleza é uma felicidade sem fim”, expressou o filósofo alemão Immanuel Kant. Os conhecimentos tornam as pessoas pragmáticas e dão-lhes numerosos objectivos, pelo que estas não reparam na beleza nem se apercebem do prazer dado pelas cores e pelos sons em seu redor. A beleza, a melhor solução para salvar aqueles presos pelos conhecimentos, é imediatamente revelada assim que se quebra a sua carapaça de protecção.
A beleza é frequentemente conotada com actividades artísticas, como exposições de pintura e música, mas segundo o filósofo Zhuangzi “a beleza do universo é indescritível e omnipresente”. Este filósofo defendia que a beleza está em todo o lado, e ao compreender as cores de uma flor ou a luminosidade do pôr-do-sol compreendem-se igualmente as pinturas de Monet; ao escutar o som das ondas do mar ou a subida da maré na praia, compreendem-se certamente as obras de Beethoven e de Debussy.
Zhuangzi, artista da vida, sentia a grande beleza da terra a todo o momento. De facto, a beleza está em nosso redor, sendo possível encontrá-la desde que estejamos dispostos a sentí-la. Zhuangzi exerceu uma influência tremenda na cultura chinesa, libertando a alma presa pelos conhecimentos. O poeta chinês da dinastia Song, Su Dong Po, descreveu a omnipresença da beleza através de dois versos de uma poesia sua - “O vento fresco sopra no rio; a lua pendurada sobre as montanhas” -, que relatam como um pescador possivelmente desfruta sempre da paisagem deslumbrante descrita pelo poeta, enquanto nós nos afastamos da natureza devido aos conhecimentos.
O ócio da vida
Surgiu-me uma nova interpretação de dois caracteres chineses, “忙”e “閑”, os quais significam, respectivamente, “ocupado” e “ocioso”. “忙” significa a morte da alma e “閑” significa estar à porta a observar uma árvore ou a lua. [Em chinês, o carácter “忙” (ocupado) é composto pelo radical “心” (alma ) e pela partícula “亡” (morte ), ao passo que o “閑” ou (ocioso) é formado pelo radical “門” (porta) e pela partícula “木” (árvore)]. Quando os meus amigos me dizem que estão ocupados, pergunto-lhes há quanto tempo não vêem a árvore da porta.
A conveniência trazida pelos avanços científicos e tecnológicos torna a nossa vida mais “ocupada”. Quando planeamos uma viagem para descansarmos, ocupamo-nos a procurar na Internet informações sobre os pontos de interesse turístico e sobre transportes, preparando tudo em pormenor, transformando o ócio em “ocupação” sem abrandar o ritmo acelerado do quotidiano, como se estivéssemos sempre com pressa; mas para chegar onde? As mais pequenas coisas à nossa volta são capazes de trazer alegria à nossa vida, por isso qual é a necessidade de procurar longe?
O requinte culinário dos restaurantes de primeira classe provavelmente não se compara aos pratos preparados pelos familiares. O vestuário de marcas famosas não pode substituir a camisola de malha tricotada pela mãe. Um lar com calor familiar vale muito mais do que uma mansão de milhões. Por vezes, andar de bicicleta ou a pé é melhor e mais saudável do que conduzir um Mercedes-Benz. Os aspectos da alimentação, do vestuário, da habitação e dos meios de transporte constituem a estética de vida, a qual depende da nossa escolha própria, não devendo seguir cegamente as escolhas dos outros.
As “marcas famosas” são somente marcas, portanto não as devemos valorizar pois são apenas um símbolo, devendo-se valorizar a coisa em si.
Em chinês, o carácter “品” (saborear) é composto por três caracteres “口”. O primeiro destes significa comer; comer é o que fazemos quando temos fome e a barriga vazia; sem dignidade, não podemos verdadeiramente saborear o que temos. As nossas vidas já passaram por esta fase primária, pelo que temos de aprender a saborear. O gosto não tem que se ligar às marcas luxuosas; muitas pessoas vestem roupas de marca ou usam relógios luxuosos, mesmo que estes não lhes fiquem bem. O gosto é nosso estilo próprio e as melhores marcas vêm de dentro de nós. Temos de saber gozar o quotidiano e gozar a nossa própria vida.
Costumo dizer que “a maior beleza é sermos nós mesmos”. Uma boa “marca” é ser insubstituível, pelo que saber criar um estilo de vida próprio é precisamente a “marca” eterna.